A planilha com referência a 747 obras, apreendida pela Polícia Federal no escritório do doleiro Alberto Youssef em 17 de março deste ano, citada em despacho do juiz Sérgio Moro para sugerir que o esquema de corrupção transcendia a Petrobras, revela atuação da organização criminosa em vários empreendimentos Brasil afora e até no exterior. O volume de potenciais contratos soma mais de R$ 12 bilhões. O documento foi produzido pelo empresário Márcio Bonilho, principal sócio da Sanko Sider, empresa acusada pelo Ministério Público de permitir a lavagem de dinheiro de recursos oriundos de desvios na estatal por meio da Camargo Corrêa e de empresas de fachada de Youssef. 

A lista, obtida pelo Correio, indica que a quadrilha lançou seus tentáculos em obras de estatais gigantes a exemplo da Empresa Brasileira Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobras), Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A (Eletronorte), Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), além de empreendimento da iniciativa privada. 

Há também indicações de negociação nas prefeituras do Rio de Janeiro e de Barueri, Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e Companhia de gás do Ceará. "Na tabela, (estão relacionadas) a obra pública, a entidade pública contratante, a proposta, o valor e o cliente do referido operador, sendo este sempre uma empreiteira, ali também indicado o nome da pessoa de contato na empreiteira", destacou o juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos relativos à Operação Lava-Jato, na decisão que negou a soltura de Erton Fonseca, da Galvão Engenharia. 

Moro classifica de "perturbadora" a apreensão do documento. "Embora a investigação deva ser aprofundada quanto a esse fato, é perturbadora a apreensão dessa tabela nas mãos de Alberto Youssef, sugerindo que o esquema criminoso de fraude à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobras", afirma o magistrado. 

As planilhas indicam, por exemplo, tentativa de negociação de Youssef nas obras do Rodoanel, em São Paulo; na Arena Barueri, tocada pela prefeitura; e na Marina da Glória, no Rio de Janeiro. Há também citações a emprendimentos privados da Vale do Rio Doce e da fábrica da Fiat em Pernambuco. No exterior, constam na relação obras no Porto de Mariel, em Cuba, financiado com US$ 692 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Integram o documento empreendimentos na Argentina, no Equador, no Uruguai e na Colômbia. 

Um dos advogados do doleiro, Tracy Joseph Reinaldet, afirmou que a tabela foi produzida por Márcio Bonilho. A assessoria da Sanko confirma e diz que o próprio Bonilho a entregou à Polícia Federal. A defesa do doleiro e a assessoria da fornecedora de tubos afirmam que os valores se referem às propostas de negócios feitas para cada cliente em potencial. Youssef era o representante comercial dessas propostas na perspectiva de fechar contratos para Bonilho. 

No caso da Petrobras, a defesa de Youssef admite a acusação do Ministério Público, segundo a qual o doleiro realmente atuou como vendedor da Sanko para negócios lícitos, mas também fez repasses de propinas usando o mesmo canal financeiro com a Camargo Corrêa na Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. No entanto, Tracy Reinaldet e a assessoria da empresa negam que, para as propostas da "perturbadora" lista, tenha havido pagamento de propina para os negócios terem sido fechados. 

"Nesse caso, não houve repasse de propina ou repasse do gênero", disse o advogado do doleiro. "Temos a tendência de achar que tudo que é relacionado a Youssef é ilegal", salientou Tracy. Já a assessoria da Sanko declarou que "nunca houve" pedido para o doleiro operar propinas mesmo nos negócios com a Camargo Corrêa. Segundo ela, Youssef nunca conseguiu fechar contrato algum. Tracy disse ignorar qual era a comissão cobrada dos clientes da fornecedora de tubos e qual foi o sucesso do doleiro na empreitada. 

Anuário 

Márcio Bonilho afirmou, por meio de sua assessoria, que a lista não é suspeita. Segundo ele, foi produzida com base em relação de obras publicadas no Anuário de Infraestrutura da revista Exame de 2013 e 2014. Entretanto, a lista de empreendimentos visados pela Sanko mostra que a fornecedora de tubos enviou propostas para as obras a partir de 2008. 

Para fechar os negócios, Bonilho citava empreiteiras gigantes, a exemplo da Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Galvão Engenharia. As empresas negam as acusações sofridas no âmbito da Operação Lava-Jato. 

Na decisão, o juiz Sérgio Moro observa que "os crimes, quer praticados através de cartel de empresas, quer produto de iniciativa individual de cada empresa, revelam quadro extremamente grave". O magistrado destaca que "não se pode excluir a possibilidade de o mesmo modus operandi ter sido ou estar sendo adotado em outros contratos da Galvão Engenharia com outras empresas ou entidades públicas".