A proposta de mudanças no preço da energia no mercado de curto prazo enfrenta resistência praticamente unânime do setor em um de seus pontos fundamentais. Geradoras, distribuidoras, comercializadoras e grandes indústrias bateram de frente com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em torno da ideia de alterar o rateio das despesas financeiras criadas pelo acionamento das usinas térmicas que excedem o preço de liquidação das diferenças (PLD). Diante do bombardeio das empresas, durante audiência pública realizada em Brasília, a agência já admite mexer em sua proposta original.

Hoje o PLD, que serve como referência para o valor da energia no mercado de curto prazo, tem um limite máximo de R$ 822,83 por megawatt-hora. Esse patamar foi atingido durante boa parte do ano devido à falta de chuvas e ao esvaziamento dos reservatórios. Agora, a sugestão da Aneel é reduzi-lo para R$ 388,04, levando a uma economia de bilhões de reais nas despesas de quem não está totalmente coberto por contratos e precisa recorrer ao chamado mercado "spot".

O problema está na divisão dos custos que ultrapassam esse valor. Atualmente, apenas 5% das térmicas têm uma operação mais cara do que o teto do PLD. Quando elas são ligadas, a conta fica para todos os consumidores, por meio do Encargo de Serviços do Sistema (ESS). De janeiro a julho deste ano, essa conta foi de R$ 582 milhões. Se o novo preço-teto for confirmado, cerca de 30% das usinas terão um custo operacional acima do limite. Com isso, o ESS pode alcançar até R$ 4,2 bilhões em 2015, conforme simulações da consultoria Thymos Energia.

Na proposta colocada em audiência pública, a Aneel mexeu também no rateio do ESS: em vez de dividi-lo igualmente entre todos os consumidores, sejam do mercado livre (principalmente indústrias) ou do mercado regulado (distribuidoras), a conta ficaria unicamente com quem está deficitário na liquidação dos contratos. Por exemplo: usinas hidrelétricas que produziram abaixo do previsto ou indústrias que consumiram acima do volume de megawatts contratados.

"A indústria não pode mais absorver a criação ou o aumento de encargos", advertiu Bernardo Sicsú, coordenador de economia da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), entidade que reúne empresas com geração para consumo próprio. O gerente de assuntos regulatórios da Equatorial Energia, Cristiano Logrado, reforçou a percepção de insegurança que predomina no setor: "No limite, um único agente pode ter que assumir sozinho todas as despesas de ESS em um mês".

Logrado disse que essa nova forma de rateio do encargo pode levar a uma postura excessivamente conservadora em todo o setor. Do lado do consumo, empresas deverão comprar mais energia do que o necessário, a fim de evitar exposição ao mercado de curto prazo. Do lado da oferta, a tendência das usinas hidrelétricas será vender menos energia do que podem oferecer, devido ao medo de não entregarem todo o volume comercializado e ficarem expostas à divisão de custos do ESS.

"Não tenho a menor dúvida de que todos vão assumir uma posição mais conservadora", endossou o presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva.

Reservadamente, algumas empresas e associações já admitem levar o assunto aos tribunais, caso a Aneel não recue de sua posição inicial. Como o tema ainda está em discussão na agência, em âmbito administrativo, ninguém quer brigar antecipadamente.

José Jurhosa, diretor da Aneel que relata a proposta de mudança do PLD, se disse surpreso com a rejeição do setor ao novo rateio do encargo. Ele se mostrou disposto a modificar a sugestão inicial da agência. "Vamos verificar a pertinência [das críticas]. Se for unânime [a rejeição], vamos com certeza relevar. Não é de nosso interesse trazer prejuízo à sociedade."

De acordo com Jurhosa, a intenção da diretoria colegiada é votar as mudanças no PLD na reunião marcada para o dia 25 de novembro. Com isso, as alterações entrariam em vigência em janeiro.

Essa queda, embora não tenha recebido apoio consensual, despertou menos polêmica do que a divisão de custos do ESS. Só houve lamentações quanto ao "timing" da mudança. "Não é bom estar lidando com isso em espaço tão curto de tempo e já para o ano que vem", lamentou Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, associação que reúne grandes consumidores industriais de energia.

Pedrosa elogiou a tentativa da Aneel de remediar a crise vivida pelo setor, mas disse que a situação atual requer "um novo pacto" entre os agentes e o governo como um todo. "Temos sido atendidos por socorristas de ambulância, mas precisamos de intensivistas de UTI", resumiu.

