O mercado recebeu aliviado o anúncio de que Joaquim Levy será o novo ministro da Fazenda. A lista de tarefas é enorme: reequilibrar contas públicas; melhorar a transparência; entender que inflação se controla via política monetária, e não via fixação de preços administrados; criar um ambiente que estimule o investimento privado etc. 

Se um bom técnico no Ministério da Fazenda fosse suficiente para resolver nossos problemas, ótimo. Infelizmente, isso é apenas parte da solução. Tanto quanto a Fazenda, o Ministério de Minas e Energia precisa de um técnico. Particularmente, na área de energia elétrica, que vem acumulando situações desfavoráveis cada vez mais difíceis de administrar. Há um claro problema estrutural no setor, principalmente no que se refere à qualidade da oferta da energia, que a atual administração sequer reconhece, mesmo com evidências contundentes, como o acionamento contínuo de todas as térmicas "em disponibilidade" nos últimos dois anos, apesar de terem sido projetadas para despachar em menos de 5% do tempo. 

Parte desse desequilíbrio já se vê pelos últimos reajustes médios de tarifas autorizados pela Aneel, de quase 22%. Para 2015, a previsão é da ordem de 20% acima da inflação. Esses aumentos são necessários para compensar as distribuidoras pelos custos extras que incorreram ao ficarem involuntariamente expostas e por terem sido obrigadas a contratar energia térmica mais cara. 

Outra parte do desequilíbrio, talvez mais grave, é o rombo que vem sendo acumulado pelas geradoras, por meio de um mecanismo conhecido pela sigla GSF (Generating Scaling Factor) ou fator de ajuste de garantia física. O GSF representa o quanto as geradoras hidrelétricas estão gerando abaixo daquilo que se comprometeram a gerar. Simplificadamente, as usinas hidrelétricas têm um lastro de venda de energia (garantia física), baseado em sua capacidade média de geração, e se comprometem a vender esse volume "x" de energia em contratos de longo prazo. Em alguns anos, a produção de energia pode ser menor do que a que foi contratada. Nesse caso, as usinas são obrigadas a adquirir energia no mercado de curto prazo, pagando o preço de curto prazo chamado PLD (Preço de Liquidação de Diferenças). Essa operação traz prejuízo às geradoras, porque o PLD é mais alto que o preço pelo qual elas vendem sua energia, pois o PLD reflete a escassez do produto, ou seja, quando os reservatórios estão com seus níveis muito baixos, o PLD atinge valores elevados. Quando o déficit é pequeno, a diferença de preços também é pequena, e o prejuízo é facilmente suportado. 

A situação atual, contudo, é mais complicada. Em 2014, o PLD médio foi em torno de R$ 690 o MW-hora, que foi revendido pelas geradoras a um preço próximo a R$ 130. Essa diferença de custos incidiu sobre um volume de energia equivalente a cerca de 9% da produção contratada para o ano, gerando um rombo estimado em R$ 21 bilhões. E isso para um setor cujo Ebit-da tem valor parecido com esse. (Ele mede quanto uma empresa gera de recursos através de suas atividades operacionais, sem contar impostos e outros efeitos financeiros.) Para 2015, o rombo deverá superar R$ 15 bilhões. Ao comprometermos parte substancial do Ebitda, sobram poucos recursos para pagar o serviço da dívida, a depreciação e os impostos. 

Devemos realçar que esse rombo é consequência, em grande parte, das políticas adotadas nos últimos anos: o mau planejamento levou à frustração de parte da oferta, ao atraso de obras e à inclusão de geração termelétrica com custos elevados de operação. Tudo isso leva as hidrelétricas a gerar menos energia que gostariam, principalmente quando o governo decide pelo despacho das térmicas fora da ordem do mérito (menor custo). Ou seja, as hidrelétricas vêm sendo obrigadas a comprar no mercado uma energia mais cara do que aquela que vêm sendo proibidas de gerar! 

A solução que foi proposta, de reduzir o teto do PLD dos atuais R$ 822 para R$ 388, pode, de fato, resolver o problema das geradoras no curto prazo. Só que, ao sinalizar incorretamente a escassez de energia, tal solução pode amplificar os desequilíbrios no longo prazo. Algo mais terá de ser feito. 

Na lista de problemas do futuro ministro também está um eventual racionamento, caso chova abaixo da média histórica. Gerir um racionamento vai muito além de cortar energia. Há vários dilemas envolvidos, como: quanto mais se espera, maior o custo incorrido, caso o racionamento venha a ser decretado; o corte de carga pode (e deve) ser diferente por setor de atividade ou região; é necessário administrar como distribuir as perdas entre os milhares de participantes do mercado. 

Tampouco podemos esquecer que o desajuste do setor elétrico dificulta a obtenção do ajuste fiscal, como se viu pelo recente repasse de R$ 10 bilhões para tapar parte dos buracos do setor. Assim, sem um ministro que conheça profundamente o setor, só temos a esperar por problemas ainda maiores no futuro. • 

Raul Velloso é economista