Prevista para fevereiro de 2015, a eleição para a presidência da Câmara desde já testa os limites da aliança entre PT e PMDB e desafia a articulação política do novo governo da presidente Dilma Rousseff. Sem consultar as demais instâncias partidárias, o deputado Eduardo Cunha (RJ) arrancou o lançamento de sua candidatura ao cargo pela bancada dos deputados do PMDB e dos líderes de outros quatro partidos reunidos no chamado "blocão". A ofensiva de Eduardo Cunha abriu uma crise interna no PMDB e levou o PT a vetar qualquer negociação que implique na sua eleição. O resumo atual da situação pode ser feito com a descrição da conversa que Eduardo Cunha, líder da bancada na Câmara, teve com o presidente do PMDB e vice-presidente da República, Michel Temer, na última semana. Cunha informou Temer do lançamento da candidatura e pediu seu apoio. O vice reagiu. Disse que o líder não fazia uma consulta, comunicava um fato consumado. Para Temer, na prática Cunha se colocava como um candidato da oposição. "Você não me procurou, não procurou o PT", disse Temer, remetendo ao acordo de alternância entre os dois partidos nas eleições para a presidência da Câmara. Cunha retrucou e disse que sua candidatura não era de oposição, mas de "independência". Uma conversa dura. Temer, político que prefere acomodar a confrontar, reclamou que o líder criara uma situação de embate, o que "não é produtivo". Antes das despedidas, Cunha voltou a perguntar se poderia contar com o apoio do vice. Temer respondeu que era "muito cedo". E recorreu à condição de presidente do partido, eleito por uma convenção nacional. "Se alguém aqui está indo contra é você. E não é contra o governo, é contra mim", disse. "Não posso assumir nenhum compromisso com você". Cunha disse que procuraria o PT. Temer não levou muito a sério. Com razão: o líder acha que mais do que o comando da Câmara, o que o PT quer é derrotá-lo. É fato. Na realidade, o PT até admite presidir a Câmara no segundo biênio, para estar no comando de uma das casas do Congresso nas eleições de 2018. Mas não quer Cunha no primeiro (2015-2017). Segundo o presidente do PT, Rui Falcão, o empenho do PT é derrota-lo. "Não há nenhuma negociação com ele". A bancada do PT começará a tratar do assunto em reunião convocada pelo líder Vicente Paula da Silva, o Vicentinho, marcada para esta quinta-feira, 13. O partido deve evocar sua condição majoritária na Câmara para exigir a presidência. Será o segundo momento de um jogo que está apenas começando e deve se estender até os primeiros dias de fevereiro. Em conversas reservadas, Falcão diz claramente que quem votar em Eduardo Cunha será responsável pela "instabilidade que ele pode criar". Instabilidade também é a palavra-chave para o ex-presidente Lula da Silva. Nas conversas que teve na última semana com os novos e os antigos parlamentares do PT, Lula advertiu para o risco da reedição do fenômeno Severino Cavalcanti, o deputado que em 2005 derrotou dois candidatos do partido na eleição para presidente da Casa. À época, o ex-presidente pagou um alto preço pela divisão do partido. Com o mensalão batendo às portas do Palácio do Planalto e a ameaça da oposição de pedir o impeachment do presidente, Lula entregou o Ministério das Cidades e abriu as portas da Petrobras para o PP. Uma decisão que até hoje tem desdobramentos desfavoráveis ao governo, como o "Petrolão" - denominação genérica para a operação Lava a Jato -, em cujo epicentro está justamente o PP. Em 2005, Severino beneficiou-se da divisão do PT, que concorreu com dois candidatos a presidente da Câmara, dividindo os votos do governo. Cunha, ao contrário, dá seguidas demonstrações de força e de que pode se aproveitar da insatisfação dos deputados com o governo para se eleger. A oposição também saiu fortalecida das eleições de outubro e pode contribuir com seus 86 votos (PSDB, DEM e PPS) para engrossar os votos de Cunha. O principal operador da campanha do líder do PMDB é o deputado Henrique Alves, atual presidente da Câmara. Há 44 anos na Casa, Alves conhece como poucos os meandros que levam aos votos dos deputados. Cunha demonstrou força também ao conseguir o apoio dos líderes do "blocão" - conjunto de quatro partidos e 86 votos. Somados à bancada do PMDB, que terá 66 deputados, são 152 votos na largada da disputa. Na prática a conta é outra. Sem falar no poder de fogo do governo para esvaziar o "blocão" - o que já fez, aliás, em novembro de 2013 - e o próprio PMDB, chega a 233 o número de deputados da atual Câmara que não voltam em 2015, pois não foram reeleitos, não concorreram ou disputaram outros cargos. Isso por si só ajuda a explicar o clima de rebelião e alta tensão do período pós-eleitoral na Câmara, onde o governo já passou pelo menos por uma derrota significativa - a derrubada do decreto sobre conselhos populares. Merece registro o fato que os novos deputados estavam na reunião da bancada que aprovou o lançamento de Cunha. A força do segundo mandato de Dilma, no entanto, não deve ser subestimada. Especialmente se a composição da equipe e as primeiras medidas da presidente sinalizarem melhores dias na economia. A presidente também conta com uma cesta de ministérios para compor com o PMDB e os outros partidos aliados para influir decisivamente na escolha do novo presidente da Casa. Lula percebeu o risco e conversou, no início da semana passada, com Temer. "Michel foi um bom vice, só não foi melhor que o José Alencar", diz o ex-presidente sobre o vice de Dilma, com o qual não mantinha boas relações, quando esteve no palácio. Além da economia, há convicção de que Dilma não pode errar também na política. O PR, por exemplo, quer o Ministério dos Transportes, mas está na linha de frente do "blocão" de Cunha. O vice Temer e seu grupo dizem que é uma questão de tempo o nome de Cunha aparecer "na lista", uma referência à delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. A "lista" ameaça ambições em relação ao próximo governo. Cunha foi sabatinado pela bancada do PMDB sobre seu suposto envolvimento no "Petrolão". Respondeu que nunca negociou com Paulo Roberto. Havia um processo contra ele sobre irregularidades na refinaria de Manguinhos (RJ), mas foi arquivado pelo Supremo Tribunal Federal em agosto. A eleição para a presidência da Câmara será o primeiro teste político do novo governo, no início de fevereiro. Com a oposição em alta, pode representar tranquilidade ou uma ameaça à governança da presidente Dilma Rousseff.