Título: Suspense na Venezuela
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 29/06/2011, Mundo, p. 14
O engenheiro de sistemas venezuelano Abraham Barrientos, de 39 anos, acredita que seu país conta com um sólido tecido institucional. ¿A conjuntura atual nos mostra que o poder não deve nem pode se concentrar nas mãos de uma única pessoa¿, afirma ao Correio o morador de Caracas. Também na capital, o biólogo Carlos Rivero Blanco, de 68 anos, percebe que o chavismo está assustado. ¿O presidente Hugo Chávez não permitiu que ninguém se acercasse do poder. Por isso, não possui um sucessor¿, comenta, pela internet. De acordo com ele, membros do governista Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) já começam a competir entre si. ¿Adán, irmão de Chávez, tem aparecido reiteradas vezes na TV e a oposição o acusa de querer ser o Raúl de Fidel Castro¿, acrescenta Blanco.
Desde 10 de junho, quando foi operado de emergência para retirar um suposto abscesso pélvico em Cuba, o líder esquerdista e comandante da chamada Revolução Bolivariana deixou vaga a cadeira presidencial no Palácio de Miraflores. Com isso, provocou uma onda de boatos, forçou as autoridades a tranquilizarem a população e pôs em xeque a resiliência da governança no país. ¿A situação política por aqui é incerta. Não se sabe o que pode ocorrer. Eu creio que o melhor é que o presidente se recupere rapidamente para que tenhamos eleições em 2012¿, desabafou a auxiliar de contabilidade Carmen Morán, de 57 anos, moradora de Maracaibo ¿ a segunda maior cidade da Venezuela, 850km a oeste de Caracas.
Em artigo publicado ontem pelo diário El Universal, o jornalista Nelson Bocaranda escreveu que Chávez perdeu mais de 10kg e ficou bastante deprimido ao receber a notícia de que os resultados da biópsia à qual foi submetido deram positivo. ¿O câncer de próstata não exigirá quimioterapia. Com a radioterapia, os médicos poderão controlá-lo. (¿) O nível de sobrevivência estaria em 80%¿, assegura Bocaranda. O ministro de Energia e Petróleo, Rafael Ramírez, afirmou à agência France-Presse que Chávez telefona todos os dias para seus assessores e avança na recuperação. ¿Não deixa de ligar nenhum dia (¿). É um processo de recuperação e há de sarar¿, disse. ¿O presidente, quando se recuperar, virá, enquanto isso, o governo está nas ruas, estamos trabalhando¿, completou. A versão oficial é a de que os médicos retiraram um acúmulo de pus na região baixa do abdome de Chávez. Ramírez negou-se a informar uma data para o retorno do chefe de Estado.
Silêncio suspeito Para um líder que costuma falar por até seis horas ininterruptas em seus discursos, o afastamento de Chávez é considerado atípico e preocupante por analistas. O mais recente pronunciamento do presidente ocorreu em 12 de junho, quando ele foi à TV estatal Telesur e falou sobre a cirurgia. Na ocasião, disse que era ¿sortudo¿ pelo fato de o abscesso não ser maligno. O historiador e cientista político venezuelano Miguel Tinker-Salas, do Pomona College (na Califórnia), alerta que a ausência de Chávez pode ser contraproducente para os próprios rivais. ¿A oposição sabe que isso mudaria o cenário político na Venezuela. Sua suposta unidade se tornaria espuma. Em vez de um candidato único, vários nomes seriam lançados, o que provocaria uma divisão nas forças opositoras¿, explica.
Segundo Tinker-Salas, caso o quadro de saúde de Chávez seja gravíssimo e leve à renúncia do presidente, a política venezuelana precisará descobrir como projetar o chavismo sem Chávez, após 12 anos de hegemonia. ¿Sem dúvida, teria que haver uma reacomodação dentro do PSUV e da oposição¿, acredita. Ele descarta, porém, que a Venezuela volte ao passado, à época anterior à Revolução Bolivariana. ¿A Venezuela é outro país, com ou sem Chávez. Os diversos setores que assumiram um protagonismo não deixarão de reclamar seu papel na sociedade¿, conclui.
Nicmer Evans, cientista político da Universidad Central de Venezuela, acha curioso o fato de a versão sobre o câncer de próstata ser tão conflitante com a explicação do governo. ¿Parece-me haver uma intenção de noticiar uma série de especulações sobre a saúde de Chávez. Existe informação, mas não a presença do presidente nos meios de comunicação. Por aqui, afirma-se que Chávez se ausenta da mídia porque está em convalescença¿, explicou, por telefone. Uma fonte do governo venezuelano revelou à agência Reuters que cirurgiões cubanos operaram uma peritonite no presidente. A inflamação na membrana que reveste as cavidades abdominal e pélvica não é considerada fatal. Tanto Nicmer quanto Tinker-Salas descartam uma crise de governança na Venezuela.
A última aparição
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez (C), foi fotografado pela última vez no último dia 17, acompanhado do presidente cubano, Raúl Castro (D), e do líder da Revolução Cubana, Fidel Castro (E). Durante o encontro, ocorrido em Havana, os três políticos amigos teriam revisado os laços estreitos entre Venezuela e Cuba, e debatido assuntos de política externa. A fotografia teria sido feita exatamente uma semana depois da cirurgia e Chávez estaria se recuperando "satisfatoriamente", segundo o jornal Granma.