O ano de 2015 será crucial para o Banco Central (BC) na tentativa de recuperar a abalada credibilidade. Acusada de ser leniente com a inflação e de sofrer ingerência política do Palácio do Planalto, a autoridade monetária teve sua imagem arranhada em 2014. Com a mudança de rumos prometida pela nova equipe econômica, o BC ganhou mais um voto de confiança dos economistas do mercado financeiro, que voltaram a acreditar que a inflação poderá ser controlada.

Não houve trégua entre o BC e o mercado financeiro em 2014. Mesmo quando aumentou os juros — recomendação antiga do mercado —, sofreu críticas. O problema é que a alta da taxa básica (Selic) foi decidida três dias após a reeleição da presidente Dilma Rousseff. Isso levantou suspeitas de que os juros haviam sido mantidos na campanha eleitoral por decisão política, já que a presidente acusava adversários de quererem elevar a taxa.

ALERTAS DO BC FORAM IGNORADOS

Outro evento que pegou os próprios funcionários do BC de surpresa e aumentou o desconforto com a interferência política na instituição foi o processo na Justiça contra o ex-diretor Alexandre Schwartsman. Conhecido pelas ácidas críticas à condução da política monetária, ele foi alvo de uma ação por dizer que o banco fazia um "trabalho porco". Após a grande repercussão negativa, o BC desistiu de recorrer, já que o economista venceu o processo em primeira instância e arrebanhou apoio em redes sociais e no meio acadêmico.

— Definitivamente, em 2014, o BC foi ridicularizado como nunca antes. A instituição sofreu um baque inédito — comentou um técnico da equipe econômica.

O BC também ficou refém da própria estratégia de irrigação do mercado de câmbio. Ao evitar a qualquer custo uma estilingada do dólar em 2013, para não impactar a já persistente inflação, a instituição distorceu o preço da moeda, segundo economistas do mercado financeiro. Agora, promete continuar a fazer os leilões diários em 2015. A avaliação interna é que não haveria como acabar com a chamada "ração diária" num momento turbulento como o atual.

Além de tudo isso, em 2014 a voz do BC sobre assuntos importantes sumiu. Um dos exemplos é o fato de o governo inflar o BNDES com dinheiro para empréstimos com juros subsidiados, que dribla o alcance da instituição na hora em que aperta os juros. Alertas do BC foram ignorados.

Outra crítica desprezada foi sobre a política de gastos públicos. O Comitê de Política Monetária (Copom) chegou a explicitar que a inflação estava fora de controle por causa da condução da política fiscal. Mas a promessa é que as políticas de juros subsidiados e a fiscal devem mudar. Tanto o futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, quanto o do Planejamento, Nelson Barbosa, defendem o fim da maquiagem das contas públicas e a aproximação da taxa de juros do BNDES com a Selic (elevando a potência do trabalho do BC no combate à inflação).

— O Conselho Monetário Nacional (formado pelos ministros da Fazenda, Planejamento e BC) ganha mais força com um presidente do BC sensível às questões internacionais. Antes, ninguém ouvia a Miriam Belchior (ministra do Planejamento) — disse o economista-chefe da corretora Gradual, André Perfeito.

REESTABELECER CONFIANÇA

Na avaliação de analistas do mercado financeiro, o BC comprovou que houve uma guinada na condução da política econômica ao afirmar, no relatório de inflação, que voltou a mirar no centro da meta. Disse que "fará o que for necessário" para trazer a inflação a 4,5% em 2016. Isso foi aplaudido por economistas, que acreditam que o BC ganhará liberdade no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.

— Foi o primeiro passo da mudança esperada para 2015. A economia está ressentida da falta de referências para estabilizar a economia, e é preciso restabelecer a confiança — disse um economista de instituição financeira que pediu para não ser identificado.

 

 

País tem maior saída de capitais da história

Para analistas, elevação dos juros nos EUA manterá dólar valorizado no mundo

 

Gabriela Valente
João Sorima Neto
Ana Paula Ribeiro

Brasília e São Paulo - Por questões domésticas — como o escândalo na Petrobras — e a possibilidade de uma alta dos juros nos Estados Unidos, investidores fizeram uma retirada recorde de aplicações no mercado financeiro brasileiro em dezembro. De acordo com os dados divulgados ontem pelo Banco Central, a fuga de capital chegou a US$ 11,3 bilhões até sexta-feira passada. É a maior saída já vista desde quando o BC passou a registrar os dados, em 1982. Supera até os saques feitos durante crises como a de 2008.

De acordo com a autoridade monetária, mesmo com os negócios parcialmente suspensos por causa do feriado do Natal, o mercado financeiro brasileiro registrou uma saída de US$ 3,8 bilhões na semana passada. Apenas na sexta-feira, a fuga foi de US$ 2,1 bilhões. Quanto maior a saída de moeda americana, mais cara ela fica no mercado interno.

A principal incerteza é o momento em que o Tesouro americano aumentará os juros. Essa dúvida faz com que investidores internacionais tirem suas aplicações de mercados emergentes como o Brasil e as coloquem na segurança dos títulos dos Estados Unidos, considerados um padrão mundial. Para aumentar ainda mais a pressão sobre o câmbio no mercado brasileiro, o real tem sido atacado pelos próprios bancos brasileiros, que têm investimentos em instrumentos cambiais e lucram com a alta do dólar.

Ao longo de 2014, a moeda americana ficou cerca de 13% mais cara. As apostas para este ano são de um dólar a R$ 2,80, podendo chegar a R$ 3,20 em dezembro.

SALDO NEGATIVO EM US$ 6 BI

O saldo cambial só não está pior em dezembro porque as transações de comércio exterior acumularam saldo positivo de US$ 507 milhões. Isso reduziu levemente o rombo do chamado fluxo cambial no mês, que está em US$ 10,8 bilhões. Esse é o resultado das operações financeiras e dos pagamentos das exportações e de importações. Do início de janeiro até 26 de dezembro de 2014, o país tinha um saldo negativo de US$ 6 bilhões. No mesmo período de 2013, o fluxo cambial estava no vermelho em US$ 10,5 bilhões.

Para os especialistas, a retomada do crescimento da economia americana, com possível elevação dos juros, vai manter a divisa americana em alta no mundo. No cenário doméstico, mesmo com a continuidade das intervenções do BC no câmbio, o mercado acredita que a autoridade monetária não vai usar munição extra para segurar o dólar em um determinado patamar. Diante desse contexto, o Itaú Unibanco vê fortalecimento do dólar, pelo menos, durante os próximos dois anos. Nas projeções de Ilan Goldfajn, economista-chefe da instituição, a cotação da moeda americana chegará a R$ 2,80 ao fim de 2015 e, no ano seguinte, a R$ 2,90. Segundo Goldfajn, esse movimento é global e afetará não só o real, mas também as divisas de outros países emergentes, que são prejudicados pela desaceleração da economia chinesa. A redução da demanda no país asiático empurra para baixo o preço das matérias-primas exportadas.

— A alta dos juros vai sugar parte do capital que os investidores destinavam aos emergentes e países europeus. Isso pressionará a divisa — afirma Reginaldo Galhardo, da corretora Treviso

O diretor da Credit Suisse Hedging-Griffo, Luis Stuhlberger, considera que novas elevações da taxa básica de juros em 2015 ajudarão a suavizar a alta da divisa americana, atraindo capital externo, assim como as atuações do BC. Ele prevê uma variação do dólar entre R$ 2,60 e R$ 3,20 no ano que vem:

— A tese é que o dólar voltará ser uma moeda forte.