Título: Vitória com legitimidade
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2011, Política, p. 4

E José Graziano ganhou a eleição, vai comandar a FAO, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Líder planetário em agropecuária, o Brasil tinha total legitimidade para reivindicar a cadeira. E Graziano é um sujeito intelectualmente preparado.

No começo do governo Luiz Inácio Lula da Silva ele acabou fragilizado politicamente, em parte pela inabilidade. Mas também porque o programa Fome Zero tinha problemas conceituais.

Certa tendência à tutela sobre o pobre, a ideia esdrúxula de que cabia ao Estado vigiar o que o pobre iria comprar com o dinheiro recebido dos programas sociais. O equívoco acabou arquivado, Graziano perdeu força e, depois, o cargo.

A vitória em Roma é a prova de que o ex-ministro amadureceu politicamente. Ninguém ganha uma eleição assim com ingenuidades e inabilidades.

A curiosidade maior é saber o que o novo presidente vai fazer na FAO. Há ali uma pauta interna, corporativa, de reforma da instituição. Graziano diz que vai descentralizar. Que a operação vai buscar mais intimidade com os países.

Para fora, há a luta permanente para ajudar os muito pobres. E há uma dúvida razoável sobre como a humanidade vai equacionar o crescimento explosivo da demanda por comida num cenário de também crescentes preocupações ambientais e pressões pelo ¿ e contra o ¿ uso de biocombustíveis.

Algumas posições de Graziano sobre o assunto são bastante claras. Ele defende que a agricultura africana avance com firmeza sobre a savana, bioma similar ao cerrado. Ou seja, na África o desmatamento é benigno.

Defende também que os países centrais afrouxem os subsídios agrícolas, para estimular a agricultura de exportação na periferia do mundo. O que pediria mais substituição de mato por plantações.

O estímulo maciço à agricultura nos países emergentes e nos subdesenvolvidos é de fato o único caminho para enfrentar estruturalmente a inflação dos preços de alimentos. Mas aí a coisa encontra a barreira ambiental que vem no coração da doutrina hegemônica do Primeiro Mundo para o Terceiro.

Graziano é um intelectual de quando ainda não era moda demonizar a produção agrícola e idolatrar o obscurantismo. É verdade que os intelectuais ¿ ao menos alguns ¿ flutuam com certa facilidade ao sabor das tendências, mas vai surpreender se o novo chefe da FAO aderir à onda.

Ainda que a política seja a política.

Guerra Faz cinco anos que o Hamas capturou, em território israelense, o soldado Gilad Shalit. A guerrilha considera estar em guerra com Israel e diz que a captura foi apenas uma ação militar.

Não seria, portanto, terrorismo.

Mas se Shalit é um prisioneiro de guerra ele deveria ter respeitados certos direitos, como por exemplo o de receber a visita da Cruz Vermelha. O que o Hamas lhe nega.

Aliás, Shalit está em isolamento absoluto, a família não consegue qualquer informação sobre ele, também uma transgressão às leis de guerra.

O Hamas vê no sofrimento da família Shalit um meio de pressionar o governo israelense a libertar prisioneiros. Inclusive muitos condenados por atos, aí sim, terroristas.

Como guerra é guerra, Israel também se vê no direito de impor o controle das mercadorias e bens introduzidos na Faixa de Gaza, governada pelo Hamas, um aliado do Irã. Controle que a nova flotilha pretende desafiar.

Desde que o Egito abriu a fronteira com Gaza não existe mais tecnicamente um bloqueio. Assim, a flotilha não se justifica por razões humanitárias. É um ato político de desafio ao status quo no contexto de uma situação de guerra. Com todas as incertezas e consequências típicas de situações assim.

Caras de pau Escrevi no começo deste mês o que penso da herança, positiva, da passagem do economista Paulo Renato pelo Ministério da Educação. Escrevi quando ele ainda estava vivo. Nunca deixo de me espantar com certo hábito da nossa política, de desancar um sujeito em vida e depois de ele morto tentar compensar com elogios.