Brasil terá nos próximos anos um efeito positivo da dinâmica demográfica sobre a violência. Estudo recém-concluído por Daniel Cerqueira, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), juntamente com o pesquisador Rodrigo de Moura, revela que a tendência em curso de maior envelhecimento da população brasileira - com redução do número de homens jovens - poderá ter papel de destaque na queda da taxa de homicídios.

 

Segundo os pesquisadores, no entanto, é preciso que políticas públicas acompanhem esse benefício dado pelo envelhecimento para que outros fatores, como o aumento do mercado de drogas ilícitas, não acabem por bloquear a tendência de redução dos homicídios.

Os homens jovens compõem as principais estatísticas de homicídios. O crime está fortemente relacionado ao sexo masculino, com o ciclo de criminalidade na vida do indivíduo se iniciando na pré-adolescência, aos 12 ou 13 anos, atingindo seu ápice aos 18 e se esgotando antes dos 30. O estudo chegou a uma relação que mostra que a cada 1% a mais de proporção de homens jovens de 15 a 29 anos aumenta a taxa de homicídio em 2% no país.

A expectativa é que a partir de 2020 a proporção de jovens homens na população caia acentuadamente e siga em trajetória de declínio até 2050. Pelos cálculos dos pesquisadores, a proporção de homens entre 15 e 29 anos cairá de 13,4% em 2010 para 7,9% em 2050. Como efeito disso sobre a taxa de homicídios, haverá redução de 27,2 mortes por 100 mil habitantes em 2010 para 4,3 mortes por 100 mil habitantes em 2050.

Apesar dessas projeções positivas, os pesquisadores fazem a ressalva de que é preciso simultaneamente investir em políticas públicas para que esse "bônus" do envelhecimento se torne uma realidade de fato na redução da violência. Sem investimentos do poder público, como melhora do sistema de segurança pública, Cerqueira diz que os ganhos dessa transição demográfica podem se perder. "A [mudança na demografia] não é um remédio que vai resolver todas as mazelas. Sozinha, ela não resolve o problema", alerta.

O envelhecimento da população com uma consequente redução da taxa de homicídios seria uma tendência diferente da verificada em anos recentes. Nas décadas de 90 e 2000, de acordo com o estudo, houve aumento na taxa de homicídios, assim como na proporção de homens jovens, pelo menos até 2006. Entre 1991 e 2010, a taxa de homicídios passou de 20,9 mortes por 100 mil habitantes para mais de 27,2 mortes por 100 mil habitantes.

Contribuiu para esse quadro o fato de haver, na década passada, a maior proporção da história do país de jovens entre 15 e 29 anos, tanto em termos absolutos quanto relativos. "Temos uma situação inédita, pois nunca tivemos tanto jovens como temos hoje e nunca mais teremos. Temos hoje 50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos", dizCerqueira.

Na segunda metade dos anos 2000, há apenas uma estabilização da taxa de homicídios (ela deixa de crescer), mesmo tendo ficado mais clara a tendência de aumento do envelhecimento populacional. Cerqueira explica que não ocorre a redução porque outros fatores atuaram no sentido contrário, como o aumento do tráfico de drogas ilícitas, que mata muitos jovens que atuam nesse mercado.

No rastro do crescimento da renda domiciliar per capita que ocorreu nos anos 2000, houve um aumento do mercado de drogas pelo interior do país. "Esperava-se uma queda [da taxa de homicídios dos jovens na década passada], mas ela não ocorreu porque outros fatores atuaram. Temos a hipótese de que isso está relacionado a um alastramento do mercado de drogas, que passou a ser viável economicamente em várias cidades", diz Cerqueira, citando o avanço para municípios de menor porte.

A pesquisa não aborda a tendência das demais variáveis - como o tamanho do mercado de drogas no futuro -, que podem novamente fazer contrapeso aos efeitos positivos da demografia. "Você pode pensar o crime como função de alguns fatores e a demografia é um deles. Outros fatores são a difusão de armas de fogo, as drogas ilícitas e a questão socioeconômica", diz Cerqueira, destacando que a pesquisa contribui para uma interpretação multidimensional do crime.

O estudo faz parte do livro "Novo Regime Demográfico: Uma Nova Relação Entre População e Desenvolvimento Econômico?", que será lançado hoje.