Celebrada em anos recentes, a queda da mortalidade infantil no país tem vindo acompanhada de outro fenômeno menos conhecido: a redução de uma tradicional sobremortalidade masculina entre bebês. A tendência de redução no hiato entre o óbito de meninos e meninas nas primeiras idades é examinada no estudo "Padrões de diferencial por sexo da mortalidade nas primeiras idades: uma investigação com base nas causas de morte"," conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O estudo levou em consideração dados de censos e do SUS referentes aos óbitos de crianças menores de 1 ano e de 1 a 4 anos, no período entre 2000 e 2011. Os números mostram que houve uma maior redução das taxas de mortalidade por causas infecciosas e parasitárias entre meninos, que, historicamente, morrem em maior proporção que as meninas. Em 2000, a sobremortalidade de bebês de 2 anos do sexo masculino, filhos de mulheres de 20 a 24 anos, era da ordem de 15,6%— 115,6 mortos para cada cem meninas. Em 2010, a relação havia se invertido: eram 96,6 meninos para cem meninas.

De acordo com a pesquisa, o resultado se deve a intervenções sociais feitas para combater as principais causas de morte na infância, bem como ao maior acesso à tecnologia e a conhecimentos médicos.

— A sobremortalidade masculina infantil é algo que se dá universalmente. Isso porque, biologicamente, os meninos estão mais sujeitos a alguns tipos de doença ligados a causas externas. Além disso, há a hipótese de os pais exporem mais os filhos homens — explica Laura Rodríguez Wong, professora do Departamento de Demografia da UFMG, uma das autoras do trabalho. — Ao analisar números recentes, descobrimos que a diferença entre homens e mulheres já não era tão grande. Nos últimos tempos, a mortalidade infantil caiu, e os meninos aproveitaram mais.

A pesquisa explica que a maior vulnerabilidade masculina estaria associada a desvantagens biológicas dos homens. Fetos com maiores circunferência da cabeça, comprimento do corpo e peso corporal têm mais risco de morte neonatal associada a doenças cardiovasculares, dificuldades no parto e complicações relacionadas à prematuridade. Além disso, mortes por diarreia, hemorragias, pneumonia e desnutrição, entre outras doenças, ocorrem mais entre bebês do sexo masculino.

Gerente de atenção clínica ao recém-nascido do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), no Rio, o neonatologista José Roberto de Moraes Ramos detalha as características específicas de bebês dos sexos masculino e feminino:

— Os meninos têm mais patologias vasculares da placenta. Alguns estudos relacionaram isso a um maior risco de doenças coronarianas dos homens. E a mortalidade neonatal de prematuros abaixo de 32 semanas é de cerca de 9%, para meninos, e de 6%, para meninas. Ninguém sabe muito por quê, mas elas têm uma melhor adaptação ao nascer. O que esse trabalho mostra é que, com adventos de novas tecnologias, isso pode estar mudando.

A maior atenção com a saúde dos meninos se manifesta em casos como o do pernambucano Juan Riquelme Rodrigues dos Santos, hoje com 5 anos. Sabedora da "fragilidade" maior deles, a família prestou a devida atenção, desde cedo, aos problemas de saúde que o acometem: ele nasceu com refluxo e outros problemas digestivos, além de dificuldades respiratórias. Diariamente, seu quarto é limpo com álcool, porque Juan tem vários tipos de alergias. Quem cuida dele é a avó, Cícera Maria Severo da Silva:

— Não sei como ele estaria se não fosse a atenção grande dos médicos. Felizmente ele está se criando, contra as previsões.

O estudo calculou a diferença entre as médias das taxas de mortalidade em dois períodos: 2000-2002 e 2009-2011. A redução percentual nos índices de mortalidade para menores de 1 ano por doenças infecciosas e parasitárias no Nordeste — região mais beneficiada pelas melhorias —, por exemplo, foi de 60,8%, para homens, e de 57,1%, para mulheres. No Sudeste, a diferença entre meninos e meninas é bem menor: a queda na taxa de mortalidade provocada por essas doenças foi de 49,4%, para eles, e de 49,2%, para elas.

IMPACTO DEMOGRÁFICO NO FUTURO

O grupo de Laura agora tenta refletir sobre as consequências demográficas dessa mudança de tendência. A redução do hiato poderá ter reflexo nas características populacionais de anos futuros.

— Isso pode se traduzir em maior expectativa de vida masculina. Mas o ganho na infância se perde se não houver redução da sobremortalidade masculina na juventude. É preciso ter políticas voltadas para os jovens, com educação, investimento. Não adianta nos esforçamos para poupar os meninos de 3 meses e os perdermos aos 15 ou 20 anos — diz Laura.

Ramos, do IFF, indica outra boa notícia ligada aos resultados do estudo:

— Hoje se sabe que muitas das doenças do adulto têm bases na infância. A pesquisa mostra que poderemos ter adultos mais saudáveis porque há questões sendo trabalhadas desde cedo.

O grupo da UFMG ainda deve se debruçar em números que indiquem se o padrão se repete entre populações menos privilegiadas, investigando questões como etnia. A hipótese dos pesquisadores é que os ganhos foram maiores nas populações mais vulneráveis.