Prestes a completar dois anos à frente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Leonardo Pereira afirma que o aperfeiçoamento da atividade sancionadora será a marca de sua gestão na autarquia. "Fortalecer a atividade sancionadora, que é uma das tarefas mais importantes de um regulador, é o meu projeto. Mas não quero que ele seja só meu, mas da CVM, que faça parte da cultura da casa. Porque se o regulador não tiver uma atividade sancionadora de respeito, não dá para falar em credibilidade junto a investidores", afirmou o presidente da autarquia. "Quando eu sair daqui, quero que as pessoas estejam em um patamar melhor do que estavam de entendimento e capacitação", disse. Recentemente, ele criou uma força-tarefa interna para enfrentar o problema do "insider trading" e da manipulação de mercado no país.

Neste ano, muitos casos afetaram o mercado, como as denúncias de corrupção na Petrobras; o sumiço de € 897 milhões do caixa da Portugal Telecom, durante processo de fusão com a Oi; ou o sobe-e-desce frenéticos dos mercados em função de pesquisas eleitorais. A atuação sancionadora da CVM tem sido cobrada pelo mercado, que quer respostas mais rápidas da autarquia e capazes de inibir novas infrações.

Durante o ano passado e neste, Pereira conta que concentrou esforços em mapear e entender melhor a atividade sancionadora dentro de casa. "Várias das nossas superintendências fazem atividades sancionadoras e não havia uma consolidação de todos esses processos e da evolução de suas etapas", afirma. Do ano passado para cá, a Coordenação de Controle de Processos Administrativos (CCP) passou a ter, de fato, uma função de controladoria e a reunir dados e monitorar o andamento da atividade sancionadora. Foi a partir daí, conta Pereira, que foi possível estabelecer metas para o andamento dos processos, que inicialmente focaram a velocidade dos julgamentos, e que agora cada vez mais passarão a concentrar-se na qualidade de todo o procedimento, explica.

"Minha maior preocupação daqui para a frente é a qualidade da instrução para evitar, por exemplo, o que vimos num julgamento recente que envolvia BTG e CCX ", diz Pereira. No processo citado, a acusação preparada pela autarquia tinha graves falhas. Apontava, por exemplo, datas erradas para uma negociação com informação privilegiada pelo banco com ações da companhia - em dias citados, o BTG sequer tinha ações da empresa. O banco foi absolvido, uma vez que realizou as operações dentro de seu compliance, e no voto lido no julgamento a relatora destacou outras falhas de investigação.

Para Pereira, ainda falta à CVM mais cuidado, uniformização e capacitação de pessoal cada vez mais ampla. "Cada caso levado a julgamento é um caso, com suas especificidades. Se você precisa capacitar alguém para trabalhar com um programa de computador é uma coisa. Agora, se precisa capacitá-lo para algo que não tem receita, como investigar um ilícito de mercado, o esforço é muito mais desafiador", diz Pereira. "Essa pessoa não vai ser especialista em insider, em manipulação ou questões de conselho. Ela tem de ter uma visão e um arcabouço na cabeça capaz de entrar nas investigações pelos caminhos corretos. E ter a ciência de que se não souber algo, precisa procurar ajuda com outras pessoas", diz.

A capacitação poderá passar por contratação de pessoal e também por treinamentos, entre eles aqueles feitos a partir de um convênio com a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador americano.

CVM procura adequar índices de condenação e absolvição dos processos em um percentual mais equilibrado

Por conta da consolidação da atividade sancionadora, conta Pereira, ele passou a receber mensalmente relatórios com informações tabeladas de inquéritos abertos, julgados, ofícios de alerta encaminhados, ritos sumários ou termos de compromisso fechados, entre outros. "Com esses dados em mãos hoje eu consigo ver como as coisas evoluem e onde é que estão paradas. E aí consigo cobrar ou detectar onde é preciso melhorar. Esse acompanhamento consolidado está sendo feito pela primeira vez. Agora temos essa centralização, que é uma evolução a partir de outras medidas tomadas pelos meus antecessores", disse.

Ele conta que foi possível, por exemplo, identificar um departamento em que os processos ficavam paralisados por tempo muito grande. "Trocamos o gerente", diz. Também permitiu acompanhar a evolução dos processos e identificar as etapas que precisariam ser melhoradas e aquelas em que a evolução já ocorreu. Também foi possível estabelecer metas, desde 2013. Uma primeira preocupação foi reduzir o " estoque" - até o fim do ano, não se pode ter nenhum processo de antes de dezembro de 2009 "parado no armário".

Também se procura adequar índices de condenação e absolvição dos processos em um percentual mais equilibrado. "Não podemos ter absolvição nem muito alta nem muito baixa. Pois isso pode significar que você está perdendo tempo com alguns casos ou errando nas instruções", diz. "Existe um percentual mais racional que vai mostrar que o regulador pegou as coisas certas." Conforme levantamento feito pelo Valor, no último ano, as condenações estão ao redor dos 65%.

