O General de Exército da ativa, Sérgio Etchegoyen, chefe do Departamento Geral do Pessoal, divulgou ontem, com sua família, nota de repúdio ao relatório da Comissão Nacional da Verdade. Para o oficial, o documento divulgado na quarta-feira é fruto de um trabalho “leviano”.

A comissão responsabilizou o pai do atual chefe do DGP – o General Leo Guedes Etchegoyen, morto em 2003 – e outros 376 civis e militares por violações de direitos humanos no regime militar. “Ao apresentar seu nome, acompanhado de apenas três das muitas funções que desempenhou a serviço do Brasil, sem qualquer vinculação a fatos ou vítimas, os integrantes da CNV deixaram clara a natureza leviana de suas investigações e explicitaram o propósito de seu trabalho, qual seja o de puramente denegrir”, diz a nota, revelada pelo estadao.com.br. A família estuda formas de entrar na Justiça contra a comissão.

Esta é a primeira manifestação contra a Comissão da Verdade feita por um general da ativa, integrante do Alto Comando do Exército. Tanto o comandante da força, General Enzo Peri, como o ministro da Defesa, Celso Amorim, foram comunicados previamente por Etchegoyen da decisão da família de não deixar sem resposta os “covardes” ataques “contra um cidadão já falecido, sem qualquer possibilidade de defesa”.

Desde cedo, a decisão do Exército era de que não havia motivo para enquadrar o General no Regulamento Disciplinar, que proíbe militares da ativa de fazerem “manifestação de caráter político”. O entendimento era de que ele falava “em caráter familiar”. O próprio ministro entendeu que a declaração teve “forte conotação emocional” e que “o melhor é deixar a poeira baixar”.

‘Panos frios’

Coube ao ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, por determinação da presidente Dilma Rousseff, conversar com Amorim sobre o caso. A decisão do Planalto era “botar panos frios na fervura”. O entendimento foi de que punir o general levaria a um movimento de solidariedade nas Forças Armadas que poderia transformá-lo em “mártir e botar lenha na fogueira”.

Chegou a ser reconhecido no governo que incluir o nome de Leo Etchegoyen como um dos “autores de graves violações de direitos humanos” foi “excesso desnecessário” da comissão. Além disso, o Planalto considerou a carta do general “respeitosa” e sem ataques ao governo.

Hoje, Dilma vai ter o primeiro encontro com o ministro da Defesa e os comandantes militares após a divulgação do relatório, ao inaugurar a primeira etapa do estaleiro de construção de submarinos, no Rio.

Após a publicação do texto da família Etchegoyen, a Comissão da Verdade divulgou nota elencando fatos que considera suficientes para incluir Leo Guedes Etchegoyen como “responsável pela gestão de estruturas” onde ocorreram violações.

Segundo o colegiado, Leo chefiou a Polícia Civil do Rio Grande do Sul após o golpe, “período no qual recebeu Daniel Anthony Mitrione, notório especialista norte americano em métodos de tortura contra presos políticos, para ministrar curso à Guarda Civil do Estado”.

A comissão cita elogios do general ao tenente-coronel Dalmo Lúcio Muniz Cyrillo, chefe do DOI- Codi em São Paulo. E a atuação dele na prisão coletiva de sindicalistas e líderes metalúrgicos do ABC paulista, assim como de seus defensores – um deles o advogado José Carlos Dias, integrante da Comissão da Verdade.

 

Uma família ligada aos levantes nos quartéis há 90 anos

MARCELO GODOY

 

Quase um século une os Etchegoyen ao Exército Brasileiro. Mais do que a tradição, o nome da família está ligado às agitações nos quartéis e revoltas militares desde os anos 1920, quando os tenentes Alcides e Nelson Etchegoyen sublevaram o regimento de artilharia montada de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, em uma tentativa de impedir a posse do presidente Washington Luís.

