Título: Convite ao crime
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Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2011, Opinião, p. 14

Obras inacabadas representam mais que esqueletos espalhados pela cidade. São, em primeiro lugar, prova de desperdício do dinheiro público. Políticos descomprometidos com os reais anseios da sociedade decidem construir ginásios, estádios, praças, clubes. Tomam as providências iniciais, que passam necessariamente pela contratação de empresas para levar avante o projeto.

Cerca-se o terreno, cavam-se buracos, constroem-se estruturas. Paredes e telhados, de vez em quando, têm vez. Mas, seja em que estágio for, a construção fica pelo caminho. Se, tempos depois, for retomada, custará muito mais do inicialmente previsto. O recomeço é alimento vitaminado para a corrupção que se oculta sob pedras e cimento.

Não faltam desculpas para justificar a interrupção da obra. Uma delas: término do mandato do governante. O sucessor ignora as urgências anteriores. Cria as próprias e reprisa o enredo. Na hipótese de reeleição, é praxe que o pai ignore o filho e adote outros que, também, serão rejeitados. Outra desculpa: escassez de recursos. Mais uma: falhas na obtenção de licenças. Todas, vale lembrar, respondem pelo nome de falta de planejamento ¿ fruto de incompetência, má-fé ou a soma de ambas.

Esqueletos não constituem privilégio do setor público. A iniciativa privada também responde por tristes cenários que enfeiam a cidade, servem de incubadores de doenças e abrigam viciados em drogas. Não só. Muitos se transformaram em esconderijos para ladrões, homicidas e estupradores. A população sofre com a existência de espaços sem dono, sem lei e sem ordem que se espalham pelo Distrito Federal.

Eles agravam o clima de insegurança da capital. Vale exemplo registrado há pouco mais de uma semana. Em plena luz do dia. Jovem de 24 anos foi rendida na SQN 108 e levada para a SQN 208. Lá, em área cercada de vigas de concreto onde, há cinco anos, se ensaiou a construção de um prédio, a moça foi estuprada. Esse é um entre tantos casos de violência física ou psicológica a que está submetida a população.

O medo assalta moradores próximos e distantes de obras inacabadas. Ninguém está a salvo. Impõem-se providências urgentes das autoridades distritais. Em primeiro lugar, fazer um levantamento dos esqueletos. Em seguida, tomar as medidas cabíveis. Se privadas, acionar os responsáveis pelos imóveis para que assumam o dever que a lei lhes impõe. Se públicas, avaliar o projeto e dar-lhe destinação. Áreas nobres ¿ no Plano Piloto e nas cidades do DF ¿ exibem tapumes que escondem a malversação do dinheiro arrecadado da população.