Funcionários e ex-ocupantes de cargos com atuação executiva na Petrobras estão sendo convocados a prestar esclarecimentos à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público Federal (MPF) sobre decisões tomadas ao menos entre 2004 e 2012, período em que teria funcionado suposto esquema de corrupção, cartel de empreiteiras e pagamentos de propinas a políticos de PT, PMDB, PP e de outros partidos, com dinheiro público, em contratos superfaturados. A base da acusação é a delação premiada do ex-diretor de abastecimento da petrolífera, Paulo Roberto Costa.

"Já ouvimos várias pessoas da Petrobras aqui em Curitiba", afirmou um investigador ao Valor Pro, serviço de informações em tempo real do Valor.

Apesar de as investigações sobre os fatos narrados pelo ex-executivo dependerem de providências do relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Teori Zavascki - que no final de setembro homologou a colaboração por envolver menções a 32 deputados federais e senadores, mas ainda não decidiu quando e por quem os fatos delatados por Costa serão verificados -, novos inquéritos começam a ser instaurados. Eles têm como ponto de partida os depoimentos de outros delatores, como o do executivo Julio Camargo, que atuaria em nome da Toyo Setal, segundo o MPF, e o do empresário Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, que integra o conselho de administração da Estaleiros do Brasil Ltda. (EBR), e é proprietário da Setal Óleo e Gás, que se fundiu à japonesa Toyo Engineering para a criação da Toyo Setal e do EBR.

Os relatos de Camargo e Mendonça Neto, que se comprometeram a devolver R$ 40 milhões e R$ 10 milhões ao cofres públicos, respectivamente, permitiram à força-tarefa da operação Lava-Jato identificar rotinas e procedimentos envolvendo níveis de diretoria e de gerência da Petrobras. O resultado é a ampliação do entendimento do complexo mecanismo hierárquico da petrolífera e o aprofundamento das investigações.

Munidos das informações dos delatores, que concordaram em colaborar irrestritamente indicando de maneira específica a ocorrência de irregularidades e seu modo de funcionamento, os investigadores já dispõem de dados suficientes para confrontar responsáveis por áreas da estatal que ordenaram e ou aprovaram pagamentos e liberações de recursos. Some-se a isso a contabilidade completa da Toyo Setal, que integrava o cartel de pelo menos 14 empresas e empreiteiras, de acordo com a versão de seus executivos nas delações premiadas, e que concordou em disponibilizar todos os documentos necessários para a efetivação do acordo de leniência. A homologação exige a auto-acusação e o fornecimento de material probatório em troca do abrandamento de medidas judiciais e administrativas que venham a ser aplicadas em uma eventual condenação.

Ao contrário da delação de Costa, que envolveu parlamentares com privilégio de foro, as colaborações de representantes de empresas terão homologação submetida ao juízo da 13ª vara criminal da Justiça Federal de Curitiba, onde já tramitam 12 ações penais originadas da Lava-Jato.

 

Janot fez 11 denúncias e pediu o arquivamento de 65 inquéritos contra políticos no STF

 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu o arquivamento de 65 inquéritos contra políticos no Supremo Tribunal Federal (STF) e justificou que a maioria deles era temerária. De acordo com ele, boa parte dos casos é resultado de disputas políticas locais. Muitas dessas investigações começaram nos Estados e chegaram às mãos de Janot depois que o investigado foi eleito, passando a contar com foro privilegiado.

O procurador disse ao Valor  que, em situações como essa, não há outra alternativa senão o arquivamento: "A mão que denuncia é a mesma que arquiva. Não posso deixar de arquivar numa situação dessas. O escândalo está na instauração desses inquéritos temerários." De acordo com ele, a limpeza do acervo garante à Procuradoria-Geral da República (PGR) mais espaço para atuar nos casos em que realmente há indícios de crimes. Um exemplo seria a Operação Lava-Jato.

De acordo com levantamento da PGR, no período de 13 meses, Janot apresentou 11 denúncias ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra parlamentares e pediu o arquivamento de 65 inquéritos envolvendo deputados, senadores e ministros. Também requisitou a abertura de investigação contra 29 pessoas com foro privilegiado. Outras dez denúncias estão prontas para serem oferecidas.

Recentemente, notícias sobre os arquivamentos levaram críticos e parlamentares de oposição a chamar o procurador de "engavetador do PT" - uma referência ao ex-procurador-geral da República Geraldo Brindeiro, que ocupou quatro mandatos consecutivos durante os oito anos de Fernando Henrique Cardoso na Presidência, e saiu marcado pela inação contra autoridades.

Segundo Janot, o levantamento da PGR reflete a meta que estabeleceu ao tomar posse: zerar o passivo do gabinete do procurador-geral, tirando da gaveta os casos considerados sem relevância para se dedicar aos principais. "Percebemos que tínhamos que limpar essa nuvem", falou, citando um acúmulo de casos sem indícios de prova, cujo crime já estava prescrito ou que não caracterizavam delitos.

Atualmente, o procurador-geral atua em 155 ações penais e 471 inquéritos envolvendo políticos no STF. No começo do mandato, ao apresentar medidas de reestruturação do gabinete, Janot foi questionado se seria um "desengavetador-geral". Respondeu que preferia o termo "não-acervador".

Um dos inquéritos em que Janot pediu o arquivamento envolve o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Um traficante mencionou o nome do senador em escuta telefônica da Polícia Federal, num suposto caso de compra de votos em Campina Grande, na Paraíba. Janot concluiu que, apesar do "conteúdo relevante" das escutas, os indícios não eram suficientes para processar o senador.

Em outra investigação, o ex-deputado Francisco Escórcio (PMDB-MA) foi acusado de desacatar um funcionário de um aeroporto, com quem teria discutido. Ouvidos, a suposta vítima e os supervisores disseram que não se lembravam do caso.

O procurador também opinou pelo arquivamento de uma denúncia de dispensa indevida de licitação contra a senadora Marta Suplicy (PT-SP), num episódio em que a Construtora OAS foi contratada por R$ 34,9 milhões para fazer obras emergenciais num córrego, em fevereiro de 2002, quando ela era prefeita. "Não há indícios que indiquem a configuração de condutas penalmente típicas e, muito menos, a participação da investigada", concluiu.

Outro inquérito foi instaurado contra o senador Rodrigo Rollemberg (PT), eleito governador do Distrito Federal, o ex-governador Cristovam Buarque (PDT) e o atual governador do DF Agnelo Queiroz (PT), sob a alegação de compra de votos por terem oferecido um churrasco na chácara de um empresário, em outubro de 2010. Janot afirmou que, embora o ato não seja uma atuação política legítima, não houve narrativa de crime.

O procurador também pediu arquivamento de um caso contra o senador Fernando Collor (PTB-AL). Uma ex-funcionária do empresário Luiz Estevão declarou que ouviu de um piloto, durante um voo com Collor, que uma pessoa iria morrer com a amante - seria o ex-tesoureiro Paulo César Farias, morto em 1996. Janot concluiu que o depoimento não bastou para implicar Collor, mas ordenou investigações na 1ª instância após a morte do piloto, cuja aeronave explodiu em 2001.