Líderes de grandes economias desenvolvidas defenderam na cúpula do G-20 que a Organização Mundial do Comércio (OMC) passe para uma fase de "acordos comerciais abertos", e permita que a liberalização avance mesmo quando nem todos os 160 países membros estão prontos a ir adiante, conforme o Valor apurou.

Ao final do encontro das maiores economias desenvolvidas e emergentes, os líderes concordaram que é preciso que a OMC funcione melhor, para cumprir o papel de liberalizar e estimular a economia global, e vão ver o que realmente fazer na cúpula do ano que vem na Turquia.

O comércio mundial de US$ 19 trilhões vem crescendo pouco e as tendências protecionistas continuam fortes, num cenário de economias fragilizadas e em busca de proteção de produção e emprego domésticos.

A ideia de alguns líderes, sobretudo EUA e europeus, dos chamados "acordos abertos" não é idêntica aos acordos plurilaterais, pelos quais entra quem quer. Na visão de algumas delegações de países desenvolvidos, um exemplo de acordos abertos é o próprio acordo de Bali (Indonésia) em dezembro de 2013, que inclui regras para facilitação do comércio.

Por esse acordo, o primeiro feito na sistema multilateral nos últimos 20 anos, quando 2/3 dos países ratificarem o compromisso, ele entra em vigor e em seguida o país que quiser se junta mais tarde.

O tema do funcionamento da OMC, uma entidade-chave na governança global, foi provocado pelo recente bloqueio da Índia ao acordo de facilitação de comércio, que já tinha sido negociado e visava dar impulso de US$ 1 trilhão na economia mundial.

Sozinha, a Índia pegou os outros 159 como refém, até conseguir promessas para sua questão de segurança alimentar, que já era reconhecido pelos parceiros.

A preocupação dos chefes de Estado e de governo fez com que fosse incluída na ultima hora uma frase no comunicado final do G-20, estabelecendo discussões para o ano que vem.

A presidente brasileira, Dilma Rousseff, relatou que os líderes avaliaram bastante alguns aspectos do comercio internacional. "É uma preocupação clara do G-20 a discussão sobre o comércio bilateral e também o plurilateral, que não substitui a necessidade de uma rodada mais ampla que é a Rodada de Doha", afirmou.

Para a presidente brasileira, a Rodada de Doha de liberalização agrícola, industrial e de serviços deve voltar à mesa de negociação com um plano de trabalho mais sistemático, uma vez que um dos seus obstáculos foi superado com o acordo entre Estados Unidos e a Índia.

"Esperamos que isso seja também um elemento de estímulo e garantia de um nível mais elevado da atividade econômica decorrente da possibilidade de destravar o comércio internacional", afirmou ela.

O comunicado do G-20 diz que "precisamos um sistema comercial forte numa economia aberta para impulsionar crescimento e gerar empregos". As regras da OMC são a base do sistema comercial global. Uma robusta e efetiva OMC que responda a desafios atuais e futuros é essencial, acrescenta o texto.

 

Cúpula termina com forte pressão sobre a Rússia

 

