A inflação voltou a acelerar em novembro e a desafiar o governo. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,51% no mês passado em relação a outubro, completando o quarto mês seguido acima do teto da meta para 2014, de 6,5%. O percentual acumulado em 12 meses fechou em 6,56%. Mas a carestia, que afeta o bolso do consumidor, sobretudo nos gastos com alimentação, deverá ficar ainda pior no começo de 2015, graças aos inevitáveis reajustes de impostos, das passagens de ônibus, da conta de luz e das mensalidades e materiais escolares. Para piorar, a recente disparada do valor do dólar deve ser repassada ao varejo. 

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, considerou o resultado de novembro positivo. A situação, contudo, reforça o receio dos especialistas de que o indicador oficial feche o ano pelo menos próximo do teto da meta. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para encerrar 2014 dentro da margem de tolerância, dezembro tem de apresentar uma inflação de, no máximo, 0,86%. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, afirmou ontem que o IPCA de dezembro deverá ficar abaixo disso e o resultado anual ficaria de 6,4% a 6,45%. 

A expectativa do mercado também é de um IPCA anual abaixo do teto, com 0,74% a 0,84% neste mês. No relatório Focus, do Banco Central (BC), o grupo dos analistas que mais acertam projeções, chamado de Top 5, aposta numa carestia de 0,83% em dezembro. "A projeção para o ano está convergindo para abaixo de 6,5%, mas não podemos garantir nada. Ainda falta um mês", disse Étore Sanches, economista da LCA Consultores. Ele acha improvável altas de impostos este mês, o que ameaçaria a meta. O arrocho viria com 2015, levando o IPCA a beirar os 7% no acumulado em 12 meses, logo no primeiro trimestre. "Seria interessante o novo ministro iniciar novo ciclo com a inflação abaixo do teto da meta", ressaltou. 

combustível 

Para o economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, o IPCA de 2015 deve ficar próximo do deste ano, "mas com uma dinâmica diferente". "Os preços livres devem arrefecer, mas os controlados pelo governo, como gasolina e energia, pressionarão", analisou. Eulina Nunes, coordenadora do índice de preços do IBGE, acrescentou que a tendência é de os preços administrados em dezembro avançarem menos na comparação com igual mês de 2013. No último mês do ano passado a taxa foi de 0,92%, puxada pela gasolina. Como o reajuste do combustível já ocorreu, o indicador teve alívio este mês. 

Sanches, da LCA, acredita que o aumento da gasolina em novembro ainda não foi todo absorvido pelo IPCA. "O reajuste foi dado na refinaria, transmitido em cadeia. O IPCA-15 de dezembro deve trazer o pico desse impacto", alertou. Em novembro, o preço da gasolina subiu 1,99%, mas deve chegar a 3%. Além disso, há o impacto no etanol. "Estamos na entressafra e se espera uma alta em dezembro. Além disso, o reajuste da gasolina também pesa. Projetamos variação de 3% para o álcool", completou. 

Carne é vilã 

O IPCA de novembro foi empurrado pelos preços de alimentos e bebidas, item que teve a maior variação (0,77%) e o maior impacto no indicador geral, com 0,19 ponto percentual. A batata inglesa chegou a subir 38,71%. A carne foi, pelo terceiro mês seguido, a vilã da inflação: aumentou 3,46% em novembro, depois de 1,46% no mês anterior. A carne acumula alta de 17,81% no ano. Habitação (0,69%) e transporte (0,43%) tiveram maiores variações, depois dos alimentos. Em Brasília, o IPCA desacelerou, de alta de 0,47% em outubro para 0,15% no mês passado. Em 12 meses, acumula 6%. 

Como as perspectivas para 2015 não são boas, o educador financeiro Reinaldo Domingos recomenda atenção com as despesas. Pesquisar preços e marcas, sempre que possível, é o ideal para não gastar além da conta. "Converse com a família e veja que gastos podem ser diminuídos, como no consumo de água e energia", ensinou. 

