O fraco desempenho da balança comercial brasileira em 2014 que, na melhor das hipóteses, irá tão somente repetir o modesto saldo de cerca de US$ 2 bilhões obtido no ano passado, tem suscitado um importante debate a respeito dos seus fatores explicativos, de olho no que se pode extrair de implicações para o futuro. O tema central do debate é o papel da taxa de câmbio, mais exatamente, porque a desvalorização acumulada nos últimos três anos que, em termos reais, já superaria a casa dos 25%, ainda não impactou positivamente o saldo. O problema é que a balança comercial reflete uma conjunção muito vasta de fatores interrelacionados, fazendo desse debate algo normalmente inconclusivo.

Usualmente, na ótica macroeconômica coloca-se ênfase em três fatores principais: a já mencionada taxa de câmbio, que governa os preços relativos das moedas; as variações cíclicas e tendenciais do ritmo da atividade produtiva nas economias doméstica e mundial, que comandam a demanda efetiva pelos bens comercializados; e o estágio do ciclo de preços das commodities, que determina os termos de troca entre as correntes de exportação e importação dos diferentes países.

Dinamismo da demanda e termos de troca são grandezas relativamente fáceis de serem mapeadas. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito sobre a taxa de câmbio. Uma variação cambial de um dado montante pode provocar efeitos muito distintos de acordo com diferentes tempos e movimentos associados ao processo de variação, o que na teoria é chamado de "dependência da trajetória". Quanto mais volátil ou instável for a trajetória, menores em grau ou mais lentos em ritmo serão os efeitos sobre os fluxos de mercadorias que a mudança da taxa de câmbio irá acarretar. Isso tende a ocorrer simplesmente porque para a tomada de decisão de produção ou de investimento em bens comercializáveis as expectativas quanto ao nível futuro da taxa de câmbio são mais relevantes do que o seu nível corrente.

Promoção de exportação é passo decisivo para reposicionar estrategicamente a indústria brasileira 

Particularmente difícil de ser modelada é a histerese (defasagem temporal entre causa e efeito) que necessariamente caracteriza a relação entre câmbio e competitividade revelada. Por exemplo, uma trajetória duradoura - e previsível - de apreciação cambial expõe a indústria a uma sequência de ajustamentos de diferentes naturezas. Inicialmente, a maior pressão competitiva provocada pela valorização da moeda, especialmente se em escala moderada, leva a indústria a perseguir aumentos de produtividade. Uma vez esgotados os espaços existentes para o aumento da eficiência, a continuidade da apreciação do câmbio dá lugar a uma segunda fase na qual a indústria se vê compelida a promover reestruturações visando simplificar produtos, enxugar processos, buscar a importação de insumos, dentre outras estratégias tipicamente defensivas de busca de sobrevivência.

Se a apreciação cambial continua, pode chegar-se a uma terceira fase em que a empresa se vê forçada a encerrar as atividades produtivas, mantendo-se apenas como intermediária comercial, ou mesmo fechar as portas. A intensidade e o timing dos impactos da variação da taxa de câmbio sobre a balança comercial irá depender obviamente de como a estrutura produtiva irá mover-se ao longo dessas fases.

No sentido oposto, quando a taxa de câmbio volta a depreciar, os produtores que ainda estão na primeira fase - a da busca de resposta em produtividade - encontrarão maior facilidade para reagir e provavelmente poderão recuperar com rapidez as posições anteriores. No entanto, aqueles que já tiverem ingressado na segunda fase e, mais ainda, aqueles que descontinuaram a atividade industrial, enfrentarão dificuldades maiores para reagir em consequência de defasagens tecnológicas acumuladas, vantagens de primeiro a mover de competidores, etc.

Parece razoável supor que a histerese da relação câmbio-competitividade será tanto maior quanto mais apreciada estiver a taxa no início do processo e mais errática for a trajetória de depreciação. Nesse sentido, é interessante buscar na história brasileira recente algum termo de comparação. O último episódio consistente de desvalorização cambial experimentado pelo Brasil foi a adoção do câmbio flutuante em 1999, que provocou uma queda de cerca de 30% no valor do real. Mesmo tendo seguido uma trajetória muito mais firme e previsível do que a da rodada atual, foram necessários quase quatro anos para que os seus efeitos se transmitissem ao comércio exterior. Os números da expansão do saldo comercial falam por si: 5,7% em 2001; 3,7% em 2002; 21,1% em 2003 e 32,1% em 2004.

Pragmaticamente, porém, cabe ter em mente que, além da tríade taxa de câmbio - demanda mundial - termos de troca, a balança comercial também responde - e muito - a fatores relacionados à política industrial, tecnológica e de comércio exterior. Por isso, retomar a ênfase em políticas de promoção de exportações, que perderam força na fase de crescimento orientado para o mercado interno da segunda metade da década passada, mostra-se como um passo decisivo.

Pode parecer despropositado almejar ampliar as vendas externas em um momento em que as condições da economia mundial não são exatamente as mais propícias para um ajuste exportador de grande fôlego. Mas esta é exatamente a hora de reposicionar estrategicamente a indústria brasileira. Esperar a recuperação do dinamismo econômico global, sobretudo se esse vier mais centrado nas economias avançadas do que nas emergentes, poderá ser tarde demais.

David Kupfer é professor licenciado e membro do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES.