Título: O Brasil e os EUA
Autor: Pacelli, Márcio
Fonte: Correio Braziliense, 27/06/2011, Economia, p. 9

Dois países vêm chamando a atenção das agências internacionais de classificação de risco por trilharem caminhos opostos na economia. Um deles vê, dia após dia, seu nível de incertezas ¿ medida da confiabilidade externa ¿ cair ao chão, a ponto de ser considerado um porto seguro para investidores estrangeiros. O outro, há décadas na liderança mundial das nações mais atraentes para aplicações externas, agora experimenta o medo da fuga de capitais e vive a ameaça do rebaixamento da credibilidade de seus títulos públicos.

Brasil e Estados Unidos nunca ocuparam tais posições, aparentemente trocadas. Na semana passada, a Agência Moody"s elevou a nota da dívida soberana brasileira ¿ de Baa3 para Baa2 ¿, acompanhada de uma "perspectiva positiva", por considerar bem-sucedidos os últimos ajustes na política econômica. Em 8 de junho, a Fitch, outra agência de classificação de risco, prometeu derrubar a nota dos treasuries (títulos do Tesouro) dos EUA caso o país não eleve, até agosto, o teto de dívida para dar condições ao governo de honrar suas obrigações.

Contudo, as direções opostas ainda estão longe de indicar uma troca de papéis no cenário mundial. A distância entre as duas realidades é colossal. Diante de uma recuperação global recalcitrante, com os países da Zona do Euro patinando ¿ Grécia à frente ¿ e os EUA se esforçando para recolocar sua locomotiva nos trilhos, o Brasil realmente tem pontos positivos a exibir: uma expressiva economia para pagamento dos juros da dívida (superavit primário) e os primeiros passos dados rumo à contenção do consumo e, consequentemente, da inflação.

Falta capacidade

Aparentemente, o cobiçado desenvolvimento sustentado ressurgiu no horizonte. Mas sem o freio liberal do ex-ministro Antonio Palocci, desalojado do governo, a conhecida inclinação gastadora do ministro da Fazenda, Guido Mantega, torna o futuro incerto. A folha de pessoal, por exemplo, segue em expansão. O rombo na previdência dos servidores inativos, calcanhar de aquiles do governo, já bateu em R$ 16,8 bilhões (10,3% a mais que em 2010) apenas nos quatro primeiros meses do ano. Mais: às vésperas de sediar a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, o país dá sinais de que não tem fôlego para organizar os eventos sem explodir seu orçamento. Projetos para ampliação de aeroportos não saem do papel. Nem a promessa de privatização, de última hora, terá como transformar as instalações dos terminais de Guarulhos, Galeão (Rio de Janeiro) e Brasília em complexos de primeiro mundo. As obras dos estádios do Mundial de futebol ferem cronograma e previsões iniciais de gastos.

Chicago perdeu para o Rio a chance de sediar as Olimpíadas de 2016. Se vencesse, a cidade norte-americana largaria na frente na organização dos jogos, pelo menos no quesito infraestrutura. Antes de ver sua economia afundar na última década, os EUA sediaram os jogos por quatro vezes, a última em Atlanta, em 1996. O aeroporto da cidade, com seis estações de embarque e desembarque interligadas por um metrô subterrâneo, lidera o ranking dos terminais de maior movimento mundial ¿ recebe, atualmente, mais de 90 milhões de passageiros por ano. O de Chicago transporta mais de 65 milhões. À espera de investimentos urgentes, hoje o Galeão não consegue acolher mais do que 15 milhões de pessoas a cada ano. Guarulhos, o maior do Brasil, transportou 26 milhões em 2010, mas suas instalações só dão conta de 20 milhões.

Erosão americana

Antes sustentados por uma atividade econômica pujante, os norte-americanos nunca economizaram recursos para promover eventos mundiais e fazer deles grandes oportunidades de negócios. Mas, após a crise dos anos 2000, houve até quem comemorasse a derrota na disputa pelas Olimpíadas. "Em geral, as cidades ou países que recebem a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos perdem dinheiro, pois os investimentos geram taxas de retorno menores que o montante aplicado. Seria melhor utilizar todos esses recursos de forma mais sábia", declarou o professor Allen Sanderson, da Universidade de Chicago, em 2009.

Há duas semanas, Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA), exortou o Congresso e a Casa Branca a implementarem rapidamente um plano confiável para atingir a sustentabilidade fiscal da economia norte-americana a longo prazo. Do contrário, a seu ver, os investidores internacionais poderão lançar dúvidas sobre a capacidade de solvência do país. "A história deixa claro que o fracasso em colocar nossa casa fiscal em ordem causará uma erosão na vitalidade, reduzirá o padrão de vida e aumentará o risco de instabilidade", admitiu Bernanke.

Guardadas as proporções, a sensação de que a principal economia da América do Norte trocou de papel com o líder da América do Sul está também na cabeça dos empresários. "O Brasil está se tornando os EUA e os EUA estão se tornando o Brasil", comparou Jeff Fettig, presidente da Whirlpool, fabricante mundial de geladeiras e lavadoras. Na sede da companhia, instalada na cidade-dormitório de Benton Harbor, em Michigan (localidade fortemente atingida pela crise), o executivo anunciou que o grupo focará seus negócios no exterior, com o Brasil em destaque ¿ um indício de que o futuro dos norte-americanos depende, cada vez mais, do sucesso econômico dos brasileiros.

Márcio Pacelli é subeditor de economia