O regime de metas de inflação (RMI) foi implementado em vários países a partir do insucesso de outras estratégias de âncoras nominais (metas monetárias e âncora cambial), e tem como base o preceito teórico de que a política monetária é inócua para afetar as variáveis reais da economia de forma duradoura, como os níveis de produto e de emprego, e que, consequentemente, o seu objetivo principal deve ser a manutenção de uma taxa de inflação baixa e estável.

Em suas versões mais flexíveis, o objetivo de estabilidade de preços pode ser acompanhado pelo compromisso de manter a estabilização do produto corrente em níveis próximos da taxa potencial, mas somente quando a condição de estabilidade de preços não for violada. Em muitos países, contudo, a lei que rege o banco central (BC) estabelece outros objetivos subsidiários. Por exemplo, o BC da Austrália tem um duplo mandato – estabilidade de preços e emprego -, enquanto que o BC do Canadá tem como objetivo promover o bem-estar econômico e financeiro do país.

A partir da crise financeira de 2007 vários BCs, incluindo o Banco da Inglaterra, passaram a incluir a estabilidade financeira entre seus objetivos. Na maioria dos países com RMI (15 em 27, incluindo o Brasil) a meta de inflação é estabelecida conjuntamente entre o governo e o BC, sendo que em 9 países é o BC que define a meta, enquanto que em apenas três países (África do Sul, Noruega e Reino Unido) cabe ao governo esta tarefa. Quanto à definição do horizonte da meta – período no qual o BC deve alcançar sua meta de inflação -, a maioria dos países utiliza um prazo médio (dois anos ou mais ou um período móvel) que permite divergências de curto prazo entre a meta e os choques que afetam a economia, já que choques não previsíveis têm efeitos defasados.

Deve ser destacado que o Brasil, neste particular, é dos poucos países que utilizam a meta anual (ano calendário) como horizonte da meta. A taxa de inflação acima da média decorre em parte da melhoria na distribuição de renda e é fenômeno estrutural Muitos estudos empíricos realizados não são conclusivos em encontrar evidências empíricas que países emergentes que adotam RMI têm uma performance melhor em termos de maior crescimento econômico e menor inflação em relação aos países que não o adotam.

As evidências de que o RMI não melhora necessariamente a performance de inflação e produto, e ainda que países emergentes em geral têm uma performance pior do que dos países desenvolvidos quanto ao nível da taxa de inflação, estão relacionadas à ocorrência de problemas econômicos específicos dos países emergentes: 1- tais economias têm um repasse cambial maior do que as economias desenvolvidas – a renda nessas economias é negativa e significativamente correlacionada com o repasse cambial, uma vez que economias de renda mais baixa têm um porção maior de bens comercializáveis na cesta de consumo das famílias; 2- a maior dificuldade na previsão da inflação, uma vez que os choques são maiores e têm efeito mais forte, a diversificação produtiva é mais baixa e os mercados financeiros são pouco densos; 3- seus passivos externos são predominantemente denominados em moeda externa, criando um problema de “medo de flutuar” na taxa de câmbio. Grosso modo, pode-se estabelecer a existência de três fases durante a vigência do RMI no Brasil.

Nos seis primeiros anos de sua adoção (1999-2004), o Banco Central teve dificuldades no cumprimento das metas, sendo o principal responsável pela desvalorização cambial. No período 2005-2009 (à exceção de 2008), as metas foram cumpridas com maior facilidade, favorecidas pelos efeitos positivos da apreciação cambial sobre os preços domésticos. Já no período 2010-2013 a taxa de inflação aumentou, ficando perto do teto da meta. Além da elevação nos preços de alimentos e bebidas, destaca-se o forte crescimento dos preços de serviços, que vem ocorrendo desde 2010, em decorrência de mudanças estruturais na economia brasileira relacionadas à melhoria na distribuição de renda e redução do desemprego.

Da análise acima, pode-se extrair cinco lições. Em primeiro lugar, países emergentes estão sujeitos a uma volatilidade macroeconômica maior do que os países desenvolvidos. Em segundo lugar, não há consenso que países que adotam o RMI tenham uma performance melhor do que países que não o adotam. Em terceiro lugar, alguns países que utilizam o RMI estabeleceram um duplo mandato para o BC (incluindo – além da estabilidade de preços – crescimento do produto ou emprego; ou estabilidade financeira). Em quarto lugar, o Brasil é dos poucos países que utiliza uma meta anual para a inflação. Em quinto lugar, a taxa de inflação no Brasil acima da média de países decorre em parte da elevação no salário real e melhoria na distribuição de renda, ou seja, é um fenômeno estrutural.

Em conclusão, já é tempo de começarmos a discutir mais seriamente a estrutura do regime de metas de inflação, incluindo uma avaliação sobre o horizonte da meta e o mandato do BC. Luiz Fernando de Paula é professor titular de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e autor do livro “Sistema Financeiro, Bancos e Financiamento da Economia” (Campus).