Título: Enlace oficial em São Paulo
Autor: Maia, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 29/06/2011, Cidades, p. 22

Após entrarem para a história do país como o primeiro casal homossexual a ter o casamento civil homologado pela Justiça brasileira, o cabeleireiro Sérgio Kauffman Sousa e o comerciante Luiz André Moresi foram, na manhã de ontem, ao Cartório de Registro Civil de Jacareí, no interior de São Paulo, para buscar a certidão que oficializa a união. E o simples ato de pegar o documento se transformou em uma celebração com amigos e familiares.

A mesa usada para assinar os papéis foi adornada com a bandeira colorida, símbolo do movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trangêneros (LGBT) e, assim como em 17 de maio deste ano, quando ambos registraram a união estável, o casal aproveitou o momento para fazer uma troca simbólica de alianças e abrir uma garrafa de champanhe. Os noivos se emocionaram durante a cerimônia, que durou cerca de 15 minutos. "Desde adolescente, eu queria casar, mas não com uma mulher. É um conto de fadas realizado", afirmou o cabeleireiro Sérgio Kauffman Sousa, logo após a troca de alianças.

Para Luiz André Moresi, o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo foi uma realização não só para o casal, que se relaciona há oito anos. "Isso é uma virada de página, um momento histórico mesmo. Representa muito, para mim e para o Sérgio como realização pessoal, mas também é uma realização coletiva para todos os militantes homossexuais", disse Moresi ao Correio, por telefone.

Com a decisão da Justiça de São Paulo, Sérgio e Luiz André passarão a assinar o sobrenome Sousa Moresi. Esse direito, além da possibilidade de trocar o estado civil de solteiro para casado, foi um dos principais motivos para que eles solicitassem o casamento civil e não apenas a certidão de união estável, segundo André. A gente quer o direito por inteiro, nada mais. E porque é uma luta histórica do movimento LGBT. Estamos lutando para que isso seja incluído na Constituição Federal. Hoje (ontem) foi uma conquista no Judiciário, mas queremos que isso esteja em forma de lei também", afirma.

Homologação O juiz Fernando Henrique Pinto, da 2ª Vara da Família e das Sucessões de Jacareí (SP), foi o responsável por homologar a conversão de união estável em casamento dos noivos. O pedido havia passado pelo Ministério Público do estado, que concedeu parecer favorável, e chegou às mãos do magistrado na semana passada. A decisão, segundo afirmou o juiz ao Correio na segunda-feira, se baseou nos preceitos de igualdade da Constituição Federal ¿ os mesmos usados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para permitir a união estável ¿, e que do seu ponto de vista não havia motivos jurídicos para impedir o casamento. Segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (ABGLT), nenhum casamento entre pessoas do mesmo sexo havia sido registrado até então.

Apesar de haver divergências no meio jurídico quanto à validade da decisão do juiz de Jacareí, Moresi não acredita que o casamento possa ser invalidado. "Pela legislação, só quem pode pedir anulação é o próprio casal, os familiares e a promotoria pública, que já se demonstrou favorável. Se acontecer, nós vamos recorrer até o fim, levar para outras instâncias, ao Supremo de novo. Estamos supertranquilos", diz.

Mesmo se relacionando há oito anos, o casal acredita que ainda não é o momento certo para adotar crianças, apesar de defender a prática. Eles celebram a possibilidade que existe, agora, de seus futuros filhos terem o sobrenome de ambos. "A união estável não dá o direito para o casal adotar o sobrenome um do outro, o casamento, sim. Adotamos o sobrenome, constituímos uma nova família, a Sousa Moresi, e se, por um acaso, viermos a adotar, os nossos filhos vão ter o sobrenome dos dois. E lá na certidão de nascimento vai ter o nome de dois pais", ressaltou Luiz Moresi.

Proposta Em meio às comemorações da população LGBT pela realização dos primeiros casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) enviou ontem à Câmara um projeto de lei em que propõe uma data para comemorar o Dia do Orgulho Heterossexual. O dia seria celebrado no terceiro domingo de dezembro.

O que diz a lei O artigo nº 1.723 do Código Civil Brasileiro reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Valendo-se do artigo 5º da Constituição Federal, que diz que todos são iguais perante à lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu a união estável para pessoas do mesmo sexo. Seguindo o mesmo raciocínio, juízes têm concedido também o direito ao casamento.