Além de usar as delações premiadas da operação Lava-Jato para embasar futuras investigações sobre o escândalo de corrupção na Petrobras, o Ministério Público adotou nesses acordos um segundo objetivo: forçar os investigados a abrir mão do silêncio e, sobretudo, a falar a verdade em juízo, renunciando inclusive ao direito de não se auto-incriminar.

A prisão de mais de 20 pessoas desde sexta-feira, no episódio batizado de “Juízo Final”, só foi possível graças a esse artifício. Tecnicamente, as provas que resultaram na sétima fase da operação Lava-Jato não decorreram diretamente das delações premiadas – e nem poderiam. Por mencionar diversos políticos, que contam com foro privilegiado, esses acordos precisam primeiro da chancela do Supremo Tribunal Federal (STF). Só a partir daí se saberá como serão as investigações decorrentes deles.

Mas ao obrigar os delatores a falar a verdade em juízo, em troca de um regime mais brando de pena, o Ministério Público induziu o surgimento de novas provas nas ações e inquéritos já em curso na 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, responsável pela parte da operação que não envolve parlamentares.

Os últimos depoimentos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, por exemplo, já foram prestados ao juiz Sérgio Moro, responsável pelo caso no Paraná, sob os efeitos da delação. Na decisão que autoriza a prisão dos executivos das principais empreiteiras do país, Moro menciona diversos trechos das falas de Costa. O mesmo se dá em relação ao doleiro Alberto Youssef e ao executivo Júlio Camargo, da Toyo Setal, que também fizeram acordos de delação e se comprometeram a falar a verdade ao juiz.

Foi com essa condição que Costa e Youssef declararam a Moro que as maiores empreiteiras do país “pagavam percentual de 3% ou 2% sobre o valor dos contratos” com a Petrobras, como propina a agentes públicos. Revelações mais detalhadas se seguiram. As declarações se deram em interrogatórios de processos já em curso e geraram elementos para a prisão inédita de presidentes e diretores de grandes empreiteiras, como Camargo Corrêa, OAS e Odebrecht.

O compromisso de falar a verdade é relevante porque, no Brasil, o réu pode não só permanecer em silêncio em interrogatórios – como nos chamados “Miranda Rights”, que envolvem o direito de ficar calado e não produzir provas contra si mesmo, repetido inúmeras vezes nos filmes de ação americanos – como também mentir em juízo. O direito brasileiro não prevê o crime de perjúrio para o réu, sem maiores consequências para o acusado que faltar com a verdade.

A nova estratégia do Ministério Público envolve um acordo para subverter essas regras – logicamente em troca de um benefício muito maior para o réu, o de um regime mais brando de pena. Se em qualquer momento o investigado infringir o compromisso, o acordo será desfeito com a imposição de um regime mais duro de prisão.

Segundo fontes envolvidas nas investigações, um dos principais méritos da delação premiada de Paulo Roberto Costa é, justamente, a farta quantidade de provas e dados apresentados contra si mesmo e a própria família. A riqueza de detalhes na auto-incriminação dá credibilidade às declarações do executivo também ao implicar outras pessoas no esquema.

Outra novidade da Lava-Jato é a preferência do Ministério Público por negociar com delatores regimes mais brandos de pena, como a prisão domiciliar, em vez do perdão. Basta um deslize do réu para se impor um regime mais duro, como a prisão fechada. Foi um aprendizado em relação ao caso Banestado, em que o mesmo Alberto Youssef se livrou de penas com um acordo de delação, mas acabou reincidindo. A Lava-Jato é considerada um marco que, nas palavras de um investigador experiente, elevou a delação premiada no Brasil a uma “versão 2.0″.