O presidente da Transpetro, Sérgio Machado, pediu licença do cargo, ontem, em meio a novos desdobramentos das denúncias da Operação Lavo-Jato, da Polícia Federal, que investiga um bilionário esquema de desvios de recursos da Petrobras. O ex-diretor de abastecimento da estatal, Paulo Roberto Costa, pivô do caso, disse ter recebido R$ 500 mil de Machado, que nega: "A acusação [de Costa] é francamente leviana e absurda, mas mesmo assim serviu para que a auditoria externa PwC apresentasse questionamento perante o Comitê de Auditoria do Conselho de Administração da Petrobras", disse Machado, ontem, em nota. Ele será substituído interinamente por Cláudio Ribeiro Campos, diretor de gás natural da Transpetro.

O fato de a PwC ter feito questionamentos tornou-se público na sexta-feira, quando a reunião do conselho de administração da Petrobras, no Rio, foi interrompida pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que preside o conselho. Na sexta, não estava claro, porém, quais as razões da PwC para questionar os dados do balanço da Petrobras. Ontem, Machado disse que, embora o conselho de administração tenha adiado qualquer deliberação sobre o questionamento da PwC, decidiu "de forma espontânea" requerer licença sem vencimento pelos próximos 31 dias. "Tomo a iniciativa de afastar-me temporariamente para que sejam feitos, de forma indiscutível, todos os esclarecimentos necessários." Seu substituto será o diretor da empresa, Claudio Campos.

Machado estava na presidência da Transpetro há onze anos e quatro meses. Assumiu ainda no primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e permaneceu com a presidente Dilma Rousseff, ancorado no programa de renovação da frota de navios, o Promef, que deu novo ânimo à indústria naval nacional, apesar dos problemas que enfrentou como os atrasos nas obras de construção.

O Valor apurou que o afastamento de Machado deverá tornar-se definitivo, embora anunciado como licença. Senadores e deputados dos partidos afirmam que Machado, ex-senador, ocupa a presidência da empresa na "cota pessoal" de indicação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e não representa o partido no governo. Por essa ótica, o afastamento não deveria causar problemas entre governo e PMDB.

Mas segundo fontes do Palácio do Planalto, a saída de Machado abala os pilares da relação com Renan, fragilizando a presidente Dilma no momento em que ela mais precisa de aliados no Congresso, que voltou armado contra o governo das eleições. Renan aproximou-se ainda mais de Dilma a partir do início do ano, quando se tornou um interlocutor privilegiado na última reforma ministerial, a ponto de emplacar o ministro do Turismo, Vinícius Lages. Agora com o nome citado na delação premiada de Costa, e envolvido nos desvios da Petrobras, tudo indica que irá submergir, fragilizando a interlocução do Palácio com o Senado.

O enfraquecimento de Renan complica a situação de Dilma no Senado porque o peemedebista garantia a interlocução com as lideranças da bancada do seu partido, que voltaram descontentes das urnas. Entre elas, Eunício Oliveira, líder do PMDB no Senado derrotado pelo PT no Ceará, e Vital do Rêgo Filho, que também perdeu na Paraíba, e José Sarney (MA), que não deverá ser indicado para ministérios. Renan garantia os votos da bancada ao governo Dilma.

Para agravar o cenário, o PT não tem como compensar o esvaziamento da influência de Dilma no PMDB. A bancada petista no Senado viu alguns de seus pontas-de-lança amargarem derrotas fragorosas nas urnas, como Gleisi Hoffmann, no Paraná; Delcídio Amaral, no Mato Grosso do Sul; e Lindbergh Farias, no Rio de Janeiro. A decisão de pedir licença foi discutida entre Machado e Renan, que concordou com a solução. A conversa foi domingo. Renan estava em Brasília e Machado, no Rio. Na conversa, combinaram o teor da nota divulgada ontem.

 

Escândalo põe auditor na zona de risco

 

É provável que PricewaterhouseCoopers nunca tenha enfrentado uma situação como essa. Contratada como auditor independente pela Petrobras, ela está diante de um escândalo de grandes proporções depois que um diretor de primeiro escalão resolveu contar detalhes de um esquema bilionário, que funciona pelo menos desde 2006, de desvio de dinheiro na maior empresa da América Latina.

