Não se discute um fato óbvio: esquecer erros e desmandos, tanto no plano individual como na história de uma nação, é decisão perigosa: sempre existe o risco da repetição. Na história recente do Brasil, esse perigo parece estar afastado pelo trabalho da Comissão Nacional da Verdade, que acaba de produzir um alentado relatório sobre erros e desmandos dos 21 anos de regime militar no Brasil.

Foi um trabalho obviamente necessário. Mas as suas consequências podem ser discutidas. É óbvio que seria erro perigoso esconder aqueles tempos de nossa história. Por outro lado, não seria legítimo esquecer que os militares de hoje não têm, que se saiba, qualquer semelhança com os responsáveis por crimes cometidos por aqueles que mandaram no país nos anos negros da ditadura. É bom lembrar, a propósito, que não faltaram civis, em cargos públicos ou na arquibancada, solidários com a violência do regime.

A comissão não se limitou a registrar a violência que marcou aqueles anos negros. Recomendou uma revogação parcial da Lei de Anistia de 1979, para que seja possível julgar e punir agentes do regime militar culpados pela violência com que foram perseguidos e tratados adversários do governo. É uma medida discutível, ainda que possa ter o efeito salutar de lembrar a quem tenha saudades daqueles tempos que os excessos e a violência que marcam inevitavelmente os regimes de exceção não foram esquecidos.

A Lei de Anistia teve o objetivo óbvio de fazer esquecer os anos escuros do regime militar. Revogá-la parcialmente para punir os responsáveis pela violenta repressão aos adversários dos quartéis pode ter o efeito positivo de desanimar aqueles que tenham saudades daqueles tempos. Certamente existem. Mas, muito provavelmente, são poucos e — atrevo-me a ser otimista — pouco perigosos. Seja como for, a bendita Comissão da Verdade está de olho.

Luiz Garcia é jornalista