O ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, instaurou os primeiros processos administrativos contra oito empreiteiras envolvidas no esquema de propinas e cartel na Petrobras. Ele também considera que o esquema pode levar essas empresas a serem enquadradas na Lei Anticorrupção, em vigor desde 29 de janeiro. Os processos foram abertos tomando por base fortes indícios presentes nos autos da Operação Lava-Jato e compartilhados pela Justiça Federal do Paraná.

Esta é a primeira vez em que empreiteiras prestadoras de serviços à estatal serão julgadas administrativamente pela CGU. Para Hage, a falta de regulamentação da Lei Anticorrupção não impedirá um eventual enquadramento nos termos da lei.

- Abrimos os processos baseados em diversas leis, inclusive a Lei Anticorrupção. Se ficar identificado pagamento de propina após 29 de janeiro, ela poderá ser aplicada. A eficácia plena da lei não está condicionada a decretos de regulamentação - disse.

Os processos abertos se referem a Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, Iesa, Mendes Júnior, OAS, Queiroz Galvão e UTC-Constran, todas supostamente implicadas no esquema de pagamento de propina em troca de contratos para grandes obras da Petrobras, em especial a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, centro dos desvios operados pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef. Os principais executivos das oito empreiteiras chegaram a ser presos na Operação Lava-Jato, no último dia 14.

A Lei Anticorrupção passou a punir pessoas jurídicas, e não somente físicas, por atos de corrupção. Segundo Hage, a confirmação da propina após o início da validade da lei poderá resultar na aplicação de multa que varia de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa no ano anterior.

inidoneidade

A regulamentação ainda definirá os parâmetros para essa punição, mas, conforme Hage, a falta de regulamentação não impede a aplicação da lei.

Ao fim do processo, porém, as empreiteiras poderão se livrar de uma das medidas mais temidas por elas: a declaração de inidoneidade e a consequente proibição de novos contratos com o poder público. A Petrobras tem regime especial de contratação e, em diversas batalhas jurídicas, vem se livrando da aplicação da Lei de Licitações. É esta lei que determina a proibição geral de novos contratos públicos. Um decreto de 1998 garante à estatal regime diferenciado de contratação. Nos procedimentos abertos pela própria Petrobras, já houve punições com a proibição de novos contratos, mas somente com a estatal. Assim, as empreiteiras ficariam livres para prestar serviços a outras esferas de governo.

- A Petrobras tem um regime próprio de contratação, e isso vem sendo mantido pelo STF - disse Hage.

Ele acredita que os processos administrativos abertos, baseados em provas como e-mails, notas fiscais, transferências bancárias e sigilos telefônicos, demorarão a ser concluídos, dada a "complexidade" dos casos. O prazo legal é de 180 dias, prorrogável por igual período, por mais de uma vez. Novas empreiteiras investigadas na Lava-Jato poderão passar a responder aos mesmos processos.

 

Corruptos e corruptores se reuniam na própria Petrobras e em restaurantes para discutir propina

 

Era no gabinete oficial da Diretoria de Engenharia e Serviços da Petrobras, no Centro do Rio, e entre azeites trufados italianos e vinhos exclusivos de restaurantes badalados da Zona Sul carioca, que o ex-diretor da estatal Renato Duque e o ex-gerente executivo Pedro Barusco recebiam empresários e executivos de empreiteiras para acertar valores de propinas. Desde 2007, ao menos R$ 35 milhões saíram de contas no exterior para os dois.

Em depoimento prestado à Polícia Federal no dia 31 de outubro, Julio Camargo, executivo da Toyo Setal, afirmou que os ex-diretores da Petrobras marcavam encontros na sede da Petrobras durante o expediente e, lá, eles acertaram o "fluxo de pagamentos" de propinas de pelo menos três obras. Mas a maioria dos encontros acontecia em restaurantes da cidade, como o Gero, em Ipanema; o Margutta, em Ipanema, o Alcaparra, no Flamengo; e o Esch Café, no Leblon, bistrô especializado em charutos cubanos.

Nas primeiras conversas, tratavam o valor total da propina e um cronograma prévio de pagamentos. De acordo com Camargo, os valores das propinas se dividiam da seguinte forma: 1% do valor do contrato para a Diretoria de Engenharia e Serviços e 1% para a de Abastecimento, comandada por Paulo Roberto Costa.

Em caso de acerto, uma planilha detalhada era criada para o controle de Duque. Nela, constava o nome do projeto, o valor da propina acertada, o cronograma previsto, os pagamentos efetuados e o saldo a pagar.

Planilhas foram destruídas

Camargo disse que tinha cópia das planilhas, mas que elas foram destruídas assim que foi deflagrada a Operação Lava-Jato, em março. Entre 2005 e 2012, Camargo movimentou US$ 73 milhões em contas na Suíça, no Uruguai e nos Estados Unidos, de onde saíram os R$ 35 milhões de Duque. Boa parte do dinheiro deixou uma conta chamada Pelego, na Suíça. Na Era Vargas, "pelego" era o homem de confiança do governo nos sindicatos.

Detalhes do funcionamento do cartel foram dados também pelo executivo Augusto Mendonça Neto. A novidade é a inclusão da Andrade Gutierrez no comando do cartel. Na Operação Lava-Jato, a empresa ainda não foi ouvida. Segundo ele, as regras do cartel foram negociadas com Duque em 2004 e chegaram a ser escritas em papel, como num campeonato de futebol. Tinham rodadas definidas, e quem ganhava ia para o final da fila.

O auge, afirmou Mendonça, foram as obras da refinaria de Abreu e Lima e do Comperj, complexo petroquímico em Itaboraí (RJ). O executivo disse que Ricardo Pessoa, da UTC, organizava as reuniões, por SMS ou celular. Os encontros ocorriam nos escritórios da UTC, onde os convidados recebiam crachás.

Pessoa levava as decisões do cartel a Duque e Costa, com uma lista de quem deveria ser convidado e quem ganharia a "partida". Se o preço máximo da Petrobras era 100, o do cartel oscilava entre 95 e 120. Segundo Pessoa, as grandes empreiteiras passaram a dominar e criaram um clube VIP formado por Camargo Corrêa, UTC, Mendes Junior, OAS (que aderiu em 2006), Odebrecht e Andrade Gutierrez. Esta última informou que não teve acesso às declarações do executivo nem ao contexto em que foram dadas, mas negou envolvimento com o cartel.