Para Pereira, agora que se conhece a atividade sancionadora internamente, se pode falar em dar mais qualidade ao processo. "Se o mercado não acreditar que a atividade sancionadora é séria, não resolve", diz Pereira, ciente das queixas do mercado de que a autarquia "não consegue pegar nada". "Acho que conseguimos pegar algumas coisas, mas certamente temos que melhorar. Agora, temos que pegar coisas médias, pequenas e grandes. Não dá pra ficar esperando passar um elefante e deixar passar um monte de formigas, que vão matar a plantação de qualquer maneira."

Sobre os questionamentos de que a CVM, por vezes, deixa eventos acontecerem para depois avaliá-los, Pereira considera a questão como praticamente filosófica. " Qual é o mandato da CVM como regulador de conduta? Como você pode intervir antes ou quando tem que intervir depois?", pergunta. Para ele, em muitos casos, para tomar atitudes antes de alguns eventos é preciso ter um histórico. "Mas no fundo temos que pensar no que vai ser melhor para o mercado a longo prazo", diz.

Pereira também destaca que a autarquia sempre será alvo de críticas. "Eu tenho tranquilidade de saber que sempre vão falar. O que temos de fazer é mostrar o nosso trabalho e não desanimar", diz. Ele diz não concordar plenamente com a observação de que as pessoas hoje não temem a CVM. "Algumas pessoas não têm medo. Mas muitas têm. Têm medo não, têm respeito. Eu, quando estava do outro lado, respeitava a CVM e sei que muita gente respeita. Quem tem minimamente decência respeita", diz Pereira, que saiu da diretoria financeira da Gol para a autarquia.

Por vezes as referências das críticas feitas à CVM vem das ações da SEC nos Estados Unidos, mas por conta de um "poder de polícia" que o regulador americano possui e de que a CVM não dispõe. No caso da Petrobras, por exemplo, a SEC tem poder para investigar atos de corrupção, o que não está no mandato da autarquia no Brasil. Como a CVM abriu o processo, advogados avaliam que ela poderá trabalhar numa tese que relate uma falta de dever de diligência de executivos ou abuso de poder de controle da União. Pereira não comentou o tema, pois tem como regra não tratar de casos específicos.

 

Grupo vai conhecer as experiências de outros países

Valor Econômico - 03/11/2014

Do Rio

As negociações de investidores com uso de informação privilegiada são um problema grande e sério no mercado de capitais brasileiro, afirma Leonardo Pereira, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

"Sempre que converso com grandes investidores e analistas no Brasil, eles reclamam disso. Pergunto quais são os problemas e eles respondem que no Brasil o mercado é pequeno, todo mundo fala com todo mundo, e as pessoas vazam informações", afirma Pereira. "Essa é uma prática ruim. Então se nós estamos falando em fortalecer o mercado de capitais para que ele esteja pronto para financiar o crescimento econômico, nós certamente temos que lidar com isso. Não podemos fugir dessa questão", afirma Pereira.

A CVM criou uma força-tarefa interna para pensar o problema do "insider trading" e da manipulação de mercado no Brasil. O grupo vai discutir como implementar melhorias, tanto na atividade de supervisão quanto na sancionadora. "Tudo tem de estar muito bem pensado e desenhado para termos uma supervisão cada vez mais efetiva e instruções que sejam sólidas para uma atividade sancionadora equilibrada, que não seja sair por aí atrás de todo mundo", afirma.

Segundo Pereira, esse grupo vai buscar informações sobre o que outros países estão fazendo para combater o insider. Um ponto principal, explica, refere-se à forma como a tecnologia pode ajudar nas investigações e o que é preciso ser feito em termos de estrutura. "Pode ser preciso, por exemplo, criar um time diferenciado para tratar disso. São ideias. Mas o bom da força-tarefa é que ideias serão geradas e discutidas", disse ele reforçando que esse é um problema comum a todos os mercados globais.

Neste ano, como um reflexo do plano estratégico desenhado pela autarquia em 2013, a CVM separou as atividades de supervisão do "insider trading".

Quem negocia com ações de posse de informação privilegiada é um insider primário se for, por exemplo, um administrador da companhia - ou seja, alguém que tem acesso direto e dever de zelar pela informação. O insider primário pode ser punido não apenas administrativamente, via CVM, mas também criminalmente. O insider secundário é aquele que obteve uma informação sigilosa de um insider primário. Ou seja, ele não teve acesso direto nem o dever de zelar pela informação. Esse insider secundário não é punível criminalmente.

Já há seis meses ficou decidido na CVM que o insider primário é acompanhado pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP); e o secundário pela Superintendente de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI).

"Se você está falando de gente das empresas, a investigação tinha de ficar com a nossa área que acompanha as companhias", diz Pereira. Ele cita como exemplo o fato de a SEP já ter implementado o acompanhamento de 100% das negociações dos administradores, durante períodos de silêncio que antecedem divulgação de balanços das companhias.

A SMI é a área da autarquia que acompanha as negociações em bolsa e está mais atenta ao comportamento do investidor. "Separamos o acompanhamento porque os casos e expertises são diferentes", disse.

Pereira destaca também que muitas pessoas negociam com informação privilegiada tendo ciência de que estão fazendo algo ilícito, mas outras, não. "Temos que tomar muito cuidado com isso, pois também existe a necessidade muito importante de orientação e de educação", disse. Segundo ele, o problema do insider existe, é global e nunca vai acabar. "Temos que lidar com ele e estarmos sempre atentos."