A cúpula das maiores economias desenvolvidas e emergentes do mundo, que formam o G-20, terminou com fortes pressões sobre o presidente russo Vladimir Putin por causa da crise da Ucrânia e mais ameaça de sanções contra Moscou. Ao mesmo tempo, o Brasil surpreendeu, com a presidente Dilma Rousseff dizendo que o país não tem posição sobre um dos principais focos de tensão geopolítica da atualidade - que é precisamente a situação da Ucrânia alvejada pela Rússia. "No caso da Ucrânia, o Brasil não tem e nunca definiu uma posição", afirmou a presidente em entrevista à imprensa. "Nunca nos manifestamos e evitamos sistematicamente nos envolver em assuntos internos". A presidente brasileira argumentou que não é do interesse do governo brasileiro se manifestar sobre a Ucrânia "nem de um lado nem de outro", lavando as mãos sobre a situação. Diante da surpresa de jornalistas brasileiros - ainda mais em meio as críticas feitas por líderes a Putin em Brisbane -, Dilma disse que não viu nem ouviu ninguém criticar o presidente russo. "No G-20, não. Ele está lá, sentado", afirmou ela. A maioria das outras delegações internacionais, no entanto, não poupou Putin por causa da anexação da Crimeia, do apoio aos rebeldes separatistas na Ucrânia e também por sua gestão das relações internacionais de modo geral. Ao cumprimentar o primeiro-ministro do Canadá, Stephen Herper, este lhe disse: "Bom, acho que vou apertar sua mão, mas só tenho uma coisa para te dizer: cai fora da Ucrânia". O relato foi feito pelo porta-voz de Harper. Horas depois, um representante russo disse que de seu lado Putin retrucou: "Impossível, já que nunca estivemos lá". Antes, o presidente americano Barack Obama afirmou se opor "à agressão russa contra a Ucrânia, que representa uma ameaça para o mundo". David Cameron, primeiro-ministro britânico, acusou a Rússia de ser "um grande Estado agredindo os menores Estados na Europa". A chefe do governo alemão, Angela Merkel, anunciou que a União Europeia (UE) examina aplicar novas sanções financeiras contra personalidades russas. Antes da chegada de Putin a Brisbane, o primeiro-ministro australiano Tony Abbot chegou a ameaçar dar um "safanão" no presidente russo. Abbot resolveu ser mais diplomático e chegou a pousar com o presidente russo, com cada um carregando um coala, um dos animais símbolos da Austrália. A cena levou um chefe de Estado a comentar como a situação era contraditória, considerando que Putin estava longe de ser meigo. Durante um churrasco dos líderes do G-20, Putin, isolado, sentou numa mesa de sete lugares, tendo como companhia apenas a presidente Dilma Rousseff no lado oposto, sem ambos conversarem muito. O resultado do G-20, como o Valor PRO, serviço de informação no tempo real do Valor, antecipou, foi um plano de ação que foca no médio e longo prazos, para aumentar em 2 pontos percentuais o Produto Interno Bruto mundial, criando mais de US$ 2 trilhões na economia. A novidade foi mesmo a inclusão do tema de mudança climática, contra a vontade da Austrália, a anfitriã. O Valor apurou que o primeiro-ministro Abbot, que comandava a reunião, chegou a recusar dar a palavra para o secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, porque sabia que este falaria da conferência do clima em Paris, no ano que vem. Coube a Obama mais tarde colocar o tema na discussão e depois assegurar que entrasse no comunicado final. A Argentina, representada pelo ministro de economia, Axel Kicillof, criticou duramente os chamados "fundos abutres" que atacam o país para ganhar mais dinheiro na reestruturação da dívida. Até o presidente americano, Barack Obama, dessa vez apoiou os argentinos. Os líderes discutiram durante pouco tempo também como combater epidemias como Ebola, iniciada no continente africano. A constatação foi de que a comunidade internacional não está preparada para esses eventos, e precisa definir mecanismos de urgência, incluindo a disponibilidade de recursos.

 

Brasil promete elevar PIB acima do esperado

 

O Brasil assumiu compromissos na cúpula do G-20 que teoricamente poderia resultar em 1,8 ponto percentual adicional de crescimento econômico em relação à média esperada para o período de cinco anos. Isso viria com projetos de US$ 49 bilhões, além de melhoras na qualificação profissional e simplificação tributária para pequenas e médias empresas.

O Ministério da Fazenda, porém, estima que o país tenha um conjunto adicional de projetos de infraestrutura de US$ 50 bilhões, que pode elevar o crescimento para 3 pontos percentuais suplementares a uma situação normal.

No total, o G-20 anunciou o Plano de Ação de Brisbane para gerar 2,1 pontos percentuais de crescimento econômico global em cinco anos, gerando mais de US$ 2 trilhões e milhões de empregos.

Países como a Coreia do Sul foram bem mais ambiciosos, com planos de crescer 4 pontos acima da média. Os EUA também tem projetos firmes, enquanto outros não chegam nem a 0,9 ponto percentual, segundo fontes.

Os esforços são insuficientes para dar sacudida na economia internacional e acelerar o crescimento, avalia o governo brasileiro.

"Não apareceu no G-20 uma solução para estimular a demanda, principalmente na Europa e Japão, e para estimular aumento de exportação dos emergentes', disse o ministro Guido Mantega.

O Brasil aponta a Europa como principal foco de preocupação. Considera que está faltando estímulos de demanda. Os estímulos monetários são pequenos e, do lado fiscal, tampouco ajuda, como desoneração ou redução de tributos para consumo. "A Alemanha, que dá o tom da política conservadora, não permite que o BCE libere mais crédito e nem que os países usem a política fiscal para aumentar a demanda".

Nesse cenário, os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) decidiram acelerar o funcionamento do Banco dos Brics. A ideia é que comece a operar em julho de 2015, afirmou Mantega.