Depois de viver semanas com uma volatilidade de tirar o fôlego, o investidor do mercado de juros futuros resolveu pôr o pé no freio e diminuir o ritmo de operações, à espera por definições sobre a condução da política econômica no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. 

O volume de negócios no segmento na BM&F encolheu nas primeiras sessões de novembro. 

A média diária de contratos futuros de Depósitos Interfinanceiros (DI) negociados na BM&F nos cinco primeiros pregões deste mês foi de 804 mil contratos - 385,3 mil abaixo da média de outubro, de 1,189 milhão. Em setembro, a média diária havia sido de 1,426 milhão de contratos negociados. 

Segundo profissionais, os sinais de redução de volume já vêm sendo notados desde o fim de outubro. Investidores de peso que saíram "machucados" por apostas montadas durante o período que antecedeu as eleições presidenciais começaram a deixar mais recursos em "caixa", sinônimo para aplicações atreladas ao Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). 

"Em um momento em que a volatilidade explode, não tem como ganhar. Quem se deu bem nesses últimos dois meses foi quem não fez nada e ficou com o dinheiro em caixa", afirma o diretor de uma gestora de recursos de São Paulo, que prefere não ter seu nome citado. 

Um profissional de uma grande corretora com sede no Rio de Janeiro, que pediu anonimato, lamenta a falta de apetite dos clientes. 

"Vimos uma debandada grande nos últimos dias. Tesourarias que eram muito ativas reduziram muito as operações e algumas estão fora do mercado ", afirma. 

Entre os meses de agosto e de outubro, quando as apostas sobre o rumo das eleições começaram a ganhar corpo, o DI com vencimento em janeiro de 2017, líder em liquidez, foi negociado a taxas entre 10,82% e 12,35%. Dinâmica similar foi observada em ativos como a NTN-B 2050, título do Tesouro Nacional atrelado ao IPCA, considerado importante termômetro da percepção de risco dos investidores. O juro desse título oscilou nas últimas semanas entre 5,30% e 6,35%. Atualmente, o papel é negociado a 6,22%. 

Primeiro veio a onda de otimismo e mergulho das taxas futuras, provocada pela ascensão na corrida presidencial de Marina Silva (PSB) - que acenava com uma guinada ortodoxa da política econômica. Nas semanas seguintes, os juros futuros subiram e os preços dos títulos públicos caíram à medida que pesquisas revelavam queda das intenções de voto da candidata do PSB. 

Passada a "onda Marina", investidores apostaram suas fichas na vitória do candidato tucano, Aécio Neves, que saiu fortalecido do primeiro turno da eleição presidencial. 

As sucessivas pesquisas de intenção de voto para o segundo turno provocaram muita instabilidade nos mercados. Na reta final da campanha, com Dilma Rousseff numericamente à frente do tucano, investidores já ajustaram as posições à perspectiva de reeleição da presidente. 

Confirmada a vitória de Dilma, veio a aposta em uma mudança de postura da política econômica no segundo mandato. Rumores sobre a nomeação de um ministro da Fazenda com bom trânsito no mercado financeiro, como o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, deram sustentação a uma queda dos prêmios de risco. 

Mas essa tese perdeu força na semana passada. Declarações da presidente Dilma e, principalmente, do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, na última quinta-feira, puseram em dúvida a disposição do governo em promover uma mudança de rota da política econômica. Também houve frustração com a notícia de que a presidente vai anunciar o novo titular do ministério da Fazenda apenas quando voltar do encontro do G-20, que ocorre nos dias 15 e 16 na Austrália. 

As taxas futuras mais longas - ligadas justamente à percepção de risco - explodiram, em um ambiente de liquidez reduzida. 

O derivativo para janeiro de 2021 subiu 0,50 ponto percentual na semana passada, para 12,51%. "O mercado estava operando na expectativa da iminência do anúncio do novo ministro da Fazenda e, como isso não ocorreu, as taxas mudaram de patamar", afirma Rogério Braga, sócio e diretor de gestão de renda fixa da Quantitas. 

Para Braga, dada a falta de visibilidade sobre a condução da economia, é natural que os investidores se retraiam e adotem uma postura cautelosa, o que se traduz em liquidez reduzida. 

Boa parte dos agentes já passou o fim da eleição fora do mercado e não "mostra pressa" em assumir posições que impliquem mais risco. "É preciso aguardar o nome do ministro da Fazenda para montar novas posições", afirma o gestor. 

Durante a temporada eleitoral, com o vaivém das expectativas, o potencial de ganho com apostas de risco parecia muito maior do que a possibilidade de prejuízo. 

Mas a estratégia não se mostrou acertada para muita gente, que se viu obrigada a suportar perdas muito além do que podia ser previsto. 

A opção desses investidores agora é pela cautela. E, como as dúvidas ainda são grandes, a falta de apetite por negócios pode seguir por mais tempo.

 

 

BC deve evitar agir sob pressões de curto prazo, diz Corrêa de Lacerda

O Brasil vai ter que conviver com inflação elevada nos próximos anos, mas subir os juros não deve ser a resposta mais adequada, segundo o coordenador de pós-graduação em economia política da PUC-SP, Antonio Corrêa de Lacerda. Para ele, a natureza da inflação no Brasil, assim como em outros emergentes, tem a ver com razões estruturais, e não vem da demanda. "Há uma pressão muito grande pelo curto prazo. Mas se você errar a mão, você pode colocar a perder um esforço de recuperação sustentável da economia", afirma.

