Título: Gol de placa nas regras para obras da Copa
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Fonte: Correio Braziliense, 30/06/2011, Opinião, p. 22
Primeiro, o brasileiro percebe quão atrasadas estão as bilionárias obras de preparação do país para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Depois, o governo alega a situação de emergência para pôr de escanteio a Lei de Licitações (nº 8.666/93) e propor que a infraestrutura necessária aos dois megaeventos seja executada com base num Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Para tornar mais nebulosa a situação, as novas regras cobriam de sigilo os gastos, tiravam dos órgãos de fiscalização do Estado o poder de zelar por eles de modo permanente e não fixava prazo para a abertura das informações à sociedade. Ou seja, tecia-se uma rede de intrigas por meio da qual só se vislumbravam suspeitas de superfaturamento e de desvio de verbas públicas.
Quanto mais o Palácio do Planalto se esforçava para desfazer as desconfianças, mais elas cresciam, maiores se tornavam as resistências no Congresso Nacional à aprovação da Medida Provisória 527, em que se insere o RDC. De nada adiantava alegar que o objetivo do sigilo era baixar preços, evitar a combinação de valores entre empresas interessadas. As dúvidas pesavam também sobre os privilégios concedidos à Federação Internacional de Futebol (Fifa) e ao Comitê Olímpico Internacional (COI), para que pudessem apresentar aditivos, alterando especificações de obras em andamento, inclusive impondo despesas extras. Nessa conjuntura de incertezas, o tempo corria e a MP 527 aproximava-se do prazo de validade (sua vigência esgota-se em 14 de julho).
Angustiada com a hipótese de o país dar vexames planetários em 2014 e 2016, a população, enfim, respirou oxigênio novo na noite de terça-feira. Se a mobilidade, a hospedagem e os estádios para os espetáculos estarão garantidos na época certa com a qualidade e o preço justos esperados, é aguardar para conferir. Ao menos o governo Dilma Rousseff deixou de desperdiçar pênaltis e marcou gol de placa ao restabelecer o bom-senso nas regras para as obras. Emendas de última hora suprimiram do RDC os superpoderes da Fifa e do COI e também as amarras dos Tribunais de Contas, do Ministério Público e da Controladoria-Geral da União para uma fiscalização efetiva. Enfim, restabeleceram-se princípios caros à Constituição Federal, como os da publicidade, da moralidade, da legalidade, da impessoalidade.
As mudanças ora efetivadas têm o mérito de abrir espaço à transparência ¿ e, por tabela, ao maior controle do Estado ¿ na contratação dos bilionários investimentos a serem feitos para a Copa e os Jogos Olímpicos. Arriscar-se-á, contudo, quem aplicar ao caso o velho chavão de que nunca é tarde para corrigir erros. O RDC precisa, agora, ser aprovado pelo Senado, sem modificações, em exatas duas semanas. É cada vez mais exíguo o prazo para o país cumprir os compromissos assumidos perante a comunidade internacional desde que se candidatou e conquistou a honra de sediar os dois eventos. Portanto, basta de trilhar caminhos alternativos, ainda que supostamente fundados em boas intenções. O êxito da empreitada é responsabilidade de cada cidadão e apenas a retidão levará à eficiência capaz de envaidecer o contribuinte.