A Petrobras está reformulando e ampliando as práticas de governança da empresa depois que as denúncias do ex-diretor Paulo Roberto Costa mostraram que vários negócios ilícitos, responsáveis por prejuízos ainda não mensurados, foram feitos nos últimos anos sem que os mecanismos de controle e prevenção tenham sido acionados. Uma fonte graduada informou ao Valor que a ouvidoria da Petrobras nunca recebeu nenhuma denúncia "de que havia ambiente propenso à corrupção" na maior companhia aberta da América Latina.

Nos últimos meses o Valor teve acesso a algumas das comissões internas de investigação criadas pela presidente da estatal, Graça Foster, para apurar denúncias publicadas na imprensa. Uma série de reportagens publicadas pela revista "Época", no ano passado, chegou a batizar uma das Comissões Internas de Apuração (CIA), que passou a se chamar CIA Época.

Ali foram investigados negócios relatados pelo lobista João Augusto Henriques, que informava ser operador do PMDB. Trata-se de um ex-diretor da BR Distribuidora que disse à revista ter sido responsável pela indicação de Jorge Zelada, que ocupou a diretoria Internacional da Petrobras de 2008 a 2012. As revelações envolviam empreiteiras, políticos, contratos bilionários e chamaram a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU).

À revista, Henriques falou sobre a intermediação de negócios com a Petrobras na Argentina e Estados Unidos e mencionou o pagamento de comissões para financiamento de campanhas políticas, incluindo a da presidente Dilma Rousseff em 2010. Ao informar sobre o escopo das investigações, a comissão da Petrobras listou a venda da refinaria San Lorenzo e de 27,5% da empresa Edesur, ambas na Argentina, e a aquisição de 50% de um bloco exploratório na Namíbia. Também foi investigada a contratação da sonda de perfuração Titanium Explorer, da empresa Vantage Deepwater que, segundo o lobista, rendeu US$ 14,5 milhões em "comissões".

Os auditores da estatal afirmam que foram constatados "procedimentos incomuns e geração de documentos questionáveis, o que poderia ter sido lesivo aos interesses da Petrobras". Contudo, na alçada de investigação da estatal, não foram encontradas, até o momento, provas de negócios lesivos à empresa, mas mesmo assim os relatórios foram enviados para as autoridades.

Contudo, os promotores da operação Lava-Jato já encontraram R$ 206,3 milhões depositadas em três contas do doleiro Alberto Youssef. Essa contas teriam sido usadas para receber propinas de fornecedores da Petrobras, entre novembro de 2009 e dezembro de 2013, segundo o Ministério Público Federal.

Nada foi encontrado nas investigações determinadas por Graça, apesar de os negócios também envolveram as diretorias de Serviços, comandada por Renato Duque, e a de Abastecimento na gestão de Paulo Roberto Costa. Na área internacional, que teve Nestor Cerveró como diretor antes de Zelada, foram analisados a compra da refinaria de Pasadena, e o contrato para serviços de SMS com a Odebrecht em diversos países.

Na investigação sobre a denúncia de suborno pela holandesa SBM, foram checadas até viagens enogastronômicas a vinículas argentinas dos ex-diretores Renato Duque e Jorge Zelada, que teriam sido pagas pelo representante comercial da SBM, Julio Faerman. A Petrobras não conseguiu confirmar sequer a ocorrência da viagem, mas a auditoria registrou o fato de ambos estarem de férias no período investigado. Atualmente, Zelada é membro do conselho da TVP Solar, com sede na Suiça.

Essa última denúncia investigava afirmações de ex-funcionário da SBM na Holanda de que era paga comissão de 3% a funcionários para fechar negócios na Petrobras. Coincidência ou não, trata-se do mesmo percentual mencionado por Costa na delação premiada e que teria sido dividido entre partidos políticos.

Costa foi responsável pela refinaria mais cara construída nos últimos tempo, a Rnest, em Pernambuco, que terá custado US$ 18,8 bilhões quando estiver 100% pronta, no próximo ano. É uma obra exuberante com custos questionáveis de terraplenagem, prédios e com um sistema de tubulação que pode ser "visto da lua", na expressão de um engenheiro da estatal. O TCU também investiga outra obra iniciada por ele, o Comperj, no Rio, que começou projetado como um complexo petroquímico e vai acabar sendo uma refinaria comum para processar petróleo.

Graça Foster substituiu José Sergio Gabrielli na presidência da estatal em 2012, com carta branca da presidente Dilma Rousseff para troca de quase toda a diretoria. O ato foi considerado por lideranças políticas, em Brasília, como "o não à política", segundo uma fonte no Senado relatou na época. Ainda é cedo para saber se será também o "não" à corrupção que penetrou profundamente na companhia e deixou sequelas, tanto na imagem como também na estrutura corporativa, difíceis de serem quantificadas nesse momento.