O Brasil vai ter que conviver com inflação elevada nos próximos anos, mas subir os juros não deve ser a resposta mais adequada, segundo o coordenador de pós-graduação em economia política da PUC-SP, Antonio Corrêa de Lacerda. Para ele, a natureza da inflação no Brasil, assim como em outros emergentes, tem a ver com razões estruturais, e não vem da demanda. "Há uma pressão muito grande pelo curto prazo. Mas se você errar a mão, você pode colocar a perder um esforço de recuperação sustentável da economia", afirma.

Valor: A ata da semana passada esclareceu a razão da alta do juro?

Antonio Corrêa de Lacerda: Eu achei os argumentos pouco convincentes. Todos os elementos colocados têm pouco respaldo em uma visão de expansão da demanda. Vivemos exatamente o contrário: a economia não está crescendo. É uma coisa incoerente, a meu ver. E a inflação está alta em relação a quê? Tem um grupo de países em condições semelhantes à brasileira - que têm uma pressão inflacionária significativa. É o caso da África do Sul, cuja inflação acumulada em 12 meses até setembro estava em 6,4%; a Índia, com 6,8%; e a Rússia, de 7,4%. A China, até dois anos atrás, tinha inflação de 6% ao ano. Hoje, tem uma inflação mais baixa, perto de 2%, o que tem a ver com a valorização do yuan, com a queda do preço das commodities e com a desaceleração da economia chinesa. O próprio México tem uma inflação acumulada de 4,1%. Isso a despeito do novo normal em termos de crescimento econômico global e dos fatores deflacionários, como queda das commodities, com destaque para o petróleo. Isso não tem a ver unicamente com a demanda, mas com fatores estruturais: urbanização, crescimento dos preços dos alimentos, dos preços de serviços, da mão de obra. E nem por isso esses países elevam as taxas de juros, pelo menos nesses níveis do Brasil. Não por acaso, nosso custo de financiamento, de 5,5% do PIB ao ano, está fora da curva, acima inclusive de países que têm dívidas maiores. Essa prática de juros elevados traz mais efeitos colaterais adversos do que benefícios para o combate à inflação.

Valor: A inflação ameaça romper o teto da meta em 2014 e se aproxima desse nível nas projeções para 2015. O que pode ser feito?

Lacerda: Estamos passando por uma transição, em que será muito importante a definição da equipe econômica. É importante ter perfis de pessoas que conheçam o todo da economia, a realidade e a lógica de investimento do setor produtivo, não só do setor financeiro. A definição da equipe e a clareza da política econômica poderão criar um fator de confiança importante, não apenas para o mercado financeiro mas em todos aqueles tomadores de decisão. Isso envolve a questão fiscal, com um plano de reestruturação das contas públicas de forma razoável, e a questão do déficit externo. Então, o câmbio será um elemento fundamental. O governo não pode cair na tentação de revalorização do real, a despeito do efeito que isso pode ter sobre a inflação no curto prazo.

Valor: O BC deixou sinais de que pode continuar subindo os juros?

Lacerda: Eu não descarto novas altas. Mas eu não recomendaria. O Brasil, a meu ver, vai ter que conviver com inflação elevada nos próximos anos. Esses países que eu citei vêm apresentado taxas de inflação altas há mais de dez anos. Então, é algo estrutural. Por isso, não adianta ser irrealista. Se você tentar levar a inflação à meta no ano que vem, isso exigiria um aumento de juros absurdo, com consequências nefastas sobre o custo da dívida, o crédito, financiamento e a própria dificuldade de ajustar a taxa de câmbio. Tem que se fazer escolhas e resistir à pressão do curto prazo. Há uma pressão pelo curto prazo, de que o Banco Central tem que dar respostas..., mas se você errar a mão, você pode colocar a perder um esforço de recuperação sustentável da economia. O espaço para crescimento da economia vai ser muito limitado em 2015. Eu trabalho com 1%, porque terá de ajustar contas públicas, câmbio, preços administrados. Mas a vantagem de fazer o ajuste necessário, de forma competente, crível, bem comunicado é poder restabelecer as condições para o crescimento.

Valor: Com o deslocamento do dólar de R$ 2,25 para R$ 2,50 entre duas reuniões do Copom, o ajuste do câmbio já está concluído?

Lacerda: O câmbio foi um dos argumentos para justificar a alta dos juros, embora não o único. Essa elevação é uma tentativa de manter a atratividade dos investimentos externos aqui. Mas é cedo para dizer que o ajuste está completo. Isso porque temos uma mudança da política monetária americana à vista, o que significa que poderemos ter ainda volatilidade e mais pressão por desvalorização. Como o que importa para o setor produtivo é o câmbio real, uma das funções da nova equipe econômica será conduzir esse processo sem cair no apelo por revalorização do real.

Valor: O programa de swap, portanto, deve ser mantido em 2015?

Lacerda: Acho que o programa de swaps pode ser necessário, desde que isso não implique em revalorizar o real. No passado, a gente tinha uma aversão a controles cambiais e hoje isso é colocado como normal em um cenário de tanta volatilidade. Mas esses instrumentos não podem ser usados para revalorização cambial, porque isso adiaria o ajuste que é necessário para tentar reverter o quadro desfavorável das contas públicas.