Na década de 90, o Japão virou um exemplo clássico de como tropeços políticos podem jogar uma economia moderna na deflação. Agora, o país está ensinando como sair disso. À medida que esse mal debilitante ameaça infectar a Europa, e os Estados Unidos se esforçam para se vacinarem contra ele, o Japão dá uma lição de como um banco central comprometido pode, rapidamente, quebrar o círculo vicioso da queda de preços, salários, gastos e investimentos. Mas a situação do Japão também ilustra como fatores que estão além do controle do banco central, como cautela empresarial e medidas contraditórias de política econômica, podem anular esses progressos. A situação política também pode complicar: economistas podem até achar que inflação é melhor que deflação, mas isso não é tão óbvio para o cidadão comum. E outras autoridades monetárias podem compartilhar a meta de acabar com a deflação, mas hesitar diante dos riscos necessários para alcançá-la. É "inevitável que, no processo de transição, méritos e deméritos virão à tona", reconheceu na semana passada Haruhiko Kuroda, presidente do Banco do Japão (BOJ, o BC japonês) e o principal combatente da deflação no país, em discurso para acalmar o coro crescente dos críticos. Mas ele alertou para o perigo de parar no meio do caminho: "Um tratamento médico pela metade só vai piorar os sintomas." No fim dos anos 90, o Japão se tornou a primeira grande economia desde a Grande Depressão a cair numa deflação prolongada. Embora as autoridades monetárias globais sempre a considerassem uma aflição peculiar do Japão, causada por ferimentos autoinfligidos, mais países, em especial na Europa, vêm recentemente escorregando para a deflação. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) informou que 13 dos seus 34 países-membros tiveram queda de preços nos últimos 12 meses. Por outro lado, o Japão parece já ter passado da queda para o aumento dos preços, depois de um volumoso pacote de estímulo lançado por Kuroda em abril de 2013. O principal índice de inflação do país - embora ainda esteja abaixo da meta do BOJ, de 2% ao ano - está acima de 1% há quase um ano, o período mais longo passado nessa faixa em mais de 15 anos. E o principal órgão de previsões econômicas do país calcula que permanecerá assim até o início de 2017. "Kuroda nos lembrou que os princípios básicos da economia ainda funcionam [...] e um banco central decidido pode gerar inflação, se só se preocupar com isso", diz Anil Kashyap, economista da Universidade de Chicago e especialista em deflação japonesa. O progresso, porém, segue frágil, o que levou Kuroda a deflagrar, em 31 de outubro, uma segunda rodada de medidas de estímulo, prometendo injetar mais trilhões de ienes na economia. Estes são alguns desafios que ele enfrenta: Cautela empresarial Até o momento, os principais beneficiários da deflação japonesa têm sido as multinacionais, que aproveitam o iene mais fraco para aumentar os lucros ao repatriar receitas em moedas de outros países. Na atual temporada de divulgação de resultados, as empresas exibiram até agora um aumento de 23% no lucro líquido em relação ao ano anterior, segundo a SMBC Nikko Securities, mesmo depois de um salto de 129% no ano passado. Mas, num legado da ansiedade da era da deflação, as empresas sediadas no Japão estão só guardando todo esse caixa - um montante que somava US$ 2 trilhões em meados do ano e que subiu 10% em dois anos, segundo o BOJ. A visão de Kuroda de um "círculo virtuoso" inflacionário autossustentável exige que esses lucros fluam mais livremente pela economia, por meio de aumento de investimentos e salários. Embora os salários estejam subindo ao ritmo mais rápido desde 1997, ficaram para trás da inflação recém-fomentada, deixando os trabalhadores em situação pior do que antes. Esse não é um problema exclusivo do Japão. A cautela empresarial e o outro lado da moeda, a estagnação salarial, vêm freando o crescimento em várias economias avançadas desde a crise financeira. O Japão está testando soluções, inclusive negociações intermediadas pelo governo entre grandes empresas e grandes sindicatos. Políticas contraditórias A busca antideflação seria mais fácil se o governo se concentrasse apenas nessa meta. Mas não é o que acontece. A prioridade do Ministério das Finanças é reduzir a enorme dívida soberana do país. Para isso, decretou um aumento no imposto sobre as vendas no primeiro trimestre e quer realizar outro em 2015 - apesar de o primeiro ter acabado prejudicando as medidas antideflação ao deprimir o crescimento. O programa econômico mais geral do premiê Shinzo Abe inclui reformas estruturais destinadas a impulsionar o crescimento de longo prazo. Houve um sucesso: mais de 800 mil mulheres entraram na força de trabalho nos últimos dois anos. Isso atenua as limitações de uma população em queda, mas também comprime os salários, pelo menos no curto prazo. Estados Unidos e Europa também têm tentado conciliar os estímulos do banco central com a redução do déficit. A Europa tenta, ainda, repelir a deflação enquanto pondera reformas estruturais. Reações políticas adversas Abe obteve uma vitória esmagadora em dezembro de 2012 com a promessa de acabar com a deflação. Agora, o público japonês está repensando o assunto ao ver que os ganhos foram canalizados principalmente para grandes empresas e seus acionistas, enquanto os custos caíram mais pesadamente sobre as pequenas empresas e as famílias de renda média. Kuroda é questionado com frequência no parlamento. Seu conselho de política monetária, que receia causar distorções no mercado ao comprar uma parcela cada vez maior de títulos da dívida pública, aprovou o afrouxamento monetário mais recente por cinco votos a favor e quatro contra. Kuroda está em boa companhia. O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, tem de lutar contra céticos no seu próprio conselho, que hesitam em comprar dívida soberana. E as eleições nos EUA colocaram uma nova maioria no Congresso, que deve questionar a política de afrouxamento de Janet Yellen, a presidente do Fed, o banco central americano. O presidente do BOJ já ensinou aos que dirigem outros bancos centrais como vencer as primeiras batalhas contra a deflação. Agora, ele se esforça para escrever a cartilha sobre como vencer a guerra no longo prazo.