O ex-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, preso desde quarta-feira da semana passada, vai prestar depoimento hoje à tarde, na Polícia Federal (PF), sobre a polêmica compra, em 2006, da Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA). Na manhã de ontem, após visitar o cliente na carceragem da PF, em Curitiba, o advogado Edson Ribeiro afirmou que, agora, Cerveró "será contundente". Ele ressaltou que o ex-diretor vai apontar a responsabilização do Conselho de Administração da estatal e da presidente Dilma Rousseff, que, na época, presidia o colegiado. O Palácio do Planalto está em alerta. Nos bastidores, existe o temor de que Cerveró traga novas informações e puxe a presidente novamente para o centro do escândalo. Até o fechamento desta edição, a assessoria de comunicação da PF não havia confirmado o horário do depoimento. 

De acordo com a defesa, a tese que será defendida pelo ex-diretor é de que, se Dilma diz que tomou a decisão de compra com base em parecer falho, a petista não foi diligente ao analisar os documentos. A compra da refinaria, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), causou um prejuízo de US$ 792 milhões à estatal. Aos que visitam Cerveró na prisão, o ex-executivo tem demonstrado sua mágoa com a maneira como foi tratado pela petista. "Ele está indignado com a situação. Desta vez, o depoimento será contundente. Ele não teve contundência (contra a presidente Dilma) anteriormente por determinação minha. Por quê? Estávamos num período pré-eleitoral e eu não quis que Nestor fosse usado por um partido ou por outro", explicou Ribeiro. 

O defensor afirmou que Cerveró, ao contrário do que se espalhou em Brasília, não é um homem-bomba. "Ele apenas vai falar a verdade. Quem descumpriu o estatuto social da Petrobras foi o Conselho de Administração. Vai dizer que, se o parecer era falho, a presidente Dilma, que presidia o conselho, tinha obrigação de chamá-lo para tirar todas as dúvidas." De acordo com Ribeiro, no depoimento de hoje, Cerveró será bastante objetivo. "Vai apontar o que for para apontar. Essa responsabilização (da presidente) será dita aqui. Ele não tem nenhum trunfo. Só vai dizer o que realmente aconteceu", declarou. 

A artilharia voltada para a presidente colocou o Planalto em alerta desde a prisão de Cerveró, no dia 14, quando Edson Ribeiro afirmou que a presidente da Petrobras, Graça Foster, também deveria ter sido presa. Para os palacianos, as acusações soaram completamente fora do tom. A ordem no Planalto é blindar a presidente ao máximo para evitar que essas declarações respinguem em Dilma. Na terça-feira, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Pepe Vargas, repetiu o discurso que tem sido adotado quando a presidente ou Graça Foster são citadas em denúncias que envolvam a Petrobras. Segundo ele, não há nenhuma responsabilização de Dilma, e quem vier a dizer isso terá que provar. O ministro ressaltou que a petista não foi citada por nenhum órgão que investiga ilícitos na Petrobras. Ontem, o Planalto não comentou as novas declarações da defesa de Cerveró. 

O líder do governo na Câmara reforçou a proteção em torno de Dilma. "A presidente não tem nenhuma questão a temer. Tanto que está fazendo as investigações para apurar o que está ocorrendo na Petrobras. Vamos aguardar o depoimento dele (Cerveró)", disse o deputado Henrique Fontana (PT-RS). 

Na semana passada, os advogados anexaram ao pedido de habeas corpus um parecer sobre a negociação de Pasadena, redigido por um escritório do Rio de Janeiro. O documento, entregue à Justiça Federal, aponta que houve "negligência, violação do dever de diligência e precipitação desnecessária" do Conselho de Administração da estatal na compra do empreendimento em questão. "Se agora entenderam que o negócio foi ruim, não houve diligência na época. O Conselho de Administração, então, precisa ser responsabilizado. O próprio estatuto diz que, se o conselho não cumprir as regras, ele é responsabilizado, inclusive com bloqueio de bens", informou Ribeiro. 

