Depois de gastar US$ 15,7 bilhões em reservas na semana passada para defender o rublo e de aumentar juros, o governo da Rússia informou ontem que sua crise cambial - que levou a divisa a despencar vertiginosamente nas últimas semanas - chegou ao fim. Para as autoridades, agora, a inflação é a nova ameaça e deve ultrapassar os 10%, abrindo uma nova frente de problemas para o presidente Vladimir Putin. A meta do banco central era manter a inflação em 5,5% este ano.

O país enfrenta sua pior turbulência econômica desde 1998 e neste cenário, os consumidores não tiveram dúvidas: sacaram o que tinham na conta corrente e resolveram gastar. Longas filas diante de grandes redes de lojas de móveis, eletrodomésticos e eletrônicos dão a medida do estado de espírito dos moscovitas. Segundo analistas, há concessionárias vendendo automóveis por preços entre 30% e 50% acima do recomendado.

Na semana passada, o rublo recuou para os menores níveis históricos, puxado pela queda drástica da cotação do petróleo, espinha dorsal da economia russa, e pelas sanções contra o país por causa da crise ucraniana, que tornaram praticamente impossível para as empresas russas buscarem empréstimos nos mercados do Ocidente.

pressão sobre exportadores

Ontem, a moeda russa subiu para o maior nível em três semanas, em meio a especulações de que o governo estaria pressionando as grandes exportadoras russas a venderem dólares e euros, para inverter a tendência de queda do rublo, que vem drenando as reservas cambiais do país e ameaça os bancos locais. A divisa russa avançou 2%, para 52,73 rublos por dólar em Moscou, elevando a 17% a valorização da moeda nos últimos cinco dias. A ação do banco central russo para preservar o rublo fez as reservas cambiais do país perderem US$ 15,7 bilhões na semana passada. O valor do estoque - que inclui, além das reservas do banco central, recursos de dois fundos soberanos - caiu para US$ 398,9 bilhões na semana encerrada em 19 de dezembro, informou o Banco da Rússia ontem. Esse valor representa uma queda de 22% em relação a janeiro.

- Uma queda dessa magnitude é claramente uma notícia ruim para o rublo, pois esse tipo de apoio não é sustentável a médio prazo - disse Vladimir Osakovkiy, economista-chefe para a Rússia do Bank of America, em Moscou.

Nas últimas semanas, a oscilação dos preços do rublo tirou o sono do cidadão comum na capital russa. As mudanças rápidas nos valores das cotações da moeda em relação ao dólar e ao euro funcionam como uma espécie de alerta para as incertezas do futuro próximo. No supermercados, o trigo sarraceno - usado para o mingau, a panqueca e o pão do dia a dia -, talvez um dos únicos produtos que não podem faltar à mesa dos russos, já não ocupa o mesmo número de prateleiras de pouco tempo atrás. E não é só isso: as etiquetas apontam alta de até 50% nos seus preços pelo país.

Segundo a última pesquisa realizada pelo centro independente Yuri Levada, do dia 18, um dos mais importantes do país, 64% dos russos estão muitos preocupados ou simplesmente preocupados com a desvalorização da moeda. E dos 30% que admitem ter uma poupança, 36% garantem que o fazem exclusivamente para poder gastar, enquanto 29%, para comprar moeda estrangeira, e 13%, para viajar. Mas, para a professora universitária Nadia Vasylieva, chegou a hora de apertar os cintos.

- Pretendia viajar no início de 2015 para Londres, mas tudo ficou muito caro de repente. Não vai sobrar nada do meu salário entre as minhas despesas habituais e o dinheiro que já está comprometido com as mensalidades do financiamento do meu apartamento - disse.

SALTO DOS JUROS

A questão habitacional é outro problema que preocupa as autoridades. Após o banco central elevar os juros, as instituições financeiras que emprestam para o público seguiram o mesmo caminho. No início da semana, o Sberbank, o maior banco de crédito do país, afirmou que subiria as taxas de 14,5% para 16% a partir do dia 22. O site do jornal eletrônico Gazeta.ru fala em aumento adicional de 18% a 20% nos percentuais cobrados ao consumidor se os juros básicos forem mantidos altos.

O maior temor é que, dado o nível baixo de confiança, as instituições podem simplesmente não emprestar mais, o que deve complicar a situação de quem já teve os salários parcialmente desvalorizados pela inflação.

O respeitado ex-ministro das Finanças da Rússia Alexei Kudrin disse que a crise já começou e que seus efeitos serão sentidos intensamente a partir de 2015. Segundo ele, os preços do petróleo não foram a principal razão do impacto sobre o rublo este ano. A moeda russa perdeu 45% do seu valor, antes de começar a se recuperar.

Muitos creem que a crise econômica pode afetar a popularidade de Putin. O presidente, que ganhou força no início dos anos 2000, após estabilizar o país depois de uma crise sem precedentes nos anos 1990, depois do colapso soviético, continua com 80% de aprovação. Boa parte dos russos atribui suas dificuldades ao "cerco" do Ocidente, por causa das sanções de americanos e seus aliados.