 

 

Usinas de biomassa veem risco para expansão

Valor Online

04/11/2014

A mudança nos preços da energia no mercado "spot" coloca em xeque os planos de expansão das usinas de biomassa, segundo Zilmar José de Souza, gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica). As usinas, segundo ele, responderam imediatamente aos sinais de preços altos neste ano - o valor do megawatt-hora alcançou o recorde de R$ 822,83 - e aumentaram significativamente sua produção.

"Mesmo na entressafra, passamos a aproveitar a palha e houve até quem comprou restos de podas de árvores em municípios do interior", disse Zilmar.

O resultado é que, apesar de uma redução da safra de cana, a produção de energia de biomassa cresceu 23% nos nove primeiros meses de 2014. Em agosto, a geração bateu recorde, com 3.716 megawatts médios. "Isso equivale a 18% de todo o consumo industrial brasileiro daquele mês." Zilmar avalia que, com um valor máximo de R$ 388 por megawatt- hora, uma parte dos investidores pode não mais se sentir atraída pela possibilidade de negociar excedentes no mercado de curto prazo. E o preço da eletricidade negociada nos leilões do mercado regulado, abaixo de R$ 150, pode não sustentar as usinas e comprometer a expansão.

"Temos cinco usinas de Belo Monte adormecidas nos canaviais até 2022", afirma o executivo, lembrando o potencial do segmento, conforme foi apontado no plano decenal do governo.

Simulações apresentadas ontem pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), no entanto, apontam ganhos inegáveis para os consumidores.

Uma projeção apresentada ontem pela câmara demonstra que, entre fevereiro e agosto de 2014, houve custo financeiro para o sistema de R$ 18,6 bilhões com o valor máximo da eletricidade a R$ 822. Se o limite de R$ 388 já estivesse valendo, o gasto total teria sido de R$ 11,3 bilhões no mesmo período.

Ou seja, o ganho financeiro para o sistema como um todo teria sido de R$ 7,3 bilhões.

 

rédito proposto pelo governo pode ser insuficiente

O governo pode ser desafiado a buscar uma nova ajuda financeira ao setor elétrico se o crédito bancário, no valor total de R$ 17,8 bilhões, esgotar antes do fim do ano.

 

Até setembro, as distribuidoras gastaram 91,6% destes recursos.

Resta apenas a disponibilidade de R$ 1,5 bilhão para atender a necessidade de recursos para os meses de outubro, novembro e dezembro. Para que o financiamento dos bancos seja suficiente, a despesa das distribuidoras com a compra de energia no último trimestre de 2014 deve ficar na média mensal de até R$ 500 milhões.

Na semana passada, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) fixou o repasse de R$ 1,886 bilhão às concessionárias para cobertura das despesas do mês de setembro, que serão quitadas esta semana. Em agosto, a fatura ficou em R$ 717,6 milhões, com pagamento realizado em outubro.

Os valores das transferências mensais da Conta no Ambiente de Contratação Regulada (Conta ACR) foram apurados na última quinta-feira pela área técnica do órgão regulador. O primeiro contrato de crédito bancário ao setor foi fechado em abril, no valor de R$ 11,2 bilhões. O segundo foi aprovado em agosto, com o valor adicional de R$ 6,6 bilhões.

A Conta-ACR foi criada por decreto em abril deste ano com a finalidade de cobrir as despesas das concessionárias de distribuição sem fosse preciso novos aportes de recursos do Tesouro Nacional. Esta foi a "solução de mercado" encontrada pela equipe econômica para obter, ao mesmo tempo, um conforto nas contas públicas e evitar uma alta ainda maior nas tarifas de energia.

A urgência da medida era justificada pela necessidade de conter a forte pressão de caixa a qual as distribuidoras foram submetidas. O setor previa, se nenhuma medida fosse tomada, o colapso financeiro das empresas.

O preço da energia no mercado "spot" ainda se mantém nos patamares mais elevados do ano. Este horizonte de custo pode permanecer até o final do ano se não houver melhora no regime de chuvas nas bacias hidrográficas que abastecem os reservatórios das principais Hidrelétricas do país.

A partir de 2015, o custo total das duas operações de crédito começa a ser quitado pelas distribuidoras com pagamentos realizados em 24 meses. Os recursos serão recolhidos dos consumidores pelas contas de luz.