Para evitar a quebradeira no setor de óleo e gás e manter a política de uso de conteúdo nacional, a Petrobras está assumindo pagamentos a fornecedores devidos por firmas com as quais mantém contratos, inclusive três envolvidas na operação Lava Jato, da Polícia Federal.
Paralelamente, a estatal procura maneiras de encerrar os contratos vigentes com as companhias que estão inadimplentes.
A Folha apurou que a Petrobras está agindo dessa forma em pelo menos quatro casos distintos: 1) no consórcio UFN III (planta de fertilizantes), da Galvão Engenharia; 2) no projeto Charqueadas, do estaleiro Iesa; 3) no consórcio Integra, da Mendes Júnior; 4) na fabricação de 17 barcos de apoio, da Brasil Supply.
Apenas esta última não está envolvida na Lava Jato. Deve ser a única a não ter o contrato quebrado.
Embora todas estejam inadimplentes com seus fornecedores, apenas as três primeiras estão tendo seus contratos encerrados.
Para evitar a falência desses fornecedores, a estatal montou uma operação financeira chamada "conta vinculada", na qual realiza o pagamento que as companhias maiores deveriam fazer às menores, mas de forma a garantir que as grandes não coloquem as mãos no dinheiro.
A Folha apurou que dois casos estão mais adiantados, o da Galvão Engenharia e o da Brasil Supply.
Aos fornecedores da Galvão foram pagos cerca de R$ 300 milhões na última semana. Já o Estaleiro Ilha, contratado pela Brasil Supply, recebeu cerca de R$ 3 milhões para pagar funcionários.
As companhias não se pronunciaram oficialmente.
Segundo José Ricardo Roriz, diretor do Comitê de Petróleo e Gás da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a operação montada pela estatal visa a saúde financeira das companhias que dependem dos investimentos da Petrobras, mas que não possuem contratos diretos com ela.
"A Petrobras está tomando uma medida emergencial para não comprometer toda a cadeia de óleo e gás que está em desenvolvimento", diz.
CRISE FINANCEIRA
Os problemas financeiros das companhias envolvidas na Lava Jato começaram com a interrupção do pagamento dos aditivos feitos aos contratos, que eram normalmente pagos pela Petrobras.
Há dois anos, a estatal montou uma comissão de avaliação dos aditivos e passou a segurar parcela significativa dos pedidos.
Após ser deflagrada a operação da PF, a petroleira decidiu segurar quase todos os aditivos.
Sem a previsão de liberação dos pagamentos por parte da Petrobras, bancos passaram a segurar o crédito e até a cortar linhas de financiamento para os projetos.
Em novembro, o Bic Banco negou um empréstimo de R$ 30 milhões à Mendes Júnior para o projeto Integra.
A empreiteira não se pronunciou, apesar dos pedidos feitos pela reportagem. O banco diz que "não comenta, não confirma nem desmente assuntos sob sigilo".
Embora a questão chave seja a inadimplência com fornecedores, a Petrobras tem tido problemas para romper o contrato com a Mendes Júnior, pois ela tem cumprido o cronograma do projeto.
CONTRATOS QUEBRADOS
Os casos da Galvão e da Iesa são semelhantes, embora estejam em estágios diferentes no plano da Petrobras.
Os contratos da Galvão com a Petrobras foram encerrados e a sócia no consórcio, a chinesa Sinopec, já negocia a entrada de uma nova empresa para substituí-la.
Já o estaleiro teve seu pedido de recuperação judicial aprovado pela Justiça.
Isso impede que a Petrobras termine o contrato da Iesa, pois ele serve de garantia no processo de recuperação.
A empresa cobra da estatal o pagamento de aditivos que somam US$ 320 milhões (cerca de R$ 859 milhões, pelo câmbio do dia 24), valor citado no processo judicial como maior motivo da situação falimentar da companhia.
DE SÃO PAULO
Questionada sobre as medidas tomadas para evitar a quebra dos fornecedores, a Petrobras afirma que está zelando pelo cumprimento das obrigações das grandes empresas com as menores.
"[A Petrobras] disponibilizou recursos para o consórcio UFN III em conta vinculada, sempre cobertos por garantias bancárias, zelando pela preservação eficiente do contrato e para que o consórcio cumprisse suas obrigações com subcontratados e fornecedores."
Embora tenha ligado informalmente a fornecedores da Galvão, citando a quebra do contrato e a futura substituição da empresa, a Petrobras diz não interferir nas relações comerciais dos consórcios.
Sobre o caso da Iesa, a estatal diz que estuda com seus sócios, BG e Petrogal, um novo processo de contratação para dar continuidade no projeto. Em relação aos outros casos citados, a petroleira não se posicionou.
DÍVIDAS COM FORNECEDORES
UFN III (Sinopec e Galvão): R$ 5,3 milhões
Obra: fábrica de fertilizantes em Três Lagoas (MS)
Ecovix: R$ 4,8 milhões
Obra: construção de oito navios plataformas
Alusa: R$ 3,1 milhões
Obra: construção de equipamento que reduz as emissões de enxofre da refinaria refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco
LUCAS VETTORAZZODO RIO
A dívida de empreiteiras cujos contratos foram revisados ou tiveram aditivos bloqueados pela Petrobras chegou em dezembro a R$ 27 milhões com fornecedores de máquinas e equipamentos.
Segundo levantamento da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas), ao qual a Folha teve acesso, há 28 casos de empresas ou consórcios em dívida com fornecedores --em alguns casos, o atraso chega a mil dias.
O balanço foi apresentado em reunião do conselho, em 9 de dezembro, a empresários e entidades de classe. Segundo um diretor executivo de uma empresa de equipamentos presente, que pediu anonimato, dois terços do tempo do encontro foi dedicado a queixas sobre dívidas.
A Abimaq não quis comentar o relatório, mas confirmou sua origem. A associação diz que a maioria de seus membros não responde ao levantamento --portanto, o valor pode estar subestimado.
Outro executivo, de uma empresa de caldeiras, tubos e construção de módulos para plataformas, disse que, só com sua empresa, as dívidas chegam a R$ 20 milhões.
A companhia demitiu neste ano 800 de seus 1.400 funcionários. Depois de ter faturado R$ 350 milhões em 2014, a previsão para o ano que vem é de R$ 150 milhões.
Entre as devedoras, estão Iesa, UTC Engenharia, Ecovix (do grupo Engevix), Alusa, Galvão e Queiroz Galvão, investigadas pela Lava-Jato.
Ao menos três empresas listadas (GDK, Iesa e Jaraguá)estão em recuperação judicial. Fidens e Alusa suspenderam atividades nos canteiros de obras por problemas de pagamento da Petrobras.
OUTRO LADO
Procuradas pela Folha, Galvão, Engevix e Alusa não comentaram o relatório.
A UTC afirmou que seus contratos "são discutidos diretamente com seus clientes e fornecedores".