Título: Preços de alimentos na mira de Graziano
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 28/06/2011, Mundo, p. 17

Especulação no mercado de commodities é desafio para brasileiro eleito diretor da FAO

O brasileiro José Graziano da Silva, recém-eleito diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), prepara-se para enfrentar grandes desafios no comando de uma das agências mais importantes da ONU. O primeiro será unir uma organização dividida e dependente de recursos dos países desenvolvidos, que exigem resultados. Além da experiência com o programa Fome Zero, no início do governo Lula, Graziano deve colocar em prática seus dotes de negociador. O novo diretor prometeu dar inicio a uma "nova era" no organismo. Quando tomar posse, em 1º de janeiro próximo, deve negociar uma reforma interna e estabelecer um plano para frear a alta dos preços dos alimentos.

A volatilidade no mercado de produtos agrícolas e a fome, que afeta quase 925 milhões de pessoas no mundo, tiveram destaque na entrevista coletiva concedida por Graziano ontem na sede da FAO, em Roma. "Estamos vivendo uma época atípica, em que os altos preços dos alimentos se combinam com um crescimento lento da economia mundial e bilhões de pessoas que não têm acesso à alimentação. Isso não é apenas um desafio: pode ser também uma oportunidade", comenta William Meyers, professor de economias agrícola na Universidade de Missouri.

Graziano comentou os planos da França, que preside atualmente o G-20, para definir políticas capazes de regular os mercados e reduzir a volatilidade das commodities agrícolas. "Acreditamos que a volatilidade permanecerá por muito tempo, os preços permanecerão altos por não sei quantos anos. A especulação vai seguir afetando até que os mercados financeiros se normalizem", declarou o novo diretor à imprensa.

De acordo com o especialista americano, a FAO tenta há mais de uma década sensibilizar os governos do mundo para a falta de investimento na agricultura, especialmente em favor dos pequenos produtores nos países em desenvolvimento. "A parte boa dos preços altos é que ela chamou a atenção para o problema e estimulou incentivos à produção. A parte ruim é que eles afetam ainda mais os pobres. Isso apenas reforça a necessidade de a FAO agir, com programas que tanto estimulem a produção de alimentos como o aumento dos rendimentos da população rural", sugere Meyers.

Pressões Graziano deve enfrentar forte pressão dos principais países que financiam a organização, como Estados Unidos e Reino Unido, que esperam por resultados mais concretos, depois do longo período sob direção de Diouf. A FAO, embora seja a maior agência da ONU, é a que mais depende de fundos doados pelos países-membros. "A impermanência e os termos de referência restritivos dos fundos fazem com que a FAO tenha pouca flexibilidade operacional, se comparada a programas de agricultura e segurança alimentar do Banco Mundial, por exemplo", afirma Steve Suppan, analista do Instituto para Agricultura e Políticas Comerciais (IATP, em inglês).

O novo diretor-geral reafirmou sua confiança em que "é possível erradicar a fome no mundo". Sua vitória na disputa com o ex-chanceler espanhol Miguel Ángel Moratinos, por apenas quatro votos, foi a principal vitória da política externa brasileira em seus esforços para aumentar a presença do país na governança global. A presidente Dilma Rousseff, que divulgou nota no domingo ressaltando o "reconhecimento pela comunidade internacional das transformações socioeconômicas em curso em nosso país", prometeu ontem "firme apoio" a Graziano no exercício do cargo de maior visibilidade internacional confiado a um brasileiro no sistema da ONU.