Posso falar do Brics outra vez? Não quero cansar o leitor nem parecer obsessivo. Mas a verdade é que nada se faz sem uma saudável dose de obsessão. As ideias fixas movem o mundo, no atacado como no varejo. E depois há o seguinte: não é preciso ser obsessivo para perceber que se trata de uma das principais, se não a principal, vertentes da política internacional do Brasil no período recente.

Isso se tornou mais claro depois da cúpula do Brics em Fortaleza, em julho, quando foram assinados os acordos que estabelecem o Arranjo Contingente de Reservas (Contingent Reserve Arrangement, CRA) e o Novo Banco de Desenvolvimento (New Development BankNDB). Esses dois mecanismos são complementares às instituições multilaterais de Washington e podem inclusive cooperar com elas. Mas foram concebidos para serem autoadministrados e atuarem de forma independente.

As instituições de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial, existem há 70 anos. Em todo esse período, nada surgiu no campo multilateral ou plurilateral que possa ser caracterizado como uma alternativa potencial a essas instituições, que são dominadas pelas potências tradicionais — os EUA e a União Europeia. O CRA e o NDB constituem a primeira.

Repare, leitor, que eu disse “alternativa potencial". Tudo depende da implementação. É aquela frase, desgastada pelo uso, mas verdadeira: Deus está nos detalhes. Ou a variante igualmente verdadeira: o diabo está nos detalhes.

Há que cuidar para que as duas instituições se estabeleçam de maneira sólida e não venham a ser deformadas ou enfraquecidas ao longo do processo de sua concretização. Há que atentar também para que elas entrem em funcionamento num futuro não muito distante, se possível no primeiro semestre de 2016. Demoras excessivas podem levar a que elas sejam ultrapassadas pelos acontecimentos, e o Brics perca credibilidade.

Nesse sentido, foi importante a reunião dos líderes do Brics na Austrália em novembro, liderada pela presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, os líderes resolveram fixar metas para a implementação do CRA e do NDB, a serem alcançadas até a próxima cúpula dos Brics, que acontecerá na Rússia em julho de 2015.

Para o CRA, estabeleceu-se que o grupo negociador conclua as regras e procedimentos operacionais do Conselho de Governadores e do Comitê Permanente. Os bancos centrais ficaram encarregados de completar o detalhamento das operações de swap de moedas por meio das quais ocorrerá o aporte de recursos em caso de pressões de balanço de pagamentos.

Para o NDB, decidiu-se que o presidente e os vice-presidentes serão designados bem antes da cúpula da Rússia. Decidiu-se também designar um Conselho de Administração provisório incumbido de conduzir o estabelecimento do banco.

A sintonia entre os cinco países foi notável.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal