O Brasil foi muito bem-sucedido na incorporação das classes menos favorecidas à economia formal e à distribuição da renda na última década e meia, mas novos avanços na redução da desigualdade e na construção de uma sociedade mais equitativa dependem da retomada do crescimento e do aumento da produtividade de trabalhadores e empresas. A avaliação é de um dos maiores especialistas brasileiros em políticas sociais, o economista Ricardo Paes de Barros, quadro histórico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e atualmente assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República.

- A melhor política social para o Brasil hoje é crescimento e produtividade. Tínhamos no passado um trem (a economia), mas a locomotiva só estava ligada a um dos vagões, o dos 10% mais ricos. Conseguimos nos últimos anos conectar todos os demais vagões, à exceção dos 10% mais pobres, que continuam totalmente desconectados e ainda dependem de transferências. Agora, a locomotiva precisa continuar girando para mover todos os vagões, os pobres. Sem crescimento, acabou, a nova classe média não vai para frente. Esse é o maior desafio - diz o economista, que participou de seminário em Santiago sobre perspectivas para a América Latina organizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Ministério da Fazenda do Chile.

O economista acrescenta que, tanto no Brasil quanto no restante da América Latina, os próximos dez anos deveriam ser pautados por uma reformulação das políticas sociais e do sistema de transferência de renda. O foco deve se fechar em programas eficientes e de amplo impacto e na eliminação de incentivos ruins, como os que estimulam a informalidade. Esse será um processo comandado pelo governo, mas deve ser ancorado numa discussão de prioridades com a sociedade.

Ricardo Paes de Barros fez um levantamento e descobriu que o Brasil, para elevar produtividade, tem 150 programas, "e a produtividade está estável!", diz. A articulação também é fundamental: o abono salarial precisa ser compatibilizado com o Bolsa Família, de forma que o pagamento do primeiro - que pressupõe vínculo formal de trabalho - não impeça o recebimento do segundo. Revisar critérios da concessão de benefícios sociais, diz, tem de ser um exercício permanente dos governos.

- A próxima década é a da escolha. Criamos programas sociais na América Latina quase todo dia. Precisamos de um novo consenso na região. O portfólio é grande, temos que escolher os programas mais produtivos - recomenda.

O novo salto de redução de desigualdade e aumento de oportunidades passa pela retomada do crescimento, cujos pilares macroeconômicos (reequilíbrio fiscal e monetário, revisão regulatória, reformas estruturais etc) têm sido amplamente discutidos. Paes de Barros acha essencial "convencer desesperadamente" a nova classe média a poupar. Uma sociedade com taxa de poupança mais alta mobiliza recursos para investimentos estruturais e de longo prazo, como educação e previdência.

A produtividade, porém, é central, diz o economista, e o plano para elevá-la contém três pontos. O primeiro é investir pesadamente em infraestrutura e logística. Mas é preciso rever regulações e burocracia, entraves aos investimentos. O segundo é melhorar o ambiente de negócios, para que empresas e empreendedores tenham capacidade de se desenvolver e aproveitar oportunidades lucrativas. O foco do aumento de produtividade não deve ser a elite empresarial, mas pequenas e médias empresas. Na União Europeia, a produtividade das grandes empresas é duas vezes maior do que a das pequenas e médias. Na América Latina, em média, é seis vezes superior.

- E tem que focar fora da indústria. O setor de serviços é muito pouco produtivo, e foi isso que a Coreia do Sul fez. O ambiente de negócios também, é para pequeno e médio que temos que trabalhar, porque as grandes têm o BNDES, o Legislativo, sempre conseguem um arranjo para continuarem trabalhando - enfatiza o economista.

"Vamos copiar!"

Por último, é necessário avanço tecnológico. O Brasil, segundo ele, está sempre muito preocupado com o desenvolvimento de ponta, mas é refratário à lição básica de copiar tecnologia, incorporando inovações altamente disseminadas e que contribuem a vários setores de forma mais equitativa.

- Nem o Starbucks do Brasil copia tecnologia do Starbucks dos EUA. Vamos parar de achar feio copiar, vamos copiar! Se copiar tudo que todo mundo faz bem, por mais que seja algo pequenininho, melhora. Nanotecnologia, biotecnologia, é um salto duvidoso, que pode ser desigual. O salto do dia a dia vem de copiar.

O quadro brasileiro não difere muito do latino-americano. Especialistas acreditam que a sustentabilidade da redução da desigualdade na região depende de um novo consenso sobre políticas públicas. Para Santiago Levy, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um fator central é reduzir a informalidade do mercado de trabalho - 70% no Peru, 65% na Colômbia e 60% no México - e também a das empresas. Ele concorda com Paes de Barros que, para isso, além de crescer é preciso acabar com incentivos negativos.

Levy exemplifica que, no México, o tempo de estudo para o trabalhador de mais de 50 anos subiu 8,3 anos nos últimos 20 anos. No entanto, a produtividade deste grupo não se moveu no período:

- A alta disfuncionalidade do mercado de trabalho nos impediu de absorver os ganhos de educação significativos que tivemos nos últimos anos.

Esta abordagem é importante porque, segundo a economista Nora Lustig, da Universidade de Tulane (EUA), boa parte da queda de desigualdade na primeira década dos anos 2000 (20%) deve-se à redução do fosso salarial entre o topo e a base da pirâmide.

Alejandro Foxley, ex-ministro da Fazenda e chanceler do Chile, a educação é um dos elementos que devem constar do novo consenso regional, com aumento da qualidade do ensino, a ampliação da capacidade de aprendizagem de crianças até 3 anos e investimento na formação de professores:

- Também precisamos gerar empregos de melhor qualidade. Hoje, há três vezes mais jovens com nível superior do que no passado. Mas saem da universidade e não conseguem boas vagas. Ou seja, não estamos gerando empregos de qualidade suficientes. Precisamos crescer e diversificar economias ainda muito sino-dependentes e extrativistas.

Levy complementa que o conceito de educação deve ser entendido de forma ampla, como investimento em capital humano. Até porque a desigualdade é de renda, de condições e de oportunidades.

manutenção de programas sociais

Foxley e outros especialistas dizem ainda que é preciso acabar com o que ele chama de "dicotomia ideológica", pela qual quem defende foco no aumento de produtividade é neoliberal e quem prefere redução de desigualdade é progressista.

- São ações complementares. Aumentar a produtividade é o caminho para impulsionar o crescimento, que gera emprego e oportunidade que permite a queda da desigualdade - salienta.

Nora pondera que a necessidade de passar a uma nova fase de política social não significa abandonar os programas correntes. Para a economista, um dos grandes desafios para os governos latinos é arranjar espaço fiscal para continuar as políticas de transferência de renda, diante do crescimento baixo:

- É muito importante ter clareza sobre isso, para não se repetir o que vimos nos anos 1980, quando os ajustes eliminaram programas baratos, mas de amplo alcance.

Winnie Byanyima, diretora executiva do braço internacional da ONG britânica Oxfam, acredita que o quadro atual é uma oportunidade única para se discutir formas de levantar recursos para bancar a redução continuada da desigualdade. Um caminho é a tributação da riqueza, ou seja, a renda dos ricos. Também acredita que é preciso fechar brechas tributárias e combater a evasão e a elisão de impostos:

- Chegou a hora de a América Latina encontrar novas formas de crescer e se desenvolver.