Se as chuvas que caem do céu de São Paulo tornaram-se escassas, a solução, para muitas empresas, tem sido extrair a água que está debaixo da terra. Diante de uma crise hídrica sem precedentes, com risco crescente de racionamento, a construção de poços para exploração de águas subterrâneas no Estado avança quase 20% neste ano.


Entre janeiro e setembro, as outorgas para a execução de poços artesianos de extração profunda chegaram a 788, ou 129 licenças a mais do que no mesmo período do ano passado, conforme levantamento do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), o órgão responsável pela autorização a projetos do tipo. Só em abril, o governo paulista liberou a construção de 172 poços. Também houve grande número de licenças expedidas entre julho e agosto: 214 na soma dos dois meses.

Colocando na conta o balanço de setembro, o número de outorgas, na comparação anual, subiu 34,5% em todo o terceiro trimestre, quando a baixa nos reservatórios do sistema Cantareira ganhou contornos alarmantes. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), quer, porém, maior agilidade do governo na liberação dessas licenças. 'Pedimos que esses processos sejam mais rápidos', diz Nelson Pereira dos Reis, diretor do departamento de meio ambiente da entidade patronal.

Perfurar poços em busca de águas subterrâneas profundas não é contudo o único dos recursos explorados pelas empresas paulistas, que tiveram que mudar rotinas e executar planos de contingência à medida que os casos de falta desse insumo tornam-se cada vez mais frequentes. Os esforços para contornar a pior estiagem em oito décadas vão da 'caça' a vazamentos internos e redução na frequência da irrigação de jardins à, em casos extremos, compra de água - um expediente já adotado por empresas da indústria de autopeças como Bosch, instalada em Campinas (SP), e Cummins, cuja fábrica está em Guarulhos (SP). Por alguns meses, a Rhodia teve de revezar o funcionamento de quatro setores no complexo de produtos químicos em Paulínia, no interior paulista, por não ter água suficiente no rio Atibaia.

Nos últimos anos, investimentos pesados em sistemas de tratamento de esgoto e reúso de água foram feitos para que a indústria reduzisse a dependência dos recursos hídricos. Reis, da Fiesp, diz que o consumo de água no setor foi reduzido em 50% nos últimos dez anos. Segundo ele, o reaproveitamento da água já é 'generalizado' na grande indústria, enquanto em empresas de médio porte chega perto de 70%.

Mesmo assim, o agravamento da crise hídrica tem gerado nova corrida a esses sistemas ou por soluções mais ágeis, de rápida implementação. Mauro Cruz, líder da divisão da GE que fornece equipamentos detratamento hídrico, diz que houve forte aumento na procura por estações móveis de tratamento de água, que são alugadas conforme as necessidades das empresas. Por serem instaladas rapidamente, essas unidades são mais procuradas em períodos de crise, como acontece em São Paulo.

Desta vez, no entanto, o aluguel desses equipamentos tem sido mais prolongado, relata Cruz, acrescentando que os setores petroquímico, siderúrgico e de papel e celulose são os que mais procuram a GE para a instalação dessas estações em suas fábricas.

O grupo químico Dow, assim como a GE, também atua nesse mercado e diz que viu dobrar o número de empresas interessadas pela tecnologia de filtração, capaz de remover 99,99% dos microorganismos da água. Renato Ramos, gerente de marketing dessa divisão da Dow, diz que tem recebido muitas solicitações para instalar o sistema em três meses, quando o prazo normal seria um período de seis a nove meses. 'É possível fazer num prazo mais curto, mas o custo é mais alto', adianta o executivo.

Em maio, uma pesquisa feita pela Fiesp mostrou que 67,6% das empresas paulistas estavam preocupadas com a possibilidade de racionamento de água no Estado neste ano. Agora, como a falta de água tem sido mais frequente, as empresas não estão mais 'preocupadas', elas estão 'aflitas', diz Reis, do departamento de meio ambiente da entidade.

