Dados da Secretaria municipal de Saúde do Rio mostram que, na Maré, 40% das crianças nasceram de mães que tiveram um pré-natal precário, enquanto, em Botafogo, a taxa é de 5%. Mortalidade infantil e gravidez precoce também são muito mais recorrentes em áreas pobres. Desde a barriga da mãe, ainda há um abismo entre os carioquinhas que chegam ao mundo. De Botafogo ao Complexo da Maré, a taxa de mulheres que realizaram pré-natal insuficiente se multiplica por sete; a proporção de mães adolescentes se multiplica por cinco de Botafogo ao Complexo do Alemão, e a mortalidade infantil triplica da Lagoa a Ramos. Dos 87.455 bebês nascidos na cidade em 2013, pelo menos um em cada quatro veio de uma gravidez (25%) em que a mãe fez menos de sete consultas no pré-natal, mostram os dados da Secretaria municipal de Saúde compilados e tabulados pela ONG Rio Como Vamos. Em 2006, eram 31,6%.

 

A comparação dos dados do município do Rio com os do país — obtidos pela pesquisa "Nascer no Brasil", realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública ( Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz — mostra que os indicadores da cidade, em geral, avançam e são melhores que a média nacional. O problema é que, nas áreas pobres, o Rio se aproxima das regiões brasileiras com os piores índices.

Na Maré, por exemplo, 40,21% das crianças nasceram de mães que fizeram menos de sete consultas no pré-natal, patamar mínimo estabelecido pela Secretaria municipal de Saúde, enquanto em Botafogo o problema se reduz a 5,79%. A média nacional é de 35%, segundo a pesquisa da Ensp, e o indicador da Maré se aproxima do da Região Nordeste (49,9% de prénatal insuficiente).

Outro indicador importante é a proporção de mães adolescentes, com até 19 anos. Indica não só possíveis gestações de risco, no caso das mais jovens, mas também uma situação de vulnerabilidade social, associada à pobreza e à evasão escolar. Em 2013, a taxa de mães adolescentes foi de 16,38%, patamar que se mantém nos últimos anos, ainda que abaixo da média nacional, de 18%. Na Região Administrativa de Botafogo, a taxa é de apenas 5%, enquanto no Alemão vai a 26,34% — mais do que os 21,7% do Nordeste e os 23,9% do Norte. Onze das 33 Regiões Administrativas do Rio têm mais de 20% de mães adolescentes.

A pedido do GLOBO, a geógrafa Karen Pey, assessora técnica do Rio como Vamos, cruzou os dois indicadores, gravidez adolescente e prénatal insuficiente. Normalmente, onde há uma há outro, o que mostra a importância de investir na educação para a população de renda mais baixa, analisa ela.

A mortalidade infantil, outro problema em queda no país, é de 12,68 mortes de crianças até um ano de idade por por mil nascidos vivos no Rio, abaixo da taxa brasileira (15). A diferença entre as regiões da cidade vem caindo, mas ainda existe: na Lagoa, a mortalidade infantil é de 5,63, porém em Ramos chega a 18,62. Pelos dados do Rio como Vamos, a mortalidade infantil subiu em 2013 em 12 Regiões Administrativas da cidade (Barra da Tijuca, Centro, Copacabana, Irajá, Lagoa, Penha, Portuária, Rio Comprido, Rocinha, Santa Teresa e Tijuca).

 

HISTÓRIAS DE ABUSO E VIOLÊNCIA

 

A gravidez adolescente bate na porta de Raquel Spinelli, uma fisioterapeuta de 29 anos nascida no Morro da Providência, que fundou em 2011 o grupo “Providenciando a favor da vida”, para orientar grávidas. As adolescentes são normalmente maioria entre suas alunas. Entre elas estão Tailane Santos de Oliveira e Luana Osório, ambas com 18 anos, moradoras da Mangueira e grávidas pela terceira vez. Tailane, que parou de estudar no 6º ano, tem uma filha de 4 anos, uma de 3 e agora espera a terceira menina. O primeiro namorado não reconheceu a mais velha, mas o segundo namorado registrou as duas como filhas. A jovem diz que “enjoou” do pai da terceira. Perguntada se planejou três crianças em tão pouco tempo, resume:

— Acho que não tem filho que não seja planejado. A gente sabe como faz, sabe como evita e não usa nada. É porque na verdade queria o filho, né? Então, agora não adianta dizer que não planejei. Mas ainda quero voltar a estudar, tenho vontade de ser alguém.

No caso de Luana, que parou de estudar no 5º ano, o pai das três crianças é o rapaz com quem vive desde os 12 anos. Os dois são camelôs. A jovem conta que foi expulsa de casa e acabou indo morar com o namorado. Estão juntos até hoje. Mal acaba a aula da turma, chega, em busca de vaga na próxima, Andrieli Cruz, de 19 anos, grávida do namorado e levada ao projeto por outra ex-grávida adolescente, Jéssica Yane, hoje com 24 anos, casada e à espera do terceiro filho.

— Muitas vêm com histórias de violência. A gente fala de cuidados com o bebê, sexualidade, autoestima, planejamento familiar e saúde. O curso é gratuito. Cobro que tragam a ficha de acompanhamento do pré-natal — conta Raquel, que lançou um livro sobre o projeto, apoiado pela Agência de Redes para a Juventude, pela Petrobras e pela concessionária Porto Novo.

Doutora em epidemiologia pela Ensp e uma das coordenadoras da pesquisa “Nascer no Brasil”, a pesquisadora da Fiocruz Silvana Granado analisa a gravidez adolescente como a parte mais visível de um problema social, a falta de perspectiva de garotas de áreas pobres — embora a questão não seja exclusiva da pobreza.

— Muitas engravidam porque é uma forma de ser alguém, de ganhar função numa sociedade em que não se sentem importantes. A jovem pobre que fica grávida, se é que já não abandonou a escola, terá que fazê-lo. É uma questão à qual o país tem de dar mais atenção — afirma.

Quanto ao pré-natal, Silvana Granado diz que é preciso se preocupar não só com o número de consultas, mas com a qualidade delas. Destaca também que o acesso ao pré-natal cresceu, quase se universalizou, e que é preciso saber o motivo dos 25% de acompanhamento irregular.

 

BUSCA ATIVA POR GESTANTES

 

O superintendente de Atenção Primária da Secretaria municipal de Saúde, Guilherme Wagner, diz que a opção da prefeitura para diminuir a desigualdade nos indicadores é investir no programa de Saúde da Família, cuja cobertura cresceu de 3% em 2009 para 50% hoje. Segundo ele, a exigência de sete consultas no pré-natal foi feita pela própria prefeitura, num padrão acima do internacional, comumente fixado em quatro consultas ou seis.

Wagner admite, porém, a diferença entre as regiões da cidade e diz que, por isso, o programa privilegia áreas mais pobres e vulneráveis socialmente. Para o superintendente, o desafio agora é fazer a busca ativa das gestantes que ainda não fazem o pré-natal correto e descobrir o motivo. A secretaria está investigando as áreas onde a mortalidade infantil cresceu para saber se houve uma causa específica. Outra ferramenta útil para o cidadão é um site no qual se pode descobrir em que unidade buscar atendimento. O endereço é www.rio.rj.gov.br/web/sms/onde-ser-atendido.