Dos 21 principais reservatórios de água do Brasil, 98% estão com os níveis mais baixos do que estavam em junho de 2001, quando foi decretado racionamento de energia no país. Apenas São Simão, que contribui com somente 2,54% da geração de energia das regiões Sudeste e Centro-Oeste, está com nível melhor este ano, com 58,13% da sua capacidade, ante 31,71% em junho de 2001. Dois - Ilha Solteira e Três Irmãos - estão completamente vazios. 

Apesar de a situação estar pior, todo o ganho que o país teve com racionalização do uso da energia pelos consumidores naquele ano foi perdido. Enquanto em 2001 houve uma queda no consumo das famílias da ordem de 25%, em 2015, a demanda só tem aumentado, chegando a picos recordes, como o de segunda-feira, quando houve apagão em 10 estados e no Distrito Federal. 

Os dados comparativos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que quatro dos maiores reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste, responsáveis por 70% da geração de energia do país - Emborcação, Nova Ponte, Itumbiara e Furnas - estão com os níveis mais críticos: 14,23%, 10,95%, 10,75 e 11,25%, respectivamente. Essas hidrelétricas contribuem com 45% das reservas nas duas regiões. 

Desgraça 
Conforme o ONS, em 2001 o Brasil tinha um parque térmico muito menor, com menos termelétricas capazes de suprir a energia que as hidrelétricas não conseguem gerar por falta de água. Também havia menos linhas de transmissão. "A Região Sul não tinha como transmitir a energia excedente para o Sudeste. Assim como não existia ainda a transmissão do Norte para o Sudeste", explicou o ONS, por meio da assessoria de imprensa. 

Na avaliação do professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (IEE/USP) Ildo Sauer, agora existem mais termelétricas e linhas de transmissão do que em 2001, mas a carga - demanda de energia do país - mais do que dobrou desde então. "Se a economia tivesse crescido como o previsto e necessário, já estaríamos em crise total. Tivemos redução de consumo em 2008, por conta da crise mundial, e também em 2014, pela estagnação da economia brasileira. Esses dois fatos, que são ruins, serviram de bônus para o setor elétrico", assinalou. 

Para o especialista, o governo deixou de fazer um terço das obras necessárias em infraestrutura energética e está pagando o preço por isso. "O ONS teve que gerenciar a desgraça, forçando um desligamento (que resultou no apagão da segunda-feira), para que o pior não ocorresse. Isso não pode acontecer num país em que as tarifas são as maiores do mundo e permitiriam, com folga, financiar as obras necessárias para termos sistemas de transmissão, geração e distribuição com confiabilidade", observou. Na opinião de Sauer, o Brasil tem potencial para gerar 15 mil megawatts (MW) com usinas eólicas, mas o planejamento energético priorizou usinas térmicas. "O governo preferiu queimar R$ 60 bilhões em combustíveis para alimentar térmicas, do que usar vento e água, que é de graça", disse. 

No entender do presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros, falta um programa incentivado pelo governo de racionalização de energia que seja capaz de conter o consumo e o desperdício. "Em 2001, a Região Sul, que não era obrigada a racionar, conseguiu economizar de forma voluntária cerca de 8% de eletricidade, apenas com o uso racional da época", lembrou.

 

 

Crise hídrica atinge 937 cidades

ROSANA HESSEL
BARBARA NASCIMENTO

Quase 20% dos municípios brasileiros já decretaram ou estão perto de anunciarem racionamento de água. Segundo o Ministério da Integração Nacional, 937 cidades estão em estado de emergência por causa da seca ou estiagem. Trata-se da pior crise hídrica do país dos últimos anos. A gravidade da situação, porém, é tratada com cautela, pois não há interesse de muitos prefeitos em assumirem publicamente o corte no fornecimento de água. 

Na Região Sudeste, onde há maior concentração de pessoas, o nível dos reservatórios está à beira da calamidade. Em Minas Gerais, a falta de água atinge 88 municípios; em São Paulo, três; e, no Espírito Santo, um. Esses são os números oficiais, mas técnicos do governo federal acreditam que a quantidade de municípios é muito maior, pois também o Rio de Janeiro já indicou que enfrenta dificuldades no abastecimento na região do Paraíba do Sul. 

No Centro-Oeste, mesmo com as represas mais cheias do que a média do país, o sinal de alerta foi acionado. Como as chuvas de janeiro estão abaixo do esperado, no Distrito Federal, as barragens do Descoberto e do Torto/Santa Maria encontram-se aquém no normal para o período, o que pode afetar o fornecimento de água na capital do país quando o período de seca começar. A Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb), por sinal, vem fazendo cortes constantes no abastecimento. 

Para Peter Cheung, especialista em hidráulica e saneamento, os problemas hídricos no país são uma tragédia anunciada, devido à má gestão dos recursos naturais do país. "Temos os municípios, que são donos da infraestrutura de saneamento, temos companhias de saneamento públicas e privadas, autarquias e uma agência reguladora. Esses órgãos não conversam entre si. Não há um modelo de gestão integrada no país. Não há sequer dados atualizados sobre o setor", pontuou. 

Segundo Airton Sampaio Gomes, especialista em eficiência de sistemas e abastecimento, o país desperdiça 37% da água tratada, perdendo pelo menos R$ 7,5 bilhões por ano. Além disso, o governo pouco tem feito para buscar padrões de qualidade, como no Japão, que tem uma taxa de desperdício menor que 5%. "Para reverter o desastroso quadro atual, será necessário melhorar a gestão operacional. Infelizmente, não vemos nada nesse sentido. Os profissionais das agências reguladoras são indicados políticos, poucos são técnicos especializados", afirmou. "Quem precisa fiscalizar não fiscaliza. Para piorar, a população não ajuda, porque desperdiça água como se fosse um bem infinito."

Colapso 
A situação atual é tão dramática, que, mesmo com a volta das chuvas, levará tempo para que o abastecimento se normalize. Não está descartado, por exemplo, que represas como a de Cantareira, em São Paulo, sequem, provocando estragos na economia no estado e do país. Sem água, as empresas são obrigadas a suspender a produção. Em caso extremo, podem fechar as portas e demitirem, causando sérios problemas sociais. "O risco de colapso é iminente se nada for feito rapidamente", alerta Cheung. 

Prejuízos 
Estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que 75% das grandes empresas poderão perder faturamento em razão da crise hídrica. No polo petroquímico de Paulínia, fábricas têm parado a operação por algumas horas em razão da crise hídrica. "É um efeito em cadeia. Menos faturamento para a indústria, menos investimentos, menor arrecadação e PIB (Produto Interno Bruto) mais fraco", afirmou a gerente do Departamento de Meio Ambiente da Fiesp, Anícia Pio.