Para reverter a rápida deterioração das contas públicas ao longo de 2014, com déficit primário de R$ 15,2 bilhões acumulado entre janeiro e setembro deste ano, o ajuste fiscal esperado para 2015 deve recair, novamente, sobre o lado da receita tributária. Para economistas ouvidos pelo Valor, o governo vai precisar voltar a aumentar impostos ao longo do próximo ano se quiser evitar a perda do grau de investimento.
 
Para esses especialistas, é possível esperar alguma contenção do gasto ao longo do próximo ano, especialmente sobre os investimentos, mas ela não deve ser suficiente para elevar substancialmente a economia feita pelo governo para pagamento do serviço da dívida. Como também não dá para contar com forte crescimento da economia, o que teria efeito positivo sobre a arrecadação de tributos, o aumento do superávit primário deve vir da elevação da carga tributária, com reversão de algumas desonerações e, possivelmente, criação de novos impostos.
 
Ainda assim, o cenário será de alta apenas gradual do esforço fiscal do governo. Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria, avalia que o setor público pode encerrar 2014 com superávit primário em torno de 1% do PIB, mas com forte dependência de receitas extraordinárias. Entre outubro e dezembro, devem ingressar nos cofres públicos cerca de R$ 26 bilhões em receitas atípicas, como Refis, o programa de parcelamento de tributos em atraso, dividendos e a receita do leilão da frequência 4G de telefonia.
 
Sem a ajuda desses recursos, o superávit primário recorrente, que não conta com receitas e despesas extraordinárias, ficaria mais próximo da estabilidade, afirma. No ano passado, esse indicador ficou em 0,65% do PIB, o que sinaliza impulso fiscal expansionista neste ano.
 
Para inverter essa tendência, Salto avalia que é factível entregar superávit primário em torno de 1% do PIB em 2015, no cálculo sem ajuda de receitas extraordinárias. “Mas o quadro atual mostra que não existe essa possibilidade sem aumento de impostos”.
 
Em seus cálculos, o principal candidato é a recomposição da Cide sobre combustíveis, porque ajudaria no ajuste de preços relativos na economia. O aumento do PIS e da Cofins, que incidem sobre faturamento, também seria uma possibilidade. Este seria, porém, um movimento na direção contrária do que tem sido prometido pelo governo, que acenou com a simplificação desses tributos durante a campanha eleitoral. “Acho que tudo que tiver custo adicional será evitado neste momento”. Ainda sobre a mesa estaria o fim do desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre automóveis e eletrodomésticos, que poderia render algo como R$ 13 bilhões a mais de receita no ano, diz.
 
Além da elevação de alíquota da Cide e do IPI, Rafael Ihara, economista do banco Brasil Plural, cita ainda a possibilidade de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), extinta em 2008, que poderia elevar a arrecadação em 0,7% do PIB. Para tanto, o governo vai precisar trabalhar em conjunto com o Legislativo. “A ideia é que o governo consiga melhorar poder de negociação com o Congresso. Sem aumento de carga tributária, dado o perfil do gasto, será difícil elevar o superávit primário”, diz.
 
Ihara e Salto também colocam entre as medidas necessárias para o ajuste fiscal do ano que vem o aumento da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 5% ao ano, o que reduziria o custo do subsídio ao BNDES. Salto lembra que essa é uma medida defendida por Nelson Barbosa, ex-secretário de Política Econômica e um dos nomes que tem sido apontados como candidato a ministro da Fazenda no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.
 
Para Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, há certa margem de manobra do lado da despesa, mesmo que reduzido, já que o gasto tende a ter alguma desaceleração depois do ano eleitoral. Ainda assim, diz, o mais provável é que o país tenha superávits primários baixos por um bom tempo, já que o Orçamento é bastante rígido, desonerações como a da folha de pagamentos foram tornadas permanentes e o crescimento não ajuda a inflar as receitas.
 
Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra, também ressalta que não será possível entregar forte esforço fiscal no primeiro ano do novo governo, após a deterioração recente das contas públicas. “Não vai ser possível arrumar a casa de uma vez só, o ajuste será muito gradual”.
 
Por isso, a sinalização da meta a ser cumprida no ano que vem, um contingenciamento crível e transparente do Orçamento e comprometimento na execução do ajuste serão relevantes. “Será um processo longo de reconstrução da reputação das contas públicas.” Em sua avaliação, porém, é possível evitar a perda do grau de investimento pelas agências de classificação de risco.
 