 

CALOR FAZ CONSUMO SUBIR 30% NO VAREJO

 

Por Adriana Meyge | De São Paulo

A venda de água mineral cresce dois dígitos ao ano no Brasil há pelo menos cinco anos. Em 2013, foram produzidos 11,6 bilhões de litros da bebida, 14,5% a mais do que em 2012, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam). Para este ano, a entidade previa um volume 20% maior do que no ano passado, devido ao impacto da Copa do Mundo. No entanto, as temperaturas mais altas e o inverno seco fizeram a projeção subir para 30%.

De acordo com Carlos Alberto Lancia, presidente da Abinam, a crise hídrica no Estado de São Paulo e em cidades de outros Estados teve pouco impacto no aumento da demanda – o calor é o principal impulsionador. A exceção é a cidade de Itu (SP), onde há racionamento de água desde fevereiro, com alta de 50% nas vendas na comparação com o ano passado. Há grande procura por galões de 20 litros no município, já que parte da população está usando a água mineral para outras finalidades, além de beber.

Na capital paulista, os casos de pessoas comprando água mineral para substituir a água da torneira ou para estocar são pontuais, segundo César Dib, diretor da engarrafadora Lindoya Verão. “Tem gente com atitude exagerada, mas esse não é um comportamento padrão, porque ainda não há um racionamento geral”.

As redes de supermercados têm registrado uma procura significativamente maior que a do ano passado. As lojas do Extra e do Pão de Açúcar no país registraram aumento de 37% nas vendas de água mineral na primeira quinzena de outubro, em relação a igual período do ano anterior – a expansão foi puxada pelo Sudeste. Na rede Walmart, o crescimento acumulado de janeiro até a primeira quinzena de outubro foi de 50%.

O movimento faz engarrafadoras como a Bioleve, de Lindóia (SP), elevarem as estimativas de faturamento para 2014. “No início do ano, projetávamos um crescimento 15% a 18%. Agora estimamos um acréscimo de 20% a 25%”, afirma Flávio Aragão, presidente da Bioleve. A Lindoya Verão, com fontes na Serra da Mantiqueira, cresceu 14% no ano passado e este ano a alta está em torno de 20%, segundo Dib.

O grupo cearense Edson Queiroz, dono das marcas Minalba e Indaiá, vendeu 12% mais em outubro, na comparação com igual mês do ano passado. Em novembro, o crescimento deve ser maior. Segundo o superintendente de águas da empresa, Antonio Vidal, o consumo dobra entre novembro e fevereiro em relação a outras épocas do ano. O grupo é o segundo colocado do mercado, após a Coca-Cola, dona da marca Crystal.

Executivos do setor afirmam que há casos em que grandes empresas não conseguem atender a encomendas com a urgência esperada, mas que a demanda é suprida por outras marcas.

O consumo per capita de água mineral vem aumentando ano a ano no Brasil, impulsionado pelo aumento da renda e por mudanças dos hábitos dos consumidores. Atualmente, o brasileiro consome 55 litros ao ano. Cada europeu consome 2,5 vezes mais que isso, por isso o setor vê grande potencial no mercado. A indústria está investindo em novas plantas e equipamentos e na aquisição de fontes, segundo os entrevistados.

Considerando um cenário de desabastecimento em diversas cidades, inclusive a capital paulista, Lancia, da Abinam, diz que não faltaria água mineral se a população decidisse usar o produto para beber e cozinhar. Numa situação como essa, ele estima que a demanda cresceria 50%, de forma semelhante ao que ocorreu em Itu. Lancia, que é geólogo, diz que a água mineral não sofre influência da água superficial da chuva e que não há risco para as fontes.

Os envasadores de água mineral ajustaram o preço do produto em torno de 10% em setembro, segundo a Abinam. O aumento não está relacionado ao aumento das vendas, já que a capacidade instalada do setor é de três vezes a demanda. O aumento de preço foi balizado pelo dissídio coletiva da categoria, além do aumento do custo de energia e de embalagem, esta precificada em dólar.