Uma nova denúncia feita pela geóloga Venina Velosa da Fonseca, que foi gerente-executiva da Diretoria de Abastecimento da Petrobras, jogou a atual diretoria da estatal no centro da crise por que passa a empresa. E-mails de Venina, divulgados ontem no jornal "Valor Econômico", mostram que a cúpula da companhia foi alertada sobre uma série de irregularidades muito antes do início da Operação Lava-Jato. Entre os destinatários estavam a atual presidente da Petrobras, Graça Foster, e o atual Diretor de Abastecimento da estatal, José Carlos Cosenza, que preside a comissão interna encarregada de apurar os desvios na empresa, e José Sérgio Gabrielli, na época em que ele presidia a estatal.
Venina começou a fazer as denúncias quando era subordinada ao então diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, preso na Lava-Jato. Entre as irregularidades estavam o pagamento de R$ 58 milhões para serviços que não foram realizados na área de comunicação, em 2008; superfaturamento de US$ 4 bilhões para mais de US$ 18 bilhões nos custos da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco; e contratações atuais de fornecedores de óleo combustível das unidades da Petrobras no exterior que subiram em até 15% os custos. Graça e Cosenza sempre negaram que soubessem de irregularidades antes da operação da PF que levou à prisão dois ex-diretores da empresa (Costa e Renato Duque) e executivos das principais construtoras do país.
GEÓLOGA NA PETROBRAS DESDE A DÉCADA DE 90
Geóloga da Petrobras desde os anos 90, Venina começou a suspeitar de irregularidades na estatal, em 2008, depois de constatar que contratos de pequenos serviços tinham atingido valores muito altos. Ela viu que, entre janeiro e novembro de 2008, eles atingiram R$ 133 milhões, ultrapassando os R$ 39 milhões previstos para o ano. Por conta disso, ainda em 2008, procurou Costa para reclamar que os contratos eram lançados em vários centros de custo e que isso dificultava o rastreamento. De acordo com Venina, nessa época, Costa teria apontado para um retrato do então presidente Lula e perguntado se ela queria "derrubar todo mundo". E teria falado para Venina procurar Geovanne de Morais, diretor de Comunicação que cuidava desses contratos.
Ela enviou a denúncia para Gabrielli. Ele, então, instalou uma comissão presidida por Rosemberg Pinto. Em seu relatório, a comissão viu que foram pagos R$ 58 milhões em contratos de comunicação para serviços não realizados. Identificou notas fiscais com o mesmo número para serviços diferentes, e que dois fornecedores apresentavam o mesmo endereço. O caso foi remetido para uma auditoria.
O primeiro e-mail enviado por Venina para Graça Foster, que à época era Diretora de Gás e Energia, é datado de 3 de abril de 2009. Nele, ela pede ajuda para terminar um texto sobre irregularidades encontradas na estatal. Naquela época, Venina havia visto um aumento de preços nas obras da Refinaria Abreu e Lima. Os custos subiram de US$$ 4 bilhões para US$ 18 bilhões, por conta de aditivos com as empreiteiras. Em ofício de 4 de maio de 2009, ela criticou a forma como a contratação, que dispensava licitações, teria beneficiado empresas da Associação Brasileira de Engenharia Industrial. A Toyo Setal e a UTC Engenharia, acusadas na Lava-Jato, fazem parte da associação. Ainda em 2009, Venina, em documento interno, fez 107 Solicitações de Modificação de Projetos, que resultariam em economia de R$ 947,7 milhões. As sugestões não foram aceitas. Ela sugeriu uma mudança nos contratos da refinaria, mas Renato Duque, hoje investigado pela Lava-Jato, e que era diretor da área de Serviços, não fez a mudança. Na mesma época, as obras de terraplanagem foram alvo de um e-mail enviado a José Carlos Cosenza, então presidente do Conselho da refinaria. Alertava sobre o aumento dos custos.
E-MAIL ENVIADO A GRAÇA ESTE ANO
Sem resposta para as denúncias, Venina deixou o cargo de gerente. Em fevereiro de 2010, ela foi enviada para trabalhar na Petrobras em Cingapura.
Ainda em Cingapura, mais de dois anos depois de ter escrito para Graça, Venina voltou a lhe mandar um e-mail. Dizia: "O que aconteceu dentro da Abast (diretoria de Abastecimento) na área de comunicação e obras foi um verdadeiro absurdo. (...) acontecia o esquartejamento do projeto e licitações sem aparente eficiência". No mesmo e-mail, sugere entregar a documentação que possui para Graça. E diz: "Parte dela eu sei que você já conhece. Gostaria de te ouvir antes de dar o próximo passo".
Em 2012, Venina voltou ao Rio, onde ficou por cinco meses sem qualquer atribuição. Então, foi para Cingapura e virou chefe do escritório.
Este ano, em 25 de março, ela enviou novo e-mail a Cosenza. Dizia que havia identificado perdas financeiras em operações internacionais. Em 10 de abril de 2014, enviou outro e-mail. Dizia que as perdas poderiam chegar a 15% do valor da carga de petróleo e combustível. Mas não teve resposta. Depois, em 27 de maio, veio ao Rio e fez uma apresentação na Petrobras sobre as perdas. Em junho, propôs a criação de uma área de controle de perdas nos escritórios no exterior, mas nada foi feito. Venina voltou a mandar mensagem em 17 de novembro. Dois dias depois, foi afastada do cargo, assim como vários funcionários.
No dia seguinte ao afastamento, Venina enviou email a Graça. Dizia: "Desde 2008, a minha vida se tornou um inferno, me deparei com um esquema inicial de desvio de dinheiro, no âmbito da Comunicação do Abastecimento. Ao lutar contra isso, fui ameaçada e assediada. Até arma na cabeça e ameaça às minhas filhas eu tive". Diz ainda ter toda a documentação do caso, "que nunca ofereci à imprensa em respeito à Petrobras", e afirma ter levado o assunto "às autoridades competentes da empresa". Relata o que já havia dito nos e-mails que começou a enviar em 2008, e oferece a Graça seu telefone.
"JN": E-MAIL CONFIDENCIAL PARA COSTA
Ontem, o "Jornal Nacional", da TV Globo, mostrou um e-mail enviado por Venina, em 16 de janeiro de 2009, para Costa. Venina, que classificou a mensagem como confidencial, dizia: "Quando me deparei com a possibilidade de ter de fazer coisas que supostamente iriam contra as normas e procedimentos da empresa, contra o Código de Ética e contra o modelo de gestão que implantamos, não consegui criatividade para isso. Foi a 1ª vez que não consegui ser convencida a fazer. Não consegui aceitar a forma. No meio do diálogo caloroso e tenso ouvi palavras como "covarde", "pular fora do barco" e "querer me pressionar". Confesso que esperava mais apoio e um pouco mais de diálogo".

A Petrobras instaurou comissões internas em 2008 e 2009 para averiguar indícios de irregularidades em contratos e pagamentos efetuados pela Gerência de Comunicação do Abastecimento. O ex gerente da área, Geovanni de Morais, foi demitido por justa causa em 2009, por desrespeito aos procedimentos de contratação da Companhia. A decisão não foi efetivada porque ele tinha licença médica. A demissão foi em 2013. Em nota, a Petrobras informou que tomou todas as providências para apurar as denúncias. A estatal acusou Venina de ter ameaçado divulgar as denúncias, após ter sido destituída do cargo. Venina deve depor nos próximos dias no Ministério Público Federal, em Curitiba.