O cenário de ajuste fiscal, alta nos juros e baixo crescimento da economia deve atingir o emprego em 2015. Depois de expansão forte registrada a partir de 2003, o mercado de trabalho mostrará sinais de deterioração, alguns já observados no segundo semestre do ano passado, e deve haver aumento gradual da taxa de desemprego, apontam especialistas. O indicador, no entanto, deve se manter em nível baixo, perto do piso da série histórica da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, iniciada em 2002.

— O ano de 2015 será complicado, com ajuste fiscal e a inflação se mantendo elevada. Na melhor das hipóteses, será um crescimento pequeno, de casa decimal. E o mercado de trabalho será parecido com o que se viu no segundo semestre, com pequena geração de empregos — afirma o professor do Instituto de Economia da UFRJ João Saboia.

O sócio da GO Associados Gesner Oliveira lembra que a menor geração de vagas reflete a situação da indústria de transformação, do setor extrativo-mineral e da construção civil:

— Vemos com certo pessimismo o cenário para o mercado de trabalho em

2015. A taxa de desemprego de 2014 deve ter fechado em 4,8%, acelerando para 5,5% este ano, em função da perda do vigor da atividade econômica. Esse nível, no entanto, ainda é baixo, se considerarmos a série histórica.

MAIOR IMPACTO NO MERCADO FORMAL

Quem mais deve sentir esse impacto da desaceleração da atividade econômica é o mercado formal de trabalho. Espera-se que 2014 feche com o pior resultado dos últimos 14 anos. Segundo projeções do especialista e ex-diretor de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho (MTE) Rodolfo Torelly, a geração líquida de empregos deverá ficar em 487 mil postos — menos da metade da meta de um milhão fixada pelo governo, considerando os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do MTE. Para 2015, é esperada uma ligeira recuperação, mas a meta não deverá ser batida novamente.

Torelly destacou que a piora nas expectativas para o mercado de trabalho se deve a fatores como o baixo índice de confiança na economia, os juros em alta, a balança comercial deficitária e o escândalo envolvendo a Petrobras. Neste caso, a expectativa é que haja impacto nos empregos na rede de fornecedores da estatal e nas principais construtoras do país, citadas na Operação Lava-Jato.

A partir de 2015, os especialistas já esperam algum aumento na taxa de desemprego, em função dos baixos índices de criação de vagas formais nos últimos três anos. A taxa medida pelo IBGE ficou em 4,8% em novembro. Para evitar que ela suba, é preciso gerar por ano 1,8 milhão de vagas com carteira assinada, a fim de absorver o crescimento da População Economicamente Ativa (PEA).

— A economia deve gerar poucos postos de trabalho e, ao mesmo tempo, será maior a oferta de pessoas dispostas a entrar no mercado em busca de vagas, já que a massa de rendimento tende a crescer menos. Com isso, a taxa de desemprego sobe — afirma Gesner Oliveira.

A avaliação da LCA Consultores também prevê o aumento da procura por emprego nos próximos meses, o que já começou a aparecer de maneira gradual nas estatísticas finais de 2014.

"Tal movimento será responsável, em grande medida, por uma taxa de desemprego média anual em 2015 de 5,4% da População Economicamente Ativa" apontou relatório da LCA.

EFEITO DE MUDANÇAS

Para o professor da UFRJ João Saboia, no entanto, essa pressão de entrada no mercado de trabalho não deve ser tão grande. Ele aponta que a demografia no momento favorece, já que há estabilidade na população entre 15 e 30 anos:

— Por enquanto isso é favorável, mas, quando a economia voltar a crescer, pode faltar mão de obra, e será preciso avançar em produtividade.

Outro fator que pode contribuir para essa busca mais ativa por trabalho, segundo Oliveira, da GO Associados, é a mudança nas regras para a concessão do seguro-desemprego. Na segunda-feira, o governo anunciou restrições no acesso ao benefício.

— Ainda será preciso aguardar para estimar o impacto no mercado de trabalho, mas o maior rigor no seguro-desemprego tende a elevar a busca por vagas — avalia.