Derrotado e perseguido, o tenente Alcides, avô do general Sérgio Etchegoyen, participaria quatro anos depois da Revolução que derrubou a República Velha. Durante o governo Vargas, ele trabalhou no gabinete do ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra e, depois, substituiu Filinto Müller como chefe da polícia do Distrito Federal, então sediado no Rio.

 

Nos anos 1950, Alcides encabeçou a chapa Cruzada Democrática nas eleições para a presidência do Clube Militar em oposição à liderada pelo general nacionalista Newton Estilac Leal. Venceu. Em agosto de 1954, assinou o manifesto que exigia a renúncia de Getúlio Vargas. Acabou preso em 1955 pelo ministro Henrique Teixeira Lott, quando este resolveu depor o presidente interino Carlos Luz.

 

Alcides morreu em 1956. Deixou dois filhos no Exército: Leo Guedes e Cyro. Leo é o pai do general Sérgio. Participou da derrubada de João Goulart em 1964 e se tornou secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul até 1965. Foi assessor do presidente Emílio Garrastazu Médici. Enquanto isso, Cyro trabalhava com o general Milton Tavares, o todo-poderoso chefe do Centro de Informações do Exército (CIE).

 

Identificados com a linha dura, os Etchegoyen perderam espaço no Exército quando Ernesto Geisel iniciou a abertura do regime. Em 1979, Leo foi nomeado chefe do Estado-Maior do então comandante do 2.º Exército (São Paulo), Milton Tavares. O irmão chefiou a 2.ª Seção do Estado-Maior (Informações). Juntos, cuidaram da repressão às greves do ABC. O pai de Sérgio decidiu passar para reserva após o irmão ter sido preterido na promoção para general, em 1983.

 

Leo acreditava que "quem enfrenta a guerra suja tem de usar métodos semelhantes ao do inimigo, sob a pena de ser derrotado". Em 2003, depois dos atentados de 11 de setembro no Estados Unidos, deu uma sugestão aos americanos sobre como lidar com Osama Bin Laden: "Bastava oferecerem US$ 1 bilhão para o Mossad - o serviço secreto israelense - que eles iriam lá e resolveriam o problema". Leo morreu em 2003.

 

Lista de vítimas da esquerda tem ex-PM ainda vivo

WILSON TOSTA E MARCELO GODOY 

 

Em resposta a relatório da CNV, oficiais divulgam nomes de mortos pelas guerrilhas; material tem mais erros de informação

Divulgada pelos clubes militares como resposta à Comissão Nacional da Verdade, uma lista de 126 vítimas mortas pelos grupos de luta armada contra a ditadura militar tem pelo menos sete erros. Um dos "mortos" por cuja alma "roga-se uma prece" em anúncio publicado no jornal O Globo foi entrevistado ontem. Há na relação três pessoas abatidas por engano ou acidente por policiais e três, por criminosos comuns. Assinam o texto os Clubes Naval, Militar e de Aeronáutica. O primeiro defende a lista.

O PM aposentado José Aleixo Nunes foi ferido em ataque da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e da Ação Libertadora Nacional (ALN) em 1970. Levou dois tiros de raspão e sobreviveu. Morreram no episódio, na zona leste paulistana, o sargento Garibaldo de Souza, incluído na lista dos clubes, e um taxista que passava pelo local.

 

"Fomos metralhados", contou ontem Aleixo, que aos 67 anos mora em Marília (SP) e, segundo disse, está com boa saúde. "Fui ferido na cabeça e nas costas." Reformado em 1995, há quatro anos Aleixo já havia sido erroneamente incluído entre mortos pela guerrilha urbana em lista divulgada pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

 

Dois outros listados pelos clubes militares foram alvejados por policiais do DOPS no cerco ao líder da ALN, Carlos Marighella, em 1969. Eram o protético Friedrich A. Rojhman e a investigadora Stella Morato. Ele passava pela Alameda Casa Branca quando a polícia abriu fogo contra o guerrilheiro. A policial participava do cerco. Sem escolta, Marighella não teve como reagir à ação. Só policiais fizeram disparos.