O que fazer agora com esses números todos aprovados nos últimos anos por todos os auditores que passaram pela empresa? Ficou difícil até mesmo fazer o básico do trabalho de auditoria, dizer que o balanço respeita as normas contábeis. O que fazer com os 3%? É investimento ou despesa?
A Petrobras é um cliente importante, mas as grandes firmas de auditoria têm grandes clientes no mundo todo e, principalmente, têm um nome a zelar. Não faz tanto tempo que a mais conceituada delas, a Arthur Andersen, quebrou depois que foram descobertas as falcatruas da empresa de energia americana Enron. Posteriormente, a Arthur Andersen foi inocentada pela Justiça, mas já era história. O que vale para as auditorias é a credibilidade. Não que elas não forcem os limites em busca de rentabilidade, porém há um momento em que isso passa a ser arriscado demais.
Parece que foi isso que aconteceu na Petrobras. O fato de a empresa ter ações no mercado americano amplifica o escândalo e a PwC não vai querer que os reguladores venham ao seu encalço (se já não estão). Desde a Enron e das outras grandes fraudes do início de 2000, os auditores perderam o poder de autorregulação e vivem desde 2004 sob a constante vigilância de um órgão regulador específico, o PCAOB, que faz visitas não muito amigáveis aos escritórios das firmas no mundo todo, e o Brasil também está nessa rota.
Se a situação chegou ao ponto de o auditor pedir a cabeça de um diretor ou "ameaçar" não assinar as contas, como foi noticiado, a situação de descontrole na Petrobras é de fato inédita. É normal que auditor e empresa tenham opiniões divergentes, e isso pode empurrar a data de fechamento do balanço. Se não chegarem a um acordo, o auditor pode defender seu nome com uma ressalva no parecer, algo como "eu avisei". Pode, em casos extremos, recusar-se a assinar. É raro, mas ocorre em empresas com sérios problemas de gestão ou atoladas em disputas societárias, por exemplo, em casos em que o auditor não consegue sequer checar os dados que lhe são apresentados.
Sobraram estilhaços para o auditor da bomba que explodiu na Petrobras depois que vieram a público os depoimentos de Paulo Roberto Costa. Não dá para o auditor ignorar algo dessa magnitude (ou "materialidade", como dizem), por mais que confie nos controles da empresa. Bom que seja assim, porque pelo menos em casos extremos o auditor, um dos guardiães dos interesses dos acionistas, faz valer sua presença, mesmo que seja para salvar a própria pele.
 
 

PPSA e Petrobras fecham acordo inédito de unitização

 

A Pré-Sal Petróleo SA (PPSA), estatal que representa a União nos contratos de áreas do pré-sal, assinou com a Petrobras um acordo de individualização de produção (AIP) do campo de Tartaruga Mestiça, na Bacia de Campos, com uma área da União ainda não licitada. O acordo é o primeiro envolvendo a unitização (união de duas áreas num projeto único de produção) no pré-sal, mas ainda não é suficiente para clarear todas as dúvidas e incertezas que giram em torno da individualização de áreas sob concessão com as da União.

O acordo estabelece as regras para operações conjuntas de desenvolvimento e produção, bem como as participações de cada uma das partes na área unitizada – os percentuais não foram divulgados. O acordo também define a Petrobras como operadora da jazida compartilhada.

O governo, no entanto, ainda não deixou claro se a área da União que se conecta com Tartaruga Mestiça será futuramente leiloada sob regime de partilha, abrindo espaço para a entrada de empresas como sócias da operadora Petrobras no projeto, ou se a petroleira estatal será diretamente contratada para a produção da área. As duas alternativas estão previstas em lei.

Para Guilherme Vinhas, sócio da Vinhas e Redenschi Advogados, a principal incerteza do mercado, sobre o futuro da operação de áreas do pré-sal unitizadas com campos sob concessão de petroleiras privadas, também não foi esclarecida. É o caso, por exemplo, de Gato do Mato, operado pela Shell, mas cuja jazida se estende para uma área da União não contatada.

“Tartaruga Mestiça é 100% da Petrobras, que já é a operadora exclusiva na partilha. É a unitização de Gato do Mato, operado por uma empresa privada, que dará um norte para os próximos acordos”, defendeu Vinhas.

Até então havia entendimento comum no setor de que qualquer área da União no pré-sal teria que ser licitada sob o regime de partilha e ter, obrigatoriamente, a Petrobras como operadora. O caso de Gato do Mato, contudo, ainda gera incertezas, devido ao seu ineditismo. A operação da Shell na área unitizada não é descartada.

Alexandre Sion, da Sion Advogados, explica que petroleiras privadas poderão usar o acordo de unitização de Tartaruga Mestiça como paradigma e defender que o direito concedido à Petrobras para operar uma jazida compartilhada com a União seja estendido a outras concessionárias. O caso, no entanto, não deve gerar uma jurisprudência no setor, defende Sion.

“A Petrobras vai defender que seu caso é específico e permitido por lei. Dentro de uma mesa de negociações, as partes vão usar as forças que têm e os exemplos que existem. O acordo vai ser mais usado para influenciar os discursos dos interlocutores do que uma obrigação a ser seguida”, opinou o advogado.