Em relatório, o economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) Fernando de Holanda Barbosa Filho destacou que o aperto fiscal e monetário previsto para 2015 deve alterar a dinâmica de baixa taxa de desemprego e crescimento do rendimento real.

"Neste cenário, serão inevitáveis a elevação da taxa de desemprego e a redução do rendimento real"," apontou ele no documento.

 

 

Para economistas, desafio do ajuste fiscal é ir além do corte de despesa

O que está em jogo é a credibilidade do país e o retorno do crescimento

Henrique Gomes Batista

Quase todo mundo que administra orçamentos sabe que apertar os cintos por um curto período, meses ou até um ano, é relativamente fácil: algumas coisas simplesmente podem ser adiadas. O mais difícil é fazer uma profunda reforma em receitas e gastos, de forma a ter equilíbrio por um longo prazo. Na visão de especialistas, esse é o maior desafio de Joaquim Levy à frente da Fazenda: tornar a responsabilidade fiscal uma regra duradoura, que garanta a credibilidade do país e o retorno do crescimento econômico e social.

FORÇA POLÍTICA À PROVA

Especialista em contas públicas, Raul Velloso diz não ter dúvidas de que o superávit primário anunciado pelo ministro Joaquim Levy para 2015 (1,2% do PIB, ou R$ 66 bilhões) será alcançado. Mas avalia que o ajuste fiscal deste ano será muito parecido com o de 2003:

— Além de medidas como as mudanças no seguro-desemprego (economia de R$ 18 bilhões) e possíveis altas de alguns tributos, como a Cide (imposto que incide sobre combustíveis), que pode render R$ 15 bilhões ao governo, nosso orçamento não é impositivo, e assim, o governo poderá fazer contingenciamento. O desafio é a partir de 2016, pois o segredo do ajuste fiscal é aumentar a arrecadação, e para isso a retomada do crescimento é necessária — afirmou.

Velloso explicou que, durante o governo Lula, receitas e despesas tinham crescimento real de 9% ao ano, mas que na gestão Dilma os gastos subiram 7%, enquanto a receita não superou 2% de alta real. Segundo ele, isso precisa mudar.

Margarida Gutierrez, professora de economia do Instituto Coppead e da UFRJ, afirma que a grande questão do ajuste fiscal de 2015 será a força política de Levy em um ambiente hostil. Ela acredita que o ministro terá de enfrentar forte resistência no governo, afetando lobbies poderosos de incentivos fiscais, funcionalismo e políticas públicas. Mas, em seu argumento, está a defesa do grau de investimento das agências de risco, que pode ser perdido caso o país não cumpra as metas de economia para o pagamento dos juros da dívida. Para fazer o ajuste prometido será necessário contar com carta branca de Dilma. Para a professora, o grande aliado político é Nelson Barbosa, que comandará o Planejamento:

— Estamos vivendo um período de dominância fiscal, ou seja, no qual a situação das contas públicas compromete a redução dos juros e impede a retomada do crescimento econômico. No momento, o objetivo é o retorno da credibilidade — disse Margarida.

Para Rubens Penha Cysne, diretor da FGV/EPGE, o momento é ideal para o Brasil evoluir na gestão fiscal. Ele acredita que o ideal é que o país atinja um sistema de comitê fiscal independente, nos moldes do que existe em Alemanha, Inglaterra, Canadá e Croácia.

— Um comitê como este poderia auxiliar em estudos independentes, facilitar a fiscalização do TCU e até impedir pressões políticas, pois faria uma análise mais objetiva do orçamento — disse Cysne, que defende um novo acordo em prol da responsabilidade fiscal que una a oposição, acabando com o "cabo de guerra" político que atrapalha o país.

"GOVERNO MEDÍOCRE E COVARDE"

O professor Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, é crítico em relação à forma pela qual que o governo demonstrou que buscará o ajuste fiscal:

— A primeira medida foi a mudança no seguro-desemprego, o que indica que o governo buscará o caminho mais fácil, com menos conflitos, afetando setores menos organizados, em vez de fazer uma profunda mudança estrutural, aumentando impostos para os mais ricos, por exemplo, e enfrentando gastos desnecessários. Não seria melhor ter começando alterando a aposentadoria dos parlamentares, por exemplo? Esse será um governo medíocre e covarde.