A crise no sistema penitenciário de Pernambuco, deflagrada depois da divulgação de imagens de presos portando facões, fazendo festa com jogo de luz e fabricando cachaça, é mais um capítulo do desgoverno em relação aos cárceres do país. Com quatro vezes mais detentos do que a capacidade, a unidade Antônio Luiz Lins de Barros, onde as cenas foram gravadas, sofre de um total descontrole, que começa na superlotação. A despeito da falta de espaço físico para abrigar os presos, o estado, quarto na destinação de recursos federais para construção de presídios nos últimos quatro anos, não conseguiu executar nem 1% das obras contratadas com a verba.

Dos sete contratos fechados, totalizando R$ 82 milhões destinados pelo governo federal, não há nenhum sequer próximo de ficar pronto, para aliviar o deficit de vagas em Pernambuco, que abriga cerca de 32 mil presos em 11 mil vagas. Uma parceria público-privada para levantar um complexo penitenciário em Itaquitinga, na Zona da Mata, era apontada como uma das soluções para o problema de falta de vagas. No entanto, a empresa responsável pela obra faliu. Na última inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no primeiro semestre de 2014, uma das recomendações ao Executivo local foi a criação de 5.396 vagas no prazo de dois anos — promessa feita ontem pelo governo pernambucano.

Pedro Eurico, secretário de Justiça e Direitos Humanos do estado, disse que provavelmente amanhã medidas emergenciais para o sistema prisional serão anunciadas pelo governador Paulo Câmara (PSB). Com a crise, um novo titular para a Secretaria de Ressocialização, que cuida da área carcerária, foi escolhido. Éden Vespaziano, coronel reformado da Polícia Militar, assumirá no lugar do juiz Humberto Inojosa, que entregou o cargo anteontem. Os desafios do novo chefe, apontam especialistas ouvidos pelo Correio, são gigantescos e têm origem em uma política reconhecidamente positiva: o Pacto pela Vida, que reduziu drasticamente os homicídios no estado desde 2007.

“Se, por um lado, você tem resultados nos índices de violência, o estado passou a encarcerar mais e mais, sem fazer um estudo sobre o impacto desse aumento no número de presos, sem destinar mais recursos à área, sem contratar mais agentes”, diz o advogado e pesquisador José de Jesus Filho, membro do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, ligado ao governo federal. Em visita recente aos presídios do estado, José, que é voluntário da Pastoral Carcerária, classifica o sistema local como “impossível de ser gerenciado”.

“O que mais choca em Pernambuco é a desigualdade dentro dos locais. Enquanto em uma cela o preso tem cama de casal, geladeira e outro preso limpando o lugar para ele, no espaço seguinte, você vê dezenas de presos amontoados no esgoto, literalmente, em áreas onde funcionam o esgoto do presídio”, destaca José. Ele resume o caos, dizendo que o sistema de Justiça não funciona. “As pessoas são jogadas ali, sem separação por crime, sem atenção à progressão, sem funcionários. Já percorri o Brasil, mas Pernambuco é algo assustador. A violência é aberta. Você entra e vê as pessoas brigando, lutando fisicamente.”

O CNJ, no último relatório sobre o complexo onde fica o presídio Antônio Luiz Lins de Barros, registrou uma passagem sobre a violência latente no local. Uma pessoa com guarda-chuva estava acompanhando a comissão de inspeção por ser um dia chuvoso, quando um agente penitenciário mandou que ela levantasse a camisa. “Foi constatado que (a pessoa) estava de posse de duas facas peixeiras na cintura, uma em cada lado, demonstrando com isso a total insegurança dos que ali transitam ou fazem inspeção”, assinalou o relatório.

Ônus

Para o pesquisador Robson Sávio, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a construção de presídios vem carregada de um ônus político grande, além de despesas que os governadores não querem assumir, resultando na demora crônica para se erguer presídios no Brasil. “A população do município é a primeira a reclamar (diante da proposta de construção de uma prisão), embora peça mais cadeias. Além disso, há um gasto de manutenção elevado. Cada preso custa, em média, R$ 1,8 mil. Como o modelo prisional de hoje — privilegiando os crimes patrimoniais e de drogas, e não os contra a vida — não diminui os índices de criminalidade, não há custo-benefício para os governantes.”

A população carcerária brasileira já ultrapassa 600 mil detentos, dos quais cerca de 40% são presos provisórios. O índice de detidos sem condenação da Justiça, no Complexo Prisional do Curado, onde fica o presídio Antônio Luiz Lins de Barros, era de 64,95% quando o CNJ esteve lá, ano passado. O índice foi descrito como “alarmante” pelo conselho. A Secretaria de Ressocialização de Pernambuco, responsável pela área carcerária, não respondeu aos questionamentos da reportagem até o fechamento desta edição. O Ministério da Justiça, que firma os convênios com os estados para o repasse de verbas destinadas à área carcerária, também foi procurado, mas não retornou.