Fora das discussões sobre reforma tributária, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é uma das taxas com maior espaço para reajuste nos próximos anos. Estacionado em 0,45% do Produto Interno Bruto (PIB) desde 1998, sua arrecadação poderia ser 65% maior, aponta estudo de José Roberto Afonso e Kleber de Castro, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
Mesmo representando uma parcela pequena da arrecadação tributária do país - 3,57% do total no ano passado -, a cobrança do IPTU, feita no âmbito municipal, poderia amenizar a dependência de prefeitos dos repasses do governo federal, defendem especialistas, e atuar na redução de desigualdade, tributando as propriedades que sofreram maior valorização e desincentivando a existência de imóveis ociosos.
O levantamento da FGV mostra que o IPTU está perdendo espaço para outras contribuições patrimoniais, entre elas o Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotores (IPVA), cuja arrecadação chegou a 0,6% do PIB no ano passado. O descompasso é ainda maior no confronto com o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter-Vivos (ITBI), que deveria ser residual ao IPTU e cuja cobrança aumentou cinco vezes nos últimos dez anos, passando a valer 0,18% do PIB em 2013.
A distorção ocorre porque o ITBI toma como base o preço das transações de compra e venda dos bens, não as chamadas plantas genéricas de valores, usadas na base de cálculo do IPTU. Esse descompasso, para os autores do estudo, reforça a ideia, defendida por muitas prefeituras, de que os cadastros dos imóveis não são revisados com frequência suficiente no Brasil e que a cobrança do imposto não tem acompanhado a valorização imobiliária dos últimos anos.
Em 2012, os municípios deixaram de recolher quase R$ 13 bilhões dos R$ 32,6 bilhões do "IPTU potencial", calculado pelos economistas com base na trajetória do IPVA - o equivalente à cota parte que cabe aos municípios, já que sua competência é federal - e do ITBI. Consequência dessa distorção, 93% dos municípios do país arrecadam mais com a tributação sobre veículos do que com o imposto sobre imóveis. Segundo o estudo, a dinâmica é reflexo, de um lado, das deficiências na administração do IPTU e, no caso do IPVA, da forte expansão da base tributável, que cresceu no compasso do fomento à expansão da frota de veículos no país.
O "IPTU potencial" teria força para reduzir a dependência dos prefeitos dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e contribuir para o esforço fiscal que a União terá de fazer no próximo ano, defende Alexandre Cialdini, que foi secretário de finanças do Ceará e presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf). O caso recente de São Paulo, entretanto, onde a tentativa de aumento do IPTU custou ao prefeito Fernando Haddad (PT) os índices de aprovação no primeiro ano de mandato, preocupa dirigentes de outros municípios, diz o economista.
Levando em conta o ônus político elevado que decorre de qualquer aumento no IPTU, um imposto bastante impopular e alvo de pressões políticas, o gestor do Observatório de Informações Municipais, François Bremaeker, defende sua aplicação apenas em municípios mais populosos, que teriam um incremento mais significativo na arrecadação.
Um exercício feito pelo economista aponta que em cidades que têm entre 5 mil e 10 mil habitantes, mesmo que a cobrança de IPTU dobrasse, as receitas cresceriam apenas 0,81%. Nos centros com população entre 100 mil e 200 mil, o percentual subiria para 3,7%, e naqueles com mais de 5 milhões, para 9,51%. "Nossa simulação prevê um aumento de 100%. São Paulo tentou um reajuste cinco vezes menor, de 20%, e veja o ônus político que o prefeito teve", comenta. Bremaeker ressalta, entretanto, que o valor do IPTU per capita de São Paulo é o mais alto entre todas as capitais e quase o dobro da média.
A repercussão do reajuste dos impostos sobre propriedade no Brasil é negativa, segundo os especialistas, porque é um tributo "de boleto", ao contrário daqueles que incidem sobre bens e serviços, que representam uma carga tributária muito maior - de R$ 3.689,76 per capita, contra R$ 319,20, de acordo com o estudo da FGV -, mas são menos "visíveis" para o consumidor.
Cialdini defende que o ônus dos reajustes seria bem menor se a reforma do IPTU começasse em Brasília. O projeto de lei complementar (PLP) 108, que prevê a obrigatoriedade da revisão periódica das plantas genéricas de valor na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), agiria nesse sentido, afirma, mas está parada na Câmara desde 2011.
O atual sistema, em que a última palavra é das câmaras municipais, dificulta alterações na cobrança e partidariza uma discussão que deveria ser técnica, avalia ele. De um lado, os vereadores tendem a votar contra qualquer aumento significativo, para não desagradar eleitores. Pelo mesmo motivo, os prefeitos, especialmente em cidades menores, além de não arriscarem propostas nesse sentido, costumam distribuir isenções e fazer vistas grossas para ocupações irregulares.
O resultado desse arranjo são casos como o de Santana do Acaraú, no Ceará, que em 2013 arrecadou R$ 5 com o imposto. "É mais cômodo fazer 'marcha dos prefeitos a Brasília' para reivindicar uma fatia maior do FPM [Fundo de Participação dos Municípios]", diz Cialdini.
Para a Abrasf, que auxiliou na redação do texto legislativo, a revisão obrigatória do valor das plantas, ao lado de uma força tarefa de atualização dos cadastros imobiliários, tornaria desnecessário o aumento da alíquota em muitas das cidades. "O fato de o IPTU ter potencial grande para financiar os municípios pode ser usado no próximo ano para pressionar a aprovação do PLP", afirma Cialdini.
Os impostos patrimoniais representam uma parcela pequena da arrecadação de tributos no país - apenas 3,57% em 2013, contra 41,23% daqueles que incidem sobre bens e serviços. Mais do que reforçar o caixa das prefeituras, contudo, ele pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento urbano e atuar na redução da desigualdade, afirmam os economistas.
Previsto na Constituição, o IPTU progressivo, que serviria para combater a especulação imobiliária, foi implementado em poucos municípios - entre eles São Paulo, que desde quinta-feira passou a notificar os donos de imóveis vazios sobre os aumentos de alíquota e o risco de perda da propriedade a que estão sujeitos.
Antes disso, a simples revisão das plantas genéricas de valores, por exemplo, que elevaria a cobrança do imposto para os imóveis que sofreram maior valorização nos últimos anos, já seria uma medida eficiente de distribuição de renda, pondera o especialista em finanças públicas Amir Khair. "O modelo que funciona hoje faz com que o imposto seja completamente regressivo."
A instituição do IPTU progressivo, para Cialdini, tem ainda o potencial de organizar o desenvolvimento urbano e de incentivar a construção de moradias em bairros hoje negligenciados. A cobrança de alíquotas maiores para terrenos vazios, por exemplo, desestimularia a especulação e direcionaria as construtoras para áreas carentes, onde são escassos os lançamentos de novos empreendimentos.
"Hoje os donos desses terrenos 'sentam em cima da terra' à espera da chegada de melhorias no entorno - sistema de transporte público, serviços, pavimentação - que elevem os preços e, por consequência, seus lucros", diz.