Diante de tudo o que já foi dito por Costa e dos indícios de que a Petrobras passou por momentos tenebrosos nos últimos anos, o curioso é que nenhum dos 82 mil funcionários do sistema Petrobras no Brasil e no exterior tenha tido acesso a informações que pudessem gerar alguma denúncia. A ouvidora da estatal é comandada por Paulo Otto Von Sperling, que no Congresso Nacional foi assessor parlamentar do ex-deputado José Dirceu (PT) e de José Eduardo Dutra, primeiro presidente da Petrobras no governo de Luis Inácio Lula da Silva.

Sperling trabalhou como consultor jurídico da presidência da Petrobras, entre janeiro de 2003 e setembro de 2007, quando assumiu a gerência executiva de Comunicação e Relações Institucionais da BR Distribuidora. Desde setembro de 2009 é ouvidor-geral, tendo sido designado, em 2012, responsável pela aplicação da Lei de Acesso à Informação na estatal. A Petrobras não respondeu sobre a Ouvidoria e nem sobre o pedido de entrevista com Sperling.

Sobre Sperling, Silvio Sinedino, representante dos funcionários no conselho de administração da Petrobras disse, em junho de 2012, em entrevista à revista "Brasil Energia", disponível na página da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet): "Temos muita reclamação da ouvidoria. Sei que o papel do ouvidor não é executivo, mas tem de ter consequência. Muita gente reclama que ele só ouve". Sinedino não estava disponível para entrevista.

Agora, as expectativas são em torno das auditorias feitas pelos escritórios Trench, Rossi e Watanabe Advogados e a americana Gibson, Dunn & Crutcher. As duas empresas estão procurando identificar os ilícitos e também descobrir como foi possível driblar por tanto tempo os controles internos da Petrobras. A ponto de os auditores da Price waterhouseCoopers apontarem a necessidade de contratação desses auditores externos para se assegurar da veracidade das demonstrações financeiras apresentadas pela estatal e cuja veracidade cabe a ela atestar.

Segundo uma fonte, foram os auditores que alertaram ao conselho fiscal que o presidente da Transpetro, Sergio Machado, não poderia assinar o balanço da subsidiária, já que há uma denúncia, mesmo não confirmada, de que ele teria pago R$ 500 mil ao ex-diretor Paulo Roberto Costa, que está em prisão domiciliar.

Sergio Machado só entrou com pedido de licença depois que a situação ficou insustentável e a Petrobras adiou a divulgação do balanço do terceiro trimestre, agora marcada para sexta-feira, duas semanas depois do prazo inicialmente previsto. A expectativa de que venham à tona mais informações com as investigações que estão sendo realizadas pela Securities and Exchange Commission (SEC), dos Estados Unidos.

 

Departamento de Justiça dos EUA abre investigação

 

Autoridades dos Estados Unidos estão investigando se a Petrobras ou alguns de seus funcionários participaram de um esquema de suborno, segundo pessoas familiarizadas com o assunto. As iniciativas se somam a outras investigações que a estatal brasileira já enfrenta em seu país.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos abriu uma investigação criminal contra a empresa, que tem ADRs negociadas na Bolsa de Nova York, enquanto a SEC (Comissão de Valores dos EUA) abriu um processo civil.

Maior empresa do Brasil, a Petrobras está sendo investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público no que pode se transformar no maior caso de corrupção do Brasil.

Muitas das denúncias apuradas agora, teriam acontecido no período em que a presidente Dilma Rousseff (PT) comandava o conselho de administração da empresa, antes de tomar posse em janeiro de 2011.

As autoridades americanas estão investigando se a companhia, seus funcionários, intermediários ou terceirizados feriram a Foreign Corrupt Practices Act (lei anticorrupção americana). A lei define como crime subornar funcionários estrangeiros para ganhar ou manter negócios.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a SEC não quiseram comentar a notícia. A Petrobras não respondeu ao pedido de entrevista.

Promotores brasileiros alegam que a Petrobras e algumas empresas contratadas inflaram os custos de obras e aquisições em centenas de milhões de dólares. Parte dos recursos desviados nessas operações foi destinado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e aliados da base de coalizão.

As duas principais figuras envolvidas no suposto esquema, o ex-diretor da estatal Paulo Roberto da Costa e o doleiro Alberto Youssef, afirmaram que dirigentes desses partidos teriam recebido 3% de todos os contratos.

Tanto o PT como os outros partidos citados nas investigações já negaram essas acusações.

A abertura de investigações nos Estados Unidos, no entanto, mostra a dimensão internacional do escândalo e pode trazer implicações financeiras para a Petrobras.

 

Envolvimento da SEC é certo, mas há dúvida sobre foco

 

Há mais dúvidas do que certezas sobre qual será o desfecho da investigação sobre os desvios de recursos da Petrobras no âmbito da lei americana contra corrupção no exterior (FCPA).

Entre os pontos sobre os quais há consenso entre os especialistas estão os de que: a Securities and Exchange Commission (SEC) e o Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos serão obrigatoriamente envolvidos no caso; a investigação deve demorar; e, muito dificilmente, a presidente Dilma Rousseff, na condição de ex-presidente do conselho de administração da companhia, será envolvida de alguma forma.