Kátia Lessa, 50 anos, aposentou-se recentemente e aproveita o tempo disponível para pesquisar preços em diversos estabelecimentos. "Quem faz compras toda semana percebeu facilmente a inflação em 2014. A carne, por exemplo, teve aumento absurdo", reclamou. Antes fiel a marcas, ela já não se preocupa mais com isso. Sua prioridade é economizar. "Hoje, qualquer compra pequena passa de R$ 100. Temos que experimentar novos produtos para não gastar demais. E no próximo ano, infelizmente, já sabemos que isso deve continuar. Já limitei gastos com o cartão de crédito graças aos altos juros", conta. 

A auxiliar administrativa Edilane Carvalho, 30, espera o primeiro filho e prevê gastos extras da família. "Está difícil economizar e poupar. Tudo ficou mais pesado no bolso. O ideal é pesquisar preços em vários supermercados, mas o tempo é curto. Com o bebê, vamos ter que mudar a forma como gerimos o dinheiro", ponderou. 

Rodrigo Barbosa, 28, gasta cerca de R$ 600 mensais com supermercado. Mas teve que controlar as compras para não passar desse valor. A expectativa dele para o próximo ano não é das melhores. "Antigamente, conseguia levar muito mais produtos com esse mesmo valor. Acho que a tendência é piorar. O que está caro numa semana, não entra. Hoje, por exemplo, não comprei azeite", suspirou. 

Domingos lembrou ainda a importância de prestar atenção nos gastos de fim do ano, para que o cidadão não comece o ano em dificuldades. A previsão é de que só o material escolar suba 8%. "Planeje e evite extrapolar, porque os gastos de janeiro são altos", sublinhou.

Otimismo do governo

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, avaliou com otimismo o resultado do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de novembro, alta de 0,51%. Ele garantiu que o país tem condições de fechar o ano abaixo do teto da meta de inflação, de 6,5%, e ressaltou que o indicador do mês passado foi aquém da expectativa do mercado, que previa 0,54%. "O número veio abaixo da média histórica do IPCA para o mês desde 1999", acrescentou. Para dezembro, as apostas vão de 0,74% a 0,80%. 

Holland destacou que, como o resultado para novembro veio abaixo do esperado, a tendência é de que a projeção do mercado para dezembro caia. A variação do preço da carne, que subiu quase 20% no ano e foi responsável pelo maior impacto no IPCA por três meses seguidos, seria, por sua vez, circunstancial. "Todos os itens da alimentação passam por entresafra, associada a uma demanda. Mas, depois, se corrigem", observou. 

Questionado se o brasileiro deveria trocar a carne pelo peru no Natal, Holland afirmou que não faz "recomendações à sociedade brasileira. Ela escolhe o que deseja". Anteriormente, o secretário sugeriu ao consumidor que trocasse o consumo da carne pelo frango, mais barato. 

Para a funcionária pública Conceição Galvão, 53 anos, há tempos comprar comida pesa no bolso. "Algumas coisas que encareceram não podem ser substituídas ou cortadas, como alimentos básicos. Precisamos de jogo de cintura para economizar", revelou. Por mês, ela gasta cerca de R$ 1,8 mil em supermercados. 

"Vou a um atacado e compro em quantidade. Gasto R$ 800, enquanto nos outros anos a conta girava em torno de R$ 500. O que não pode ser estocado, compro semanalmente, em mercados pequenos, geralmente mais baratos", conta Conceição. Seus filhos têm bolsas de estudos que dão mais de 70% de desconto na mensalidade escolar. "Ainda bem , porque gastos com escola são essenciais", disse.

Entressafra 

O economista da consultoria Tendências, da LCA, Sílvio Campos Neto, não se sustenta o argumento do governo, de que os preços subiram demais em razão da sazonalidade dos produtos agrícolas. "Sempre vamos ter períodos de safra e de entressafra, que causam pressões isoladas em algum alimento. Tem que haver margem para acomodar isso, coisa que no Brasil não ocorreu. Sempre temos nos mantido perto do teto da meta de inflação. E a justificativa dada sempre é a mesma, de que trata-se de aspectos sazonais", explicou.