Comportamento de risco. Petrobras poderá ter problemas na Justiça dos Estados Unidos, se for comprovado que a empresa não deu ouvidos às denúncias de Venina Fonseca sobre as irregularidades na Diretoria de Abastecimento da estatal


Escândalos na Petrobras

Compliance é um termo da língua inglesa de tradução difícil. Alguns falam em cumprimento, outros em integridade ou até mesmo aderência. O procurador regional da República Artur Gueiros, especialista no tema, prefere defini-lo como um conjunto de princípios que está sacudindo a administração pública e o mundo corporativo. Seja qual for o melhor significado, a versão criminal de Compliance chega definitivamente ao Brasil trazida pelas revelações da geóloga Venina Velosa, ex-gerente executiva do Abastecimento da Petrobras, que garante ter usado um canal interno de comunicação para alertar Graca Foster e outros dirigentes da estatal sobre as mazelas que a sua área vinha enfrentando.

Gueiros, que recentemente defendeu o Compliance em seminário no Rio sobre corrupção, lamentou que o Brasil não disponha, até o momento, de uma legislação que garanta a aplicação do princípio no campo penal. Embora a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) tenha entrado em vigor no dia 29 de janeiro, a prefeitura de São Paulo foi um dos poucos setores da vida pública que regulamentou o Artigo 7º, inciso VIII, que leva em conta, na aplicação das punições, "a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica". (ou seja, quem tem compliance Tem a pena atenuada).

- A questão do Brasil é particularmente complicada porque, entre outros fatores, nós temos uma das maiores economias do mundo, e, paralelamente, um dos piores índices de percepção de corrupção, além de histórico cinturão de impunidade protegendo pessoas poderosas, como se vê agora sendo enfrentado pela Operação Lava-a-Jato - disse Gueiros.

Dúvidas sobre limites da investigação

O procurador explicou que Compliance corresponde a uma estratégia estatal, adotada a partir de experiências americanas, de se delegar às empresas a atividade de fiscalização e controle das funções exercidas por seus empregados.

A primeira lei importante sobre compliance, a FCPA (Foreing Corrupt Practices Act), nos anos 70, foi inicialmente voltada para coibir empresas americanas. Porém, sucessivas alterações fizeram-na alcançar qualquer empresa que faça negócios nos Estados Unidos.

Para efetivar-se no Brasil, essa nova cultura corporativa terá de superar alguns pontos polêmicos. Quais seriam os limites de uma investigação interna? Ainda persistem dúvidas sobre o direito de invadir e-mails, investigar contas-salário, grampear telefones ou mesmo interrogar funcionários suspeitos.

Gueiros admite que a palavra delação tem, no Brasil, uma carga negativa, mas garante que as democracias mais modernas já superaram a ideia de que Compliance seja um incentivo à delação e à espionagem privada.

Nova lei deve forçar autovigilância

A lei, se regulamentada, levará as empresas, inevitavelmente, para a era da autovigilância. O Compliance criminal possui um tripé: delegação da fiscalização, por meio de uma pessoa ou um setor (ou alguém de fora), para que haja vigilância sobre as ações dos empregados; existência de um canal de denúncia, para que um empregado possa noticiar a ocorrência de irregularidades ( Whistleblowing ), sendo que tal canal pode ser interno ou externo (tipo Ombudsman ), repassando-se a notícia às autoridades; e a responsabilidade penal da própria pessoa jurídica.

- O Compliance Visa a atacar o grande problema das corporações, qual seja, a existência de uma cultura interna de desrespeito às normas, inclusive as normas penais, ou seja, acabar com o que se pode chamar de um "quadro de erosão normativa" ou uma mentalidade de que vale-tudo em busca do lucro - explica Gueiros.

O depoimento de Venina, prestado na última sexta-feira, e as investigações que o seu conteúdo ensejará, vão demonstrar se a Petrobras poderia ter fechado o ralo da corrupção na Diretoria de Abastecimento, se tivesse ouvido a ex-gerente. No caso de Venina, logo após agir como "whistleblowing", ela foi transferida para Cingapura, ou, segundo suas palavras, "expatriada". Por tais revelações, agrava-se a situação da Petrobras perante a Justiça penal norte-americana, pela constatação de que a estatal não teria cumprido o dever de agir.

novo papel para pessoas jurídicas

Com a esperada regulamentação da nova lei no Brasil, as pessoas jurídicas terão de assumir um papel proativo no combate à corrupção, uma vez que passarão a ser responsabilizadas objetivamente nos âmbitos administrativo e civil pelos atos lesivos praticados por seus funcionários contra a administração pública. Hoje, só há previsão legal de responsabilidade da pessoa jurídica para crimes ambientais.

- As empresas que não se adaptarem a essa nova realidade do mundo globalizado irão perecer, tal como os dinossauros, e sofrer pesadas perdas financeiras. É o que está acontecendo com grandes empresas brasileiras, nos últimos tempos, tais como a Vale (que se associou a uma empresa corruptora na Nova Guiné), a Embraer (vários episódios sob investigação nos Estados Unidos) e, como se vê, com a Petrobras - diz Gueiros, para quem muitas empresas até têm um Compliance , "mais de fachada".

omissão cada vez menos tolerada

Um exemplo é o setor de Compliance do Banco Rural, como ficou evidenciado no mensalão. O mesmo ocorria com a gigante alemã Siemens, até que os americanos descobriram a fraude e lhe impuseram pesadas multas (cerca de US$ 1 bilhão). Idem para o HSBC, que lavou dinheiro dos cartéis no sistema financeiro dos Estados Unidos, Citybank, JPMorgan etc.

Com os canais de comunicação e outras medidas da nova cultura, as empresas perderão o argumento de que os esquemas de corrupção foram pontuais. Sabendo que se passa, elas serão responsabilizadas não apenas por omissão, mas por não terem feito qualquer notificação para aqueles que investiram em papéis da companhia.

-Para as grandes empresas, especialmente aquelas que têm ações cotadas em bolsas de valores, o risco penal será tremendo.