Além de Dilma, integravam o colegiado o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli e o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci. O próprio Gabrielli - que até hoje defende a compra da refinaria - disse que, se houve erro, Dilma precisa ser responsabilizada. O parecer de Cerveró indica que não houve zelo na análise da negociação por parte dos conselheiros. "Fica claro que o Conselho de Administração não observou as normas internas, imperativas, da Petrobras, que regiam tais tipos de aquisições." 

Senha 
Na manhã de ontem, Nestor Cerveró forneceu aos policiais federais a senha do celular e do tablet apreendido com ele, no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, no momento da prisão. De acordo com o advogado, o ex-diretor recebeu, ontem, a visita do filho. 

O Ministério Público Federal do Paraná justificou o pedido de prisão do ex-diretor da Área Internacional da Petrobras dizendo que "há fortes indícios de que ele continua a praticar crimes". Cerveró teve a prisão preventiva decretada após movimentação financeira suspeita. Além de doar imóveis para parentes, no Rio de Janeiro, o ex-executivo da Petrobras teria tentado sacar R$ 500 mil de uma aplicação financeira. Para a Polícia Federal, ele estaria se movimentando para fugir do país. 

Colaborou Naira Trindade 

Memória 

Compra suspeita nos EUA 

Em 17 de março de 2014, 400 policiais federais deflagraram a Operação Lava-Jato para combater quatro grupos que agiam isolada ou conjuntamente na lavagem de R$ 10 bilhões derivados dos mais diversos tipos de crimes - de tráfico de drogas e contrabando a sonegação e corrupção na Petrobras. A ação ocorreu em 17 cidades de sete unidades da Federação. Entre os 30 detidos, estava o doleiro Alberto Youssef. 

Dois dias depois, reportagem do jornal O Estado de S.Paulo revelou que a presidente Dilma Rousseff aprovou a compra da Refinaria de Pasadena (foto), no Texas, em 2006, quando ainda chefiava a Casa Civil. Mais tarde, a petista alegou que se baseou em um relatório incompleto feito pelo então diretor da estatal Nestor Cerveró. 

O Conselho de Administração da Petrobras, na época presidido por Dilma, autorizou a compra de metade da refinaria por US$ 360 milhões, sendo que, um ano antes do negócio, a Astra Oil havia pagado US$ 42,5 milhões por toda a planta de Pasadena. Posteriormente, por causa de cláusulas do contrato, a estatal brasileira foi obrigada a ficar com 100% de Pasadena, antes compartilhada com a empresa belga. Acabou desembolsando US$ 1,18 bilhão, cerca de R$ 2,8 bilhões.

 

Os políticos de Youssef

A munição do doleiro Alberto Youssef contra políticos ainda é grande. Em Curitiba, nos bastidores do Ministério Público Federal, da Justiça Federal e entre advogados criminalistas, circula a informação de que ele, um dos principais operadores do esquema, preso na carceragem da Polícia Federal desde 17 de março, não contou ainda nem metade do que sabe sobre o envolvimento de autoridades no maior escândalo de corrupção da história do país. 

Até o momento, no acordo de delação premiada, o doleiro já produziu 57 anexos com temas diferentes. Uma força-tarefa de procuradores acredita que Youssef será a principal fonte nesta fase da operação. Esse grupo vai se debruçar sobre o material produzido pela Operação Lava-Jato com o objetivo de avançar nas investigações que apontam a participação de políticos com foro privilegiado. 

A portaria que cria o grupo de trabalho foi assinada na segunda-feira pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e tem prazo de atuação de seis meses. 

Deprimido na cadeia, o doleiro já avisou a pessoas próximas que não tem mais nada a perder. Repete a todo instante que só pensa na família e nos filhos. Separou-se da mulher na prisão, está bem mais magro e envelhecido. Ele divide a cela com um preso comum.