José Márcio Camargo, economista-chefe da gestora Opus Investimentos é bem menos assertivo. “Sou muito cético em relação à capacidade do próximo governo de fazer ajuste fiscal capaz de evitar o rebaixamento da nota do Brasil”, diz. Em sua avaliação, além da indicação para a Fazenda, o governo precisa apresentar um plano crível na área econômica, que não foi discutido durante a campanha.
 
Zeina, da XP, também não descarta a possibilidade de perda do grau de investimento. “O crescimento econômico é chave para manutenção do rating.” Por isso. o governo precisará focar, além do ajuste macroeconômico, em aumento da produtividade, com menor intervenção do Estado na economia e melhora do ambiente regulatório, por exemplo, afirma.
 
 
Ações no STF podem custar R$ 374 bi à União
 
Não é só no Congresso que o governo enfrenta uma pauta com potencial explosivo para os cofres públicos. No Supremo Tribunal Federal (STF), apenas três processos em tramitação representam impacto de cerca de R$ 374 bilhões para o governo federal, segundo cálculo do Valor com base em estimativas da Advocacia-Geral da União (AGU).
 
Três processos que podem ser julgados entre o fim deste ano e o começo do próximo chamam particularmente a atenção da AGU. Um deles discute a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins, em que estão em jogo R$ 250 bilhões, segundo o órgão. No caso sobre a constitucionalidade dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990, o potencial de impacto para o sistema financeiro, de acordo com a AGU, seria de R$ 109 bilhões. Cerca de metade dessa conta envolve bancos públicos, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Já o debate sobre a desaposentação - situação de quem se aposenta, volta a trabalhar e, depois, pede um recálculo da aposentadoria a partir das novas contribuições - é calculada em R$ 69 bilhões.
 
Segundo o ministro-chefe da AGU, Luís Inácio Adams, os casos prioritários para o órgão no STF são aqueles que envolvem questões de impacto orçamentário e governabilidade. Além das três ações bilionárias, ele cita o processo que discute a incidência do fator previdenciário como um dos que mais chamam a atenção do governo.
 
Fora isso, há diversas demandas salariais, como a discussão sobre o direito à revisão geral anual - reajustes anuais para compensar perdas com a inflação - e o pagamento de indenização pela falta dessa revisão. Conforme projeção do Ministério do Planejamento, um reajuste de 1% sobre a folha de pagamento da União resultaria em aumento anual de R$ 2,3 bilhões com gasto de pessoal.
 
Assim como a pauta do Congresso, a do Supremo também pode ser interpretada como forma de pressionar o governo. De acordo com fontes ouvidas pelo Valor, a concentração de temas tributários e de impacto orçamentário pode revelar um descontentamento dos ministros do STF com o Ministério do Planejamento, após o corte feito na proposta orçamentária do Judiciário encaminhada ao Congresso. Seria também um recado pela indisposição do governo em relação às principais demandas salariais e de benefícios pleiteados pelos juízes.
 
O processo que discute no Supremo a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins afetará pelo menos outras 2,9 mil ações judiciais, pela contabilização da Corte. No mês passado, ao analisar um recurso de uma empresa distribuidora de peças de automóveis, o STF chegou à conclusão de que o ICMS não compõe a base de cálculo da Cofins. Mas o resultado demorou tanto - a ação corria no STF desde 1999 - que a composição do tribunal foi alterada nesse período. Assim, os ministros devem voltar a se debruçar sobre o tema em uma ação proposta pela AGU em 2007, que teve a repercussão geral declarada e, por isso, valerá de precedente casos semelhantes no Judiciário.
 
A discussão sobre a constitucionalidade dos planos econômicos, que se arrasta há mais de duas décadas no Judiciário, começou a ser julgada pelo STF em novembro de 2013. Mas, diante de contestações, a Procuradoria Geral da República (PGR) pediu para refazer um cálculo sobre o lucro dos bancos com a edição dos planos, o que resultou em adiamento. Pouco depois da apresentação do novo cálculo, o ministro Joaquim Barbosa se aposentou, prejudicando o quórum de votação no STF. O motivo é que três ministros estão impedidos e o tribunal precisa dos votos de pelo menos oito de um total de 11 integrantes para se posicionar sobre o assunto. A retomada do julgamento dependerá da indicação de um novo ministro para a vaga de Joaquim Barbosa.
 
No caso da desaposentação, a depender da conclusão do tribunal, o governo poderá ter que rever valores de aposentadorias de cerca de 480 mil pessoas. O julgamento que valerá como precedente começou em outubro e foi interrompido por um pedido de vista.