O segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, cujo lema é Pátria Educadora, começa com um corte de quase R$ 600 milhões nos gastos mensais discricionários (não obrigatórios) destinados ao setor educacional. A pasta da Educação sofreu o maior bloqueio provisório das despesas de custeio dos 39 ministérios do governo petista, conforme o decreto publicado ontem no Diário Oficial da União e assinado pela chefe do Executivo e pelo seu novo titular do Planejamento, Nelson Barbosa.
No texto de justificativa, o Ministério do Planejamento informou que o corte de 33% foi linear e teve impacto igual sobre os gastos de cada pasta. "Como o maior orçamento na parte discricionária é o da Educação, proporcionalmente, acabou representando um valor maior do que o dos demais órgãos", explicou. O teto mensal para as despesas discricionárias inadiáveis da Educação foi reduzido de R$ 1,7 bilhão para aproximadamente R$ 1,2 bilhão.
Em valores, o segundo maior corte recaiu sobre o Ministério da Defesa, de R$ 156,4 milhões, quase quatro vezes menor o do primeiro colocado. O terceiro lugar ficou com o Ministério das Cidades, com R$ 144,4 milhões a menos do que o previsto pelo duodécimo constitucional. Esse valor é estabelecido quando o Orçamento do exercício não é aprovado no ano anterior pelo Congresso Nacional. Pela regra, o governo só pode gastar 1/12 dos valores previstos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) deste ano com despesas discricionárias.
No entanto, em razão do decreto de ontem, Dilma acabou mudando essa premissa e resolveu apertar um pouco mais o cinto, reduzindo esse percentual constitucional para 1/18, ou seja, em R$ 1,9 bilhão por mês. Com isso, o gasto total mensal de todo o governo com despesas inadiáveis ficou em R$ 3,8 bilhões em vez dos R$ 5,7 bilhões estimados anteriormente pelo Ploa. O corte serve de sinalização de que o governo está disposto a cumprir sua meta fiscal e levar os ajustes adiante.
De acordo com os dados do Planejamento, o valor desse contingenciamento - caso o Orçamento de 2015 não seja aprovado - será de R$ 22,7 bilhões no acumulado em 12 meses. Desse total, segundo o ministério, não estão incluídos os recursos reservados aos investimentos, muito menos os benefícios dos cidadãos. A base dos gastos para que esse contingenciamento fosse feito foi de R$ 68 bilhões, dos R$ 294,9 bilhões de despesas discricionárias previstas para este ano.
Apesar de o governo negar que vá conter investimentos com as tesouradas em curso, 20% do valor reservado aos gastos não obrigatórios, ou seja, R$ 65 bilhões, são referentes aos desembolsos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Além disso, esse valor contingenciado no decreto é menor que os também R$ 65 bilhões previstos de corte no Orçamento que precisará ser feito para que o governo cumpra a meta de economia para o pagamento dos juros da dívida pública neste ano, de R$ 66,3 bilhões, ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). "O governo pode falar que não mexerá nos investimentos, mas será inevitável. A maior parte das despesas discricionárias é investimento", explicou o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.
Prioridades
Cada ministério, ressalta o Planejamento, definirá como realizará os seus cortes dos gastos discricionários, diante do limite determinado no decreto de ontem. "Os itens que sofreram limitação são diárias e passagens, aluguéis, contratos, publicidade e todas as demais despesas de custeio discricionário. Cabe aos órgãos definirem as suas prioridades", informou a pasta chefiada por Barbosa.
O fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, também considera inevitável uma limitação nos investimentos. "Vamos ver como cada ministério vai fazer seu corte. Apenas passagens e diárias não serão suficientes para chegar aos valores previstos", disse. Na avaliação de especialistas, o decreto foi muito bem recebido pelo mercado, especialmente porque a equipe econômica reduziu o duodécimo para 1/18 das despesas que são possíveis cortar. A bolsa subiu e a curva de juros dos títulos públicos abriu o dia de ontem em queda.
"A medida foi positiva e melhora a imagem do governo para o mercado. Ela sinaliza a intenção da nova equipe econômica em perseguir a meta de superavit primário de 1,2% do PIB e isso ajudou um início de queda na curva de juros, o que é bom para que o Banco Central não eleve muito a Selic (taxa básica da economia)", disse o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa.
Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon Brasil, vê no contingenciamento um sinal de austeridade para o público externo (mercado e sociedade) e de restrição para o público interno (ministérios e aliados). "Institucionaliza, dá visibilidade e autoridade ao boca de caixa", avaliou.
Mesma opinião tem Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global, para quem a medida é positiva "em termos qualitativos" ao sugerir comprometimento da equipe econômica liderada por Joaquim Levy, da Fazenda. "Mas o que o mercado deseja averiguar são os resultados mensais do primário desde janeiro", acrescentou.
Eduardo Velho fez uma ressalva de que essa limitação nos gastos sofrerá pressões. "Devemos lembrar que haverá restos a pagar de 2014 nas contas iniciais de 2015. Além disso, pressão de novos gastos com o setor elétrico", explicou. Para tentar resolver isso, o governo deverá tomar uma decisão sobre um novo empréstimo de R$ 2,5 bilhões para as distribuidoras de energia elétrica na próxima segunda-feira, informou o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga. Segundo ele, a presidente Dilma deu aval para que o Braga negocie com o Ministério da Fazenda empréstimo nos bancos públicos para ajudar as concessionárias a pagar as dívidas e também a construir solução duradoura para 2015.
Bate-papo no Facebook
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vai estrear um canal de comunicação direto com a população. O novo homem forte da economia responderá hoje às perguntas feita pelos internautas, a partir das 11h, na página do Facebook do portal Brasil Maior. A assessoria de imprensa da pasta não informou a duração desse encontro on-line, já batizado de "Face to Face". Na última quarta-feira, o novo titular da Previdência Social, Carlos Gabas, também participou de evento semelhante.
Investidor otimista

O anúncio de limitação nos gastos do governo, a recuperação do preço do petróleo no mercado internacional e a sinalização de que os Estados Unidos não têm pressa para elevar os juros fizeram a Bolsa de São Paulo (BMFBovespa) fechar ontem em alta pelo terceiro dia consecutivo, com valorização de 0,97%, a 49.943 pontos. Na semana, o Ibovespa - principal indicador da bolsa paulista - subiu 3%.
As ações da Petrobras foram responsáveis por grande parte desses ganhos. Os papéis ON (com direito a voto) valorizaram 6,75%, vendidos a R$ 9,02, enquanto os PNs tiveram ganho de 5,88%, a R$ 9,18. "A possibilidade de piso para as cotações do petróleo parece tranquilizar os investidores", comentou a Guide Investimentos em nota aos clientes. A alta das ações da petroleira se deve à notícia de que a empresa voltou a comprar mais combustível no exterior, devido à queda na cotação da commodity, possibilitando que a gasolina seja vendida no país por preço acima do gasto com a importação.
Os investidores também repercutiram o decreto publicado pelo governo reduzindo os gastos mensais de 1/12 para 1/18 do previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). "Acreditamos que a medida é positiva e que o anúncios de aumentos de impostos e de mais cortes de gastos é necessário para que a meta de superavit primário seja factível", escreveu a corretora Brasil Plural, em nota a clientes.
Câmbio
Além do aumento da confiança do mercado com a proposta de austeridade fiscal no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, contribuiu para a queda da cotação do dólar ontem a divulgação da ata do Federal Reserve (Fed - banco central norte-americano) que sinaliza alta de juros apenas para abril. "O Fed desfez um pouco a preocupação do mercado. Com um pouco menos de medo de juros mais altos nos Estados Unidos, o dólar tem espaço para cair um pouco aqui", disse o superintendente de Câmbio da corretora Tov, Reginaldo Siaca.
A manutenção em 0,5% da taxa básica pelo Banco Central Europeu também somou para a desvalorização do ativo que encerrou o dia cotado a R$ 2,67 para venda com queda de 1,15%. "Tivemos fatores positivos nos mercados externo e doméstico. O real teve um dia favorável por todos os lados", resumiu o gerente de Operações do Banco Confidence, Felipe Pellegrini, ressaltando, contudo, que o quadro de indefinições significa que a "amanhã é outro dia" para o câmbio.