O G-20, que reúne as maiores economias desenvolvidas e emergentes, deverá recomendar aos mercados que usem duas novas provisões legais em títulos de dívida soberana, numa reação a litígios como o dos fundos "abutres" contra a Argentina.

O Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, apurou que o documento em negociação para os líderes lançarem em Brisbane (Austrália), dentro de duas semanas, dá na prática o sinal verde para modificação da chamada "cláusula pari passu" e da Cláusula de Ação Coletiva (CAC) nos contratos de títulos governamentais.

O G-20 argumentará que, diante do potencial de conflitos que a situação coloca, as duas alterações poderão reforçar os processos de reestruturação de dívida de maneira ordenada e previsível.

"Conclamamos sua inclusão nos títulos soberanos internacionais e encorajamos a comunidade internacional e o setor privado a promoverem ativamente seu uso", diz o texto no capítulo sobre questões para ações adicionais, preparado pela Austrália.

O Brasil e a França levaram o tema para a reunião de ministros das Finanças do G-20, em setembro em Cairns (Austrália), por considerarem que o tipo de crise provocada por fundos abutres pode ter implicações sistêmicas.

Os ministros acionaram então o Fundo Monetário Internacional (FMI), que em algumas semanas colocou na mesa duas propostas que agora terão a acolhida formal dos líderes das maiores economias do mundo.

Primeiro, alteração na "cláusula pari passu" - o princípio de que todos os credores devem ser tratados igualmente no caso de restruturação - para ficar claro que os emissores não são obrigados a pagar credores "em base igual ou proporcional".

Ou seja, essa cláusula não requer pagamento proporcional para todos os credores, e sim um ranking de igualdade em termos legais. Na prática, ela apenas proíbe ações que resultem em subordinação legal de certos tipos de credores não segurados em relação a outros, como técnicos do FMI têm argumentado.

A segunda mudança que os chefes de Estado e de governo pedem o uso, a partir de agora, é a inclusão de uma "aprimorada" Cláusula de Ação Coletiva nos novos títulos soberanos que poderão, em principio, forçar os "holdouts" (investidores que rejeitaram a renegociação) a acatarem a restruturação aceita pela maioria dos credores.

Restruturação de dívida soberana voltou ao debate econômico internacional com o confronto entre Argentina e fundos "abutres". O juiz Thomas Griesa, da corte do distrito Sul de Nova York, determinou que a Argentina só pode pagar os credores da dívida renegociada se honrar simultaneamente o que ele considera que o país deve aos fundos que não participaram das reestruturações, os chamados "holdouts".

Em junho deste ano, a Suprema Corte dos EUA rejeitou a apelação da Argentina no caso, o que fez prevalecer a decisão de Griesa. Ao não fechar um acordo com os "holdouts" até o fim de julho, o país entrou em "default", já que o juiz impediu o pagamento aos credores da dívida renegociada se não houvesse um acerto com os fundos.

A presidente argentina, Cristina Kirchner, que estará em Brisbane, pode até interpretar o texto como uma vitória, mas o sentimento entre negociadores é de que as mudanças desenhadas no FMI visam novas emissões.

Ainda há muito título soberano a vencer, colocando risco para restruturações ordenadas. A Franca, que preside o Clube de Paris, onde se renegocia dívidas oficiais, é especialmente atenta à questão.

 

Argentina dá sinais de que pretende negociar

 

Em poucas semanas, expira a cláusula que obriga a Argentina a estender aos credores que aceitaram trocar os títulos da dívida qualquer oferta melhor aos que rejeitaram participar da reestruturação. Embora aparentemente tenha dado o assunto como esquecido, o governo começa a dar sinais de que pretende partir para a negociação com o grupo que venceu a batalha para receber sua parte integral, único caminho para o país sair do "default".

A possibilidade de negociar surge porque em 31 de dezembro vence a chamada cláusula Rufo ("Rights Upon Future Offers", na sigla em inglês). Trata-se de um item do acordo, firmado nas reestruturações de 2005 e 2010, por meio do qual a Argentina se comprometia a estender a todos os credores eventual oferta melhor aos que não participaram da negociação.

O primeiro sinal de que há disposição para negociar, a partir de janeiro, com os fundos liderados p elo NML Capital, que venceram batalha na Justiça americana, é o próprio silêncio do governo em relação ao assunto. Já faz algumas semanas que a presidente Cristina Kirchner e sua equipe econômica deram uma trégua aos ataques aos fundos que o governo argentino adotou chamar de "abutres".

Cessaram também os constantes ataques de Cristina e sua equipe ao juiz federal Thomas Griesa, que proferiu a sentença e que bloqueou os depósitos feitos pelo governo argentino na frustrada tentativa de quitar as parcelas com os credores da parte reeestruturada.

Além disso, logo depois que assumiu o cargo, o presidente do Banco Central, Alejandro Vanoli, teria dito, durante uma reunião com bancos investidores, que esperava que a negociação com os credores fosse resolvida até a metade de 2015. Pessoas presentes à reunião deixaram a informação vazar à imprensa argentina.

Ninguém do governo também fala mais sobre a lei, aprovada no Congresso, para oferecer a troca de local de pagamento aos detentores de títulos da parte reestruturada. Já faz mais de um mês que, na tentativa de fugir dos bloqueios de Griesa, o governo passou a depositar as parcelas da dívida em instituição financeira de Buenos Aires no lugar do Bank of New York Mellon. Mas os credores não demonstraram interesse em fazer a troca.

Para o economista, Luis Espert, a Rufo foi "uma desculpa" que o governo usou para não negociar quando os fundos saíram vencedores na batalha judicial. Para ele, o atendimento de uma determinação judicial jamais seria in terpretado como um acordo de oferta melhor do que foi pago nas reestruturações de 2005 e 2010. Na época, o governo conseguiu negociar descontos superiores a 70%.

Ao saber que o G20 deverá recomendar provisões legais em títulos da dívida para evitar litígios um analista que pertence ao grupo de apoio kirchenerista perguntou: "Mas a medida da será retroativa?"

Segundo o jornal 'La Nacion", o governo estuda acordo não só com os fundos que venceram a batalha na Justiça dos EUA, a quem a Argentina deve US$ 1,5 bilhão, como também aos demais credores que não aceitaram participar das reestruturações de 2005 e 2010. Isso soma um pleito de no mínimo US$ 7 bilhões. Se conseguir fechar acordo, a Argentina se acertaria com os 7% credores com os quais ainda falta negociar, já que 93% aceitaram a troca de títulos nas reestruturações de 2005 e 2010.

Negociar com os chamados "holdouts" pode não ser exatamente o que o governo planejava, Mas, diante do atual cenário, é a única alternativa para o país sair do "default", voltar ao mercado internacional e, consequentemente, evitar o excessivo uso das reservas cambiais para cobrir gastos. Na véspera de seu último de mandato, o governo de Cristina Kirchner ainda precisa de fôlego financeiro.