Dois anos após a divulgação da Medida Provisória 579, que antecipou a renovação das concessões de energia mediante redução de preços, a Eletrobras reconheceu que pode deixar de pagar dividendos aos acionistas em 2014. Com o prejuízo de R$ 2,7 bilhões no terceiro trimestre – o triplo do registrado no mesmo intervalo do ano passado e muito acima do esperado por analistas -, as reservas estatutárias, utilizadas para o pagamento de proventos, estão próximas do fim. Uma má notícia para os minoritários e para a União – 54,4% das ações ordinárias e 43% do capital total.

A estatal federal vem registrando prejuízos já há dois anos, pressionada pela renovação das concessões por preços mais baratos e baixas de ativos. Mesmo assim, vinha pagando cerca de R$ 900 milhões em juros anuais aos acionistas, com base em uma reserva prevista em estatuto e que garante a remuneração mínima de 6% aos detentores de ações preferenciais classe B (PNB, sem direito a voto), mesmo em períodos de resultado negativo.

Agora, as reservas para remuneração de acionistas secaram. Com os sucessivos prejuízos e os proventos já distribuídos, os mais de R$ 16 bilhões existentes no fim de 2011 se transformaram em cerca de R$ 300 milhões em setembro – ao fim daquele mês, eram R$ 1,8 bilhão de prejuízos acumulados frente a reservas de apenas R$ 2,1 bilhões.

 

“Tivemos dois anos consecutivos de prejuízos no balanço e nem por isso deixamos de pagar dividendo. Este ano tem probabilidade real de não pagarmos de dividendos”, disse ontem diretor financeiro e de relações com investidores da Eletrobras, Armando Casado de Araújo. Segundo ele, a estatal precisaria de lucro no quarto trimestre para distribuir dividendos em linha com os R$ 898 milhões do ano anterior. “Tenho que usar a reserva estatutária, na primeira ordem, para abater o prejuízo, depois, em havendo saldo, fazer distribuição de lucro”, explicou.

Para analistas, é praticamente certo que a companhia contabilize novas perdas nos últimos três meses do ano, zerando a reserva estatutária. “Devido à hidrologia ruim, a Eletrobras deve voltar a sofrer perdas no quarto trimestre, devido à sua posição compradora no mercado de curto prazo. Se as reservas de lucro forem varridas por essas perdas no fim do ano, a empresa não vai declarar os dividendos prioritários para as ações preferenciais”, disse a equipe do Citi, em relatório.

O Bank of America Merrill Lynch (BofA) cortou a recomendação para as ações da companhia de “neutra”, equivalente à manutenção para “venda”, pela perspectiva de não haver distribuição de dividendos da estatal no médio prazo.

Como a Eletrobras tem muito problemas financeiros e operacionais, o principal motivo para empresa atrair investidores era o pagamento de dividendos, disse um analista de um banco de investimento. Com isso, a ação PNB amargou queda de 9,09%, para R$ 7,30, enquanto os ordinárias recuaram 7,79%, para R$ 5,21, nos dois maiores recuos do Ibovespa.

Na teleconferência de resultados, Casado afirmou que a interrupção no pagamento de dividendos é “uma coisa pontual”. Com os ajustes em curso e a renovação das concessões das distribuidoras, o executivo espera que a companhia volte a gerar caixa e a remunerar os acionistas. O diretor afirmou ainda que a Eletrobras conta com a indenização por ativos de transmissão anteriores a maio de 2000 para manter investimentos. O reembolso total esperado por esses ativos é de R$ 8 bilhões.

Analistas de mercado, no entanto, não estão tão esperançosos. Na visão do Citi, a situação da companhia é tão crítica, que pode demandar uma capitalização. “O balanço apertado, o pesado plano de investimentos e a queda na lucratividade aumentaram a possibilidade de um aumento de capital no médio prazo”, disse o analista Marcelo Britto em relatório.(Colaborou Camila Maia)