Já o rol de dúvidas abrange, entre outros temas, quem tomou a iniciativa de avaliar o caso, se a Petrobras já foi avisada que está sob investigação, se a companhia pode ser enquadrada como ré, ou apenas as empreiteiras, e quais as possíveis consequências do caso para a empresa, seus acionistas e executivos.

A SEC diz que suas investigações são sigilosas e a Petrobras tem negado que esteja sob uma investigação formal por violação da FCPA no caso da Operação Lava-Jato (talvez por se considerar apenas vítima, ou por não ter sido avisada oficialmente sobre a investigação).

Se foi a própria companhia que fez o primeiro gesto de ir atrás dos culpados, melhor para ela, já que SEC e DoJ veem com bons olhos qualquer colaboração. De qualquer forma, os achados que ela encontrar - seja a pedido ou voluntariamente - terão que ser levados a esses dois órgãos, que são os responsáveis por conduzir o processo.

No único comunicado em que mencionou o tema até agora, a estatal disse que a contratação de dois escritórios de advocacia para lhe ajudar nas investigações "considera o contexto da FCPA", uma vez que ela é registrada na SEC.

Um esclarecimento sobre quem tomou a iniciativa pode vir quando a Petrobras finalmente divulgar seu balanço, nesta semana. Quando a Embraer foi intimada pela SEC por suspeita de corrupção, em 2010, a primeira menção pública foi feita em uma nota de balanço.

Do exemplo da fabricante de aviões, que até hoje não teve um desfecho, surge outra certeza. Um caso como esse costuma durar anos. "Não sei de nenhuma investigação que foi resolvida em meses", diz James Warnot, sócio do escritório Linklaters nos EUA.

Sem conhecer detalhes do caso, Warnot disse que é mais comum que as empresas façam a primeira parte da investigação, já que elas têm mais acesso às informações. Feito o levantamento inicial, a empresa apresenta o resultado aos reguladores, dizendo ainda quais providências tomou para punir os responsáveis e quais medidas serão implantadas para evitar uma reincidência.

Neste momento, segundo ele, normalmente o governo dos EUA pede para a empresa levantar informações adicionais e para apresentar mais provas.

Qualquer material que pode ser investigado, como computadores, e-mails, chats internos, celulares e contas bancárias, explica Pablo Bentes, diretor de comércio internacional do escritório Steptoe & Johnson. Segundo ele, embora as empresas prefiram tomar a dianteira do processo, a SEC e o DoJ tem poder para compelir as companhias a produzir provas, se acharem necessário, além de conduzir investigações de forma paralela, o que pode incluir o aparato do FBI.

Em termos de consequências, Warnot e Bentes dizem que não se lembram de terem visto nos últimos anos alguma empresa que tenha levado o processo para a Justiça, com todas preferindo encerrar o caso por meio de acordo com a SEC, em que costuma haver pagamento de multas milionárias e devolução do lucro obtido ilegalmente. De forma paralela, o DoJ cuida do aspecto criminal envolvendo as empresas, que também costuma acabar via acordo, e das acusações contra os indivíduos, que às vezes preferem ir para o judiciário e podem ser presos.

Eduardo Sampaio, diretor da FTI Consulting, ressalta que nos dois primeiros anos da gestão do presidente Barack Obama o DoJ investiu mais do que nos oito anos de governo do ex-presidente George W. Bush. "Foram investigados mais casos de corrupção, assim como cresceu o volume e o tamanho das multas aplicadas."

Mas, antes disso, é preciso dizer que falta consenso sobre a possibilidade de a Petrobras virar ré. O FCPA prevê pena caso a empresa dê "algo de valor" a um agente público diretamente para ser beneficiada (diante do esquema descrito por Paulo Roberto Costa, isto teria sido praticado pelas empreiteiras, e não pela estatal), caso use um intermediário para fazê-lo, ou, num terceiro caso, pela má apresentação dos livros contábeis para encobrir a propina.

No caso da Petrobras, pode-se dizer que ela usou as empreiteiras para repassar recursos aos partidos, mas qual o benefício que ela teve em troca? Sobraria ainda a parte do balanço.

Nenhuma das fontes quis se pronunciar sobre a chance de a presidente Dilma ser chamada para depor, mesmo que na condição de testemunha. O que os especialistas explicam é que um processo de FCPA costuma ter como alvo as pessoas diretamente envolvidas na corrupção, e não seus superiores hierárquicos, a não ser que fique claro que eles fizeram vista grossa diante de sinais de alerta claros.

Essa é uma linha diferente da que existe em processos sobre falta de dever de diligência de administradores, em que os conselheiros podem vir a ser responsabilizados por atos tomados por diretores, se ficar comprovado que eles foram negligentes, como no caso de Pasadena.

Como a Petrobras também tem ações na bolsa de Frankfurt, na Alemanha, Sampaio, da FTI, lembra que há espaço para investigação pela Lei Anti-Suborno do Reino Unido, de 2010, que é uma das mais severas do mundo.

Renato Portella, do Mattos Filho, diz ainda que a estatal e as empreiteiras citadas podem estar sujeitas à lei anticorrupção brasileira, que entrou em vigor em janeiro deste ano, caso algum ato ilegal feito antes dela ainda esteja produzindo efeitos.