 

Acidente. O sargento-PM Geraldo Nogueira, lotado no DOI-Codi de São Paulo, morreu em tiroteio acidental entre agentes. O confronto ocorreu em um aparelho estourado, onde policiais montavam guarda. Outros policiais que se dirigiram para o local em diligência não sabiam disso e, ao confundirem os ocupantes com guerrilheiros, deram início ao tiroteio.

 

Em confronto com o assaltante Milton da Silva Marques, em 8 de outubro de 1969, em Santo André, foi baleado mortalmente o PM Romildo Otênio. Ambos morreram no episódio.

 

Outros dois PMs, Guido Bone e Natalino Amaro Teixeira, foram tratados como mortos pela guerrilha, mas a própria polícia, após investigação, comprovou que eles foram vítimas de policiais envolvidos em assaltos.

 

O presidente do Clube Naval, vice-almirante fuzileiro naval reformado Paulo Frederico Soriano Dobbin, primeiro afirmou não saber se o Aleixo vivo era um homônimo. Informado que o PM aposentado fora entrevistado pelo Estado, disse: "Ainda bem". Ele insistiu que os outros seis foram mortos em confronto com guerrilheiros, segundo jornais da época, e descartou que agentes tenham matado colegas por engano. "Não foi fogo amigo, não. Foram fuzilados mesmo. Houve reação."

 

Ex-militante está ora viva, ora morta em relatório final

 

Fábio Brandt e Leonencio Nossa

 

Com espanto e uma gargalhada, Dirce Machado da Silva, ex-filiada ao extinto Partido Comunista Brasileiro(PCB), recebe a notícia de que é citada, em um trecho específico do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, entre “mortos e desaparecidos” na ditadura militar. É no capítulo dedicado à Revolta de Trombas e Formoso, um movimento camponês ocorrido no norte de Goiás na década de 1950. Apesar de ser citada erroneamente como morta em dado momento, logo ela reaparece no relatório final da maneira correta: como testemunha da revolta. Dirce foi ouvida oficialmente pela comissão, que não se pronunciou ontem sobre o erro.

Ela também não foi incluída na lista oficial dos 434 mortos e desaparecidos do volume 3 do relatório final da comissão. Ou seja, o equívoco se restringiu a um trecho do capítulo sobre a Revolta de Trombas e Formoso. “Este fantasma está com 80 anos”, brinca dona Dirce ao receber a reportagem do Estado em sua casa, em Goiânia.

Dirce diz que soube da pesquisa da Comissão da Verdade por meio da Comissão da Anistia e que teve dois contatos com a Comissão da Verdade. Gravou depoimento em vídeo. “Eu relatei tudo sobre Trombas”, diz. “E mesmo assim deu essa...”, ela termina a frase com uma risada.

 

Atuação. Sem filiação partidária, dona Dirce deixa claro que sua militância atual é a ajuda prestada aos colegas da região onde já morou. “Eu sou ainda o apoio daquela turma. Minha casa é feita para abrigar doente, para tudo. Às vezes tem duas, três famílias que vêm de lá para tratamento de saúde. De Trombas, de Formoso, Porangatu, Iporá”. Dona Dirce, como é chamada, dá ainda informações sobre os outros incluídos pela Comissão da Verdade entre os mortos e desaparecidos "sem dados" do episódio de Trombas e Formoso.

Bartolomeu Gomes da Silva, por exemplo, ela conta que morou na região do Bico do Papagaio, no Tocantins e, apesar de ter ficado “perturbado” por causa da tortura, segundo afirma Dirce, enfrentou um câncer antes de morrer. Ela não sabe dizer as causas das mortes de Geraldo Tibúrcio e de Geraldo Marques da Silva, mas, no último contato que tiveram, moravam em Anápolis e em Goiânia, respectivamente. Nenhum morreu na prisão.

Aos 20 anos, dona Dirce foi com colegas a povoados de Trombas e Formoso para ajudar na organização dos camponeses estabelecidos em terras devolutas que enfrentavam fazendeiros.