Os brasileiros devem se preparar. O fim de ano e o início de 2015 serão fartos de aumentos de preços. Já subiram as mensalidades e os materiais escolares e pesarão no orçamento das famílias a energia elétrica, a gasolina, as passagens de ônibus, os seguros de carro. Tudo num momento em que os trabalhadores já sofrem para pagar os impostos tradicionais de começo de ano (IPVA e IPTU) e com a expectativa da recriação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), sobre a gasolina. A inflação no primeiro trimestre deve passar dos 7%. E os economistas estimam que a carestia deverá romper o teto da meta (6,5%) na maioria dos meses do próximo ano.
Adriana Molinari, analista da consultoria Tendências, prevê que o pico do acumulado em 12 meses se dará em fevereiro, com 7,18%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Janeiro não ficará muito atrás (7,11%) e, a partir de março recuará, até chegar a 6,33% em junho. Depois volta a subir e estoura o teto até novembro, fechando o ano com 6,4% em dezembro. Para Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra, 2015 deverá fechar com o IPCA de 7,2%.
Os alimentos continuarão pressionando a carestia este ano. Mesmo com a volta das chuvas, a comida continuará cara, obrigando os consumidores a limitarem as compras nos supermercados. Os analistas chamam a atenção, sobretudo, para a carne de boi, que, nos últimos 12 meses, subiu mais de 20%.

André Perfeito, economista-chefe da Gradual investimentos, concordou que a escalada de preços é puxada basicamente pela demanda, na qual o setor público tem peso de 23%. Mas, apesar da perspectiva de alta dos preços administrados pelo governo, os chamados preços livres acenam para um movimento de queda. “Em setembro, esse item estava em 7,2%. Mas, em novembro, registrava 6,7%”, ilustrou, lembrando que boa parte dos preços livres vem dos serviços, setor no qual o emprego perdeu vigor, com efeito sobre os salários pagos.
Perfeito teme, contudo, pelas consequências da crise hídrica no Sudeste, “que pode pressionar ainda mais para um racionamento de energia”. Esse grave problema, na sua opinião, tem capacidade de provocar uma inflação mais forte lno primeiro trimestre. À medida que a China passa a comprar produtos frigorificados do Brasil, a desvalorização cambial pode levar produtores a dar preferência ao mercado externo. “Assim, os preços da carne vão subir no internamente”, refletiu.
O professor de economia do Insper, Otto Nogami, afirmou que a partir do momento que o controle de preços é liberado, o mercado tem que se ajustar, e isso sempre ocorre para cima. “Tanto que o Banco Central (BC) já tem percepção muito clara de que 2015 vai ser um ano complicado”, afirmou. Quanto ao aumento de energia, ele acrescentou que já há retenção de 24%,e as empresas precisam fazer caixa, lembrando que a política econômica se voltou este ano, sobretudo, para segurar a inflação. Ele avaliou que “se o BC não fizesse política intervencionista no câmbio”, o dólar estaria em R$ 2,82.

Natal apertado

A escalada da inflação já deixou consumidores revoltados e receosos, prometendo ter um Natal de lembrancinhas. A dentista Marta Fernandes, por exemplo, já se adiantou para comprar a lista de material escolar da filha. Ela disse que gastou mais de R$ 500 e ainda faltam os livros. “Só deu esse valor porque comprei os mais baratos”, reclamou.
O funcionário público Gustavo Henrique Sales está assustado com os preços dos itens da ceia natalina. “Carne, frango, refrigerante… Subiu tudo”, exclamou. Para aumentar sua preocupação, a escola dos dois filhos notificou reajustes nas mensalidades de 18%, sem contar taxas cobradas por fora. “Já tive que pagar uma parte este mês para segurar a vaga”, contou. O jeito, revelou, será parcelar o IPVA e o IPTU, contando com os aumentos de água e de luz.
A bióloga Lilian Dantas é outra que vai parcelar todas as contas de começo de ano. Ela também vai vender férias para fazer frente aos aumentos. Com uma filha de 9 anos, pagará R$ 300 de material escolar, sem contar R$ 800 em livros. Para conseguir preços melhores, Lilian participa de uma rede social com 15 mães, dedicada à pesquisa de preços.
A aposentada Heloísa Bontempo já vive um duro ajuste de contas, imposto pela carestia. “Está tudo caro. Compro leite condensado, cujo preço dobrou desde o ano passado, apenas em razão do Natal. Levo só o necessário, sem desperdício”, ressaltou. “Este ano, vou dar só lembrancinhas porque senão não conseguirei pagar as contas.”
Outro que vai fazer um Natal modesto é Rui Tellechea, também aposentado. “Vou comprar só lembrancinhas. Não há outra forma”, desabafou.

O impacto da Cide
Para a consultoria Tendências, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) deverá ter um retorno parcial em janeiro, de R$ 0,28 por litro de gasolina. Isoladamente, o imposto levará a um aumento de 9,3% no preço do combustível. A analista Adriana Molinari faz questão de ressaltar, contudo, que esse cenário para a Cide ainda está indefinido. Pode não ocorrer no próximo mês, mas noutro mais adiante. Ela ainda explica que esse é o único tributo que influencia diretamente na inflação. Outros, como IPVA e IPTU, não entram na conta por incidem sobre bens duráveis.

 

 

Distribuidoras pedem aumento extra

SIMONE KAFRUNI

 

As distribuidoras de energia elétrica não se contentaram com o início do sistema de bandeiras tarifárias em 2015, anunciado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e que vai representar reajuste mensal nas contas de luz a partir de janeiro. A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) informou ontem que a maioria das concessionárias do país vai entrar com pedido de revisão tarifária extraordinária, o que pode resultar em aumentos adicionais da fatura de eletricidade para os consumidores.
O reajuste mínimo das faturas dos brasileiros para cobrir os rombos do setor, que era de 24%, passará para 30% caso a solicitação das empresas seja acatada pela Aneel, segundo cálculos de especialistas. O presidente da Abradee, Nelson Fonseca Leite, disse que o setor está com pendências de R$ 5,1 bilhões referentes a 2014 e que, para o ano que vem, os custos subirão devido ao encarecimento de 46% da energia da Usina de Itaipu, cujo preço é vinculado ao dólar, e à cota das distribuidoras para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
A Abradee defende a revisão tarifária extraordinária para cobrir os custos das associadas que ainda não estão sendo cobertos pela tarifa cobrada dos consumidores, como a compra de energia mais cara no mercado de curto prazo. Isso porque os recursos do segundo empréstimo de R$ 6,6 bilhões obtido com bancos em agosto para cobrir as despesas de curto prazo terminaram em outubro.

“Faltaram R$ 2,1 bilhões para as obrigações que já venceram e ainda restam os pagamentos das contratações de novembro e dezembro, que serão quitadas em janeiro e fevereiro. Calculamos em mais R$ 3 bilhões. Portanto, são R$ 5,1 bilhões pendentes relativos a 2014”, destacou Leite.
O executivo alegou que já há a sinalização, tanto da Aneel quanto do próximo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de que o Tesouro não fará mais aportes. “Está claro que viveremos um realismo tarifário, com a tendência de que os custos sejam totalmente repassados às tarifas”, defendeu. Leite, que se reuniu com diretores da Aneel esta semana, disse que terá novo encontro hoje, visando avançar nas negociações. Ele assinalou, ainda, que nenhuma empresa apresentou o pedido, mas que o farão, individualmente, até o início de janeiro.
“Os pedidos estão relacionados ao aumento de 46% da energia de Itaipu, no próximo ano, e ao custo de R$ 3 bilhões com geração térmica e compra de energia no mercado de curto prazo em novembro e dezembro”, reiterou. Na semana passada, contudo, o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, havia afirmado que não via necessidade de reajustes extraordinários.
Na opinião do gerente de regulação da Safira Energia, Fabio Cúberos, se as distribuidoras forem atendidas, os cálculos que davam conta de um aumento de 24% nas tarifas em 2015 para cobrir o rombo do setor vão saltar para, pelo menos, 30%. “O preço da energia de Itaipu é vinculado ao dólar, e a variação cambial elevou o custo. Há também a questão de algumas distribuidoras que entrarão sem energia contratada para o primeiro semestre, uma vez que o último leilão estava com preço teto muito baixo e os agentes preferiram não vender. Só as estatais venderão energia”, explicou.