O esquema era o mesmíssimo de sempre - um cartel de empresas fraudando licitações e contratos mediante a cumplicidade de agentes públicos por ele remunerados com grossas propinas. A diferença é que seis anos se passaram entre as primeiras suspeitas da lambança e a conclusão do inquérito a respeito da Polícia Federal, confirmando a tramoia. A documentação já está com o Judiciário. Nesse meio tempo, sobretudo em datas mais recentes, os possíveis culpados, assim como membros influentes do aparato de poder que os favoreceu, disseminaram a patranha de que as denúncias não passavam de uma operação desencadeada pelos adversários políticos para desestabilizar o partido que há dois decênios governa o território onde se desenrolou a cena do crime continuado.

 

 

Fala-se, naturalmente, do escândalo da venda arreglada de composições e outros equipamentos para o Metrô de São Paulo e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). De 1998 a 2008, nos governos tucanos de Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, dirigentes, no Brasil, de megamultinacionais do porte da Alstom, Bombardier, CAF, Daimler-Chrysler e Mitsui subornaram autoridades com poder de decisão no setor. É improvável que os seus atos não tivessem, pelo menos, o consentimento tácito dos superiores nas respectivas matrizes, o que vale por um tratado sobre o duplo padrão ético adotado por algumas das gigantes mundiais da indústria de bens de capital. Em seus países, a certeza da punição modera os seus apetites por lucros ilícitos. Já abaixo da linha do Equador, a fundamentada aposta na impunidade silencia os seus temores e eventuais escrúpulos.

 

Em outubro passado, porém, um ex-diretor da Siemens, Everthon Rheinheimer, abriu o jogo em um acordo de delação premiada com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) - descarrilando a armação que, segundo ele, serviria também para abastecer o caixa 2 do PSDB e do DEM em São Paulo. Ao divulgar o acerto, o órgão federal foi acusado pelos tucanos de estar a serviço do PT. Agora, a verdade começa a ganhar corpo. Do lado oficial, encabeçam o rol dos 33 indiciados pela Polícia Federal por corrupção ativa e passiva, formação de cartel, crime licitatório, lavagem de dinheiro e evasão de divisas o ainda presidente da CPTM, Mário Manuel Bandeira, e o ainda gerente de Operações da estatal, José Luiz Lavorente. Outro arrolado, o ex-diretor de Operações e Manutenção da CPTM José Roberto Zaniboni já havia sido indiciado por ter mantido US$ 826 mil numa conta secreta na Suíça.

 

Do lado dos presumíveis corruptores destaca-se o presidente da Siemens no Brasil durante 10 anos até 2001, Adilson Primo. Há também doleiros entre os 33. Ao receber os autos, o Supremo Tribunal Federal (STF) devolveu à Polícia Federal, para encaminhamento ao Ministério Público, as páginas que tratam dos acusados sem direito a foro privilegiado. Quando da sua confissão ao Cade, Rheinheimer envolveu no esquema seis políticos - quatro do PSDB, um do DEM e outro do PPS. Alguns deles manteriam relações comprometedoras com o consultor Arthur Gomes Teixeira, acusado de intermediar o pagamento das propinas aos funcionários estaduais. Do grupo, poderão ser processados pela Alta Corte o deputado federal tucano José Aníbal e o seu colega demista Rodrigo Garcia. Ambos ocuparam secretarias no governo paulista. Eles negam taxativamente qualquer envolvimento com a esbórnia. O Supremo dirá se isso têm fundamento.

 

A punição dos participantes da maracutaia não se esgotará na esfera penal. O Ministério Público paulista acaba de entrar com uma ação civil contra 11 empresas do cartel metroferroviário e a CPTM. O objetivo é que seja decretada a nulidade dos contratos de reforma de trens do sistema. Entre 2001 e 2013, as contratadas formaram cartel para se apropriar do serviço. Os promotores pedem também a dissolução das empresas e o pagamento de indenizações por danos morais à coletividade. "Empresa constituída só para cometer ilícito tem de fechar as portas", argumenta o promotor Marcelo Milani. O rol inclui ramos brasileiros de conglomerados multinacionais, a exemplo da francesa Alstom. Nenhuma se diz culpada.