Recentemente, Leonencio Nossa, jornalista de “O Estado de S. Paulo”recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo de 2014, o mais importante da imprensa brasileira. Leonencio foi premiado pelo caderno especial “Sangue político”, publicado em 13 de outubro de 2013, em que revela a extensão dos crimes de motivação política ocorridos no Brasil a partir de 28 de agosto de 1979, quando entrou em vigor a Lei de Anistia.

Por 17 meses, o repórter da sucursal de Brasília pesquisou acervos de entidades de direitos humanos, arquivos de CPIs, delegacias de polícia e cartórios. Esteve em 35 cidades de 14 estados. Chegou a 1.133 assassinatos por disputas políticas ao longo de 34 anos.

“Trata-se de trabalho jornalístico próprio, que não teve origem em investigações ou levantamentos do Ministério Público, das polícias e de outros órgãos do Poder Público”, registro a comissão julgadora. Reportagem pura. Pauta própria.

Segundo Leonencio, o levantamento foi a forma encontrada para superar a precariedade dos registros oficiais. “Nos inquéritos de crimes políticos, em 74% dos casos a polícia não consegue chegar à autoria dos crimes. O Ministério Público não transforma em denúncia mais de 80% dos inquéritos. E o Judiciário segue no mesmo ritmo”, disse o jornalista. É o país sem retoques. O Brasil que precisa mudar.

É uma comemoração do bom jornalismo e daquilo que representa a alma da qualidade: a reportagem.

O público dos diários, independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de jornalismo com garra. Num momento de ênfase no didatismo, na infografia e na prestação de serviços — estratégias convenientes e necessárias —, defendo a urgente necessidade de complicar as pautas e investir poderosamente na reportagem.

Para sobreviverem, os grandes jornais precisam fazer que seja interessante o que é relevante. O jornalismo deve ser feito para um público de paladar fino e ser importante pelo que conta e pela forma como conta. A narração é cada vez mais importante.

Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso, a internet é imbatível. Mas há quem queira entender o mundo. E sempre haverá. Para estes deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem. Será que estamos dando respostas competentes às demandas do leitor qualificado? A pergunta deve fazer parte do nosso exame de consciência diário.

A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade. Ninguém resiste ao fascínio da reportagem. Os jornais precisam, com urgência, recuperar a capacidade de surpreender o leitor. É preciso conquistar o leitor com matérias que rompam pautas previsíveis. É necessário investir em pautas próprias e acreditar na força da grande reportagem. O caderno especial “Sangue político” não cresceu à sombra do declaratório que compõe o show midiático que domina Brasília. Foi garimpagem. Foi viajar aos recantos duros do Brasil real. Tem sabor de vida.

O leitor quer um jornalismo rigoroso, mas produzido com paixão.

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais