Nossa Opinião

A sociedade em risco

Em 2004/2005, os indicadores de violência registraram um ponto fora da curva de criminalidade: pela primeira vez em mais de uma década de crescimento ininterrupto, caiu o índice de homicídios no Brasil. A relação de causa e efeito entre esse dado e a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, no fim de 2003, foi direta.

Os índices de crimes com o emprego de armas de fogo continuaram decaindo nos anos posteriores. Hoje, estabilizaram-se — ainda que em patamares inaceitáveis, o que tem sido um dos argumentos usados como bandeira por aqueles que se movimentam para não só desmoralizar o Estatuto, mas até mesmo para revogá-lo.

Dentro dos indicadores de criminalidade, a rubrica de mortes violentas, não acidentais, está longe de ter atingido no Brasil padrões tidos como aceitáveis pela ONU. O órgão estabelece a relação de dez óbitos por grupo de 100 mil habitantes como o teto a partir do qual a violência é considerada fenômeno epidêmico numa região. A média do país fixou-se na casa dos 25/100 mil. Considerados apenas os homicídios com o emprego de revólveres, rifles e semelhantes, a relação é de 18/100 mil, de acordo com o escritório das Nações Unidas para a Paz, Desarmamento e Desenvolvimento na América Latina e Caribe (Unlirec, na sigla em inglês).

São números ainda altos. Mas atribuir esse quadro à alegada ineficiência do Estatuto é mero truque para cimentar o caminho da revogação da lei. Sem as restrições legais e as campanhas de desarmamento o número de homicídios seria maior. Estudos mostram que, nas regiões onde sua aplicação foi mais tíbia, a média de assassinatos é bem maior que a taxa nacional.

O país também ainda paga o preço da corrida armamentista dos anos 90: em São Paulo, por exemplo, 60% das armas apreendidas em 2011 e 2012 foram fabricadas antes do Estatuto. Além disso, a posse de armas não inibe crimes. Ao contrário, os estimula: comprovadamente, 95% dos assassinatos dentro dos lares são cometidos por parentes ou conhecidos das vítimas. Por fim, sabe-se que o aumento de 1% na circulação de armas corresponde a um incremento de 2% na taxa de mortes violentas.

Apesar dessas evidências, mantém-se ativo, principalmente no Legislativo, o lobby que, em defesa dos interesses da indústria das armas, bombardeia o Estatuto. Desde a adoção da lei, uma centena de projetos com tal objetivo já chegou ao Congresso. O mais recente será votado no dia 10, em comissão da Câmara. Na prática, o texto, do deputado Peninha Mendonça (PMDB-SC), propõe a revogação da legislação em vigor, com a flexibilização dos dispositivos que inibem a proliferação de armas. Aprovar tal insanidade será grave retrocesso, uma decisão de alto risco para a segurança da sociedade.

Não se pode atribuir ao Estatuto o poder de, por si, melhorar os indicadores de violência. O Brasil avançou com ele, mas a solução para a segurança pública passa também por políticas integradas e mudanças estruturais (culturais, econômicas, educacionais, comportamentais etc.). Nunca pelo arbítrio individual, escorado na força das armas, de cada cidadão.

Outra opinião: Em socorro dos indefesos

Segurança não é apenas um direito constitucional do cidadão. É artigo de primeira necessidade, que não está disponível em farmácias ou supermercados. Tampouco existe versão genérica que dê conta de proteger vidas humanas. No entanto, políticas desastrosas de combate à violência existem aos montes, geralmente acompanhadas de explicações medíocres. O Estatuto do Desarmamento é uma delas.

Ao completar 11 anos, o Estatuto deixa como rastro uma sucessão de equívocos e indicadores negativos. A Lei 10.826 só conseguiu desarmar o cidadão de bem, ao proibir o porte de armas por civis, exceto quando houver "necessidade comprovada". Neste caso, o portador precisa ter registro no Comando do Exército — e por tempo limitado. Assim, quase 700 mil armas de fogo saíram de circulação no país.

Já o poder de fogo dos bandidos só aumentou. Esses não adquirem as ferramentas de trabalho em lojas ou casas especializadas. Pelas fronteiras de todo o Brasil, não param de chegar fuzis 7,62, AR-15, AK-47, pistolas e granadas em quantidades industriais. Na outra ponta, chefes de família, trabalhadores, donas de casas, estudantes e aposentados ficam indefesos quando se trata de proteger a sua integridade.

E os resultados? As estatísticas não deixam margem para dúvida. O Mapa da Violência aponta que o número de homicídios no país subiu de 30.865, em 2000, para 36.792 no ano passado — uma variação de 19,2%. Dados do 7º Anuário Estatístico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública são ainda mais gritantes. O país reúne seis das 20 capitais mais violentas do mundo em termos de homicídios.

A burocracia oficial não contribui em nada para melhorar este quadro. Por conta do Estatuto, as exigências tornam cada vez mais difícil o registro de armas de fogo. Não bastassem as taxas e a burocracia, o cidadão precisa se submeter a teste de tiro ao alvo e exame psicotécnico a cada três anos. Paralelamente, deve comprovar idoneidade por meio de certidões negativas de antecedentes criminais, certidões negativas de distribuição de processos criminais e mostrar capacidade técnica e aptidão psicológica para manuseio de arma de fogo. Socorro!

É louvável o esforço do Congresso em mudar a lei. O cidadão tem o direito de se defender com seus próprios meios. O fim das restrições ao porte particular de armas pode, sim, trazer uma sensação de segurança para as famílias.

O poder público tem que cumprir seu papel. Governo federal, estados e municípios devem agir por meio de políticas integradas de enfrentamento da criminalidade. A valorização das forças policiais, o combate ao tráfico e a ocupação dos territórios dominados pelo poder paralelo são parte fundamental deste processo. Qualquer avanço na área de segurança pública tem como ponto de partida essa convergência de interesses. Que eles sejam usados em defesa do cidadão.

Iranildo Campos, deputado estadual (PSD), é presidente da Comissão de Segurança Pública e Assuntos de Polícia da Assembleia Legislativa do Rio