Devido à realidade da geopolítica, nada reduzirá a importância para o Brasil do continente sul-americano. Daí a entender-se que os acordos que sustentam o Mercosul são intocáveis, não podem ser adaptados a novas conjunturas, vai grande distância.

O Cone Sul, em particular, é especialmente estratégico. Constitui-se fato histórico de peso o lançamento do Mercosul, em meados dos anos 1980, pelos presidentes Sarney e Alfonsín, e, não por coincidência, num momento em que Brasil e Argentina encerravam um dramático ciclo ditatorial.

A oficialização do processo de integração regional, já em curso àquela época, impulsionada por forças do mercado — principalmente de veículos —, colocou uma pedra sobre um profundo poço de desconfianças históricas entre Argentina e Brasil, agravadas pelos militares de ambos os lados.

Esta conquista, para todo o continente, não tem preço. A região do Mercosul, com os quatro sócios-fundadores — além de Brasil e Argentina, Paraguai e Uruguai —, se favoreceu bastante da eliminação de fronteiras para efeito do comércio no bloco. Com o passar do tempo, o Mercosul passou a ser um dos mais importantes mercados importadores de produtos brasileiros, principalmente manufaturados.

O bloco passou a permitir a acumulação de importantes superávits comerciais pelo Brasil,e muito devido à incapacidade de a economia argentina competir com a brasileira. A chegada ao poder do clã Kirchner, Néstor e Cristina, em 2002, agravaria, a médio e longo prazos, os problemas do vizinho. Néstor, populista, adotou uma estratégia econômica para gerar emprego e renda a curto prazo. Com Cristina ocorreu o mesmo, e, com isso, os dois rifaram o futuro da Argentina, já há algum tempo com inflação alta e ascendente (rumo aos 50%), com inexoráveis reflexos deletérios na produção e no consumo.

Foi assim que o kirchnerismo passou a erguer barreiras protecionistas, rasgando, na prática, o acordo de união aduaneira. Por companheirismo ideológico, Brasília nada faz para denunciar a infração. E o país paga alto preço ao ficar atrelado ao bloco em crise, agravada com a entrada da Venezuela chavista. Chavistas e kirchneristas, aparentados, têm uma visão autárquica da economia, e por isso boicotam qualquer acordo bilateral do Mercosul com algum outro grande mercado. Caso da União Europeia, com a qual as negociações se arrastam há longo tempo.

Está posto que o Brasil, com a necessidade de reativar seu comércio exterior, em retrocesso, precisa negociar acordos com outros mercados, sem desprezar o Mercosul. Se, para isso, a união aduaneira — de fantasia — precisa ser transformada em área de livre comércio, deve-se discutir. A questão crucial é o Brasil — passado o ciclo de altos preços de commodities, de que o país se beneficiou bastante — já não acumula superávits como no passado, e precisa reciclar, com urgência, sua política comercial monofásica. Por isso, necessita rever o relacionamento com o Mercosul. Até para fortalecê-lo.

 

Mercado de êxito

 

O Mercosul sempre incomodou os conservadores brasileiros, por ser uma via estratégica de integração em contraposição aos projetos de globalização das potências tradicionais. Os conservadores só veem sentido no Mercosul como área de livre comércio. Desprezam a união aduaneira, base do mercado comum e da construção de uma "cidadania do bloco". Qualificam essa opção como obstáculo à integração plena dos Estados ao mercado internacional. Tucanos já o chamaram de "integração cucaracha" e pediram o fim da Tarifa Externa Comum. Aécio Neves renovou a tradição mercocética e pediu o fim do Mercosul ou da união aduaneira, o que vem a ser a mesma coisa.

Mas números não mentem. O Mercosul é um notável êxito econômico e comercial. Em 2002, o Brasil exportava US$ 4,1 bilhões para o Mercosul. Já em 2011, nossas exportações saltaram para US$ 32,4 bilhões. Um crescimento de 690%. No mesmo período, o crescimento das exportações mundiais, conforme a OMC, foi de 180%.

O dinamismo do Mercosul fica evidente quando comparamos nosso comércio com os países centrais. No período, as exportações para os EUA aumentaram 68%; para a União Europeia, 240%, e para o Japão, 340%. Quanto ao argumento de que o Mercosul impede maior participação do país no comércio mundial, mencione-se que, entre 2003 e 2013, as exportações do Brasil cresceram 300%, ao passo que as exportações mundiais aumentaram 180%.

Outra vantagem do Mercosul é qualitativa e estratégica: nossas exportações para o bloco são, em mais de 90%, de produtos industrializados. Em contraste, nas exportações brasileiras para UE, China e EUA, os percentuais de manufaturados são de 36%, 5% e 50%, respectivamente. Portanto, o Mercosul compensa, em parte, a nossa balança comercial negativa da indústria. Esse fato torna de difícil entendimento a oposição ao Mercosul por parte de políticos de estados industrializados, como Minas e São Paulo.

Entre 2003 e 2013, acumulamos com esse bloco "irrelevante" quase US$ 72 bilhões de superávit. Se o Brasil atravessa, sem grandes sobressaltos, a pior crise econômica mundial desde 1929, isso se deve, em parte, ao Mercosul.

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Aumenta, porém, a pressão para acordos de livre comércio com a UE e os EUA. Dizem que o Mercosul é estorvo, por ser união aduaneira. Ora, a celebração desses acordos sem as cautelas necessárias e com a ruptura da união aduaneira seria um grave tiro no pé. O México, que seguiu essa trilha, tornou-se mero supridor de insumos, com indicadores sociais inferiores aos do Brasil. De nada adianta "subir no trem da História", se o vagão for de segunda classe.

A solução para o bloco é ter mais Mercosul, com união aduaneira, livre circulação de trabalhadores, instituições supranacionais, o enfrentamento das assimetrias internas e a instituição de